Em 1998, quando “Halloween — O Regresso do Mal”, de John Carpenter, fez 20 anos, apareceu “Halloween H20: O Regresso”, de Steve Miner, em que Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) reencontrava Michael Myers, o assassino em série, enfrentava-o e decapitava-o no final. Este filme, o sétimo da franquia, passa-se numa linha temporal que ignora as partes IV, V e VI, ligando-se directamente a “Halloween II-O Grande Massacre”, de Rick Rosenthal (esqueçamos “Halloween III-Regresso Alucinante”, que não tem nada a ver com o universo da série) e acabou por ter uma continuação, “Halloween-A Ressurreição”, de Rick Rosenthal (2002), de novo com Jamie Lee Curtis, cuja Laurie afinal tinha decapitado a pessoa errada. A esta seguiram-se duas “prequels”, ambas de Rob Zombie e sem Jamie Lee Curtis, prefazendo um total de 10 fitas de “Halloween” entre 1978 e hoje.

[Veja o “trailer” do filme original de John Carpenter de 1978]

Até o mais ferrenho fã da série “Halloween” se sente algo perdido no meio deste labirinto de continuações, “reboots” e reinterpretações, unidos pela omnipresença de Michael Myers, já que o falecido produtor da série, Moustapha Akkad, tinha uma cláusula nos contratos que fazia com argumentistas e produtores, que não autorizava que ele morresse. Passados 40 anos sobre a estreia do clássico de John Carpenter que veio redefinir e vitaminar o filme de terror, “Halloween”, de David Gordon Green, em que Carpenter e JamieLee Curtis são produtores executivos, ele é também o autor da banda sonora e ela volta a personificar Laurie, pede-nos para esquecermos todos os filmes que houve entre este e o original, apresentando-se como a sua continuação directa e legítima. (Reparem no genérico em arrepio minimalista, com a abóbora iluminada a crescer. Não vai ser o Halloween do Charlie Brown e do Snoopy).

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[Veja o “trailer” de “Halloween”]

Ou seja, confronto decisivo entre Laurie Strode, a sobrevivente do massacre das “babysitters” de 1978, e Michael Myers, o assassino silencioso que comunga do real e do sobrenatural, do humano e do monstruoso, há só um, o deste “Halloween” que sopra 40 velas no bolo da série, e mais nenhum. Num canto está Laurie Strode a quem os acontecimentos de “Halloween: O Regresso do Mal” deixaram viva mas traumatizada, que não mais conseguiu ter uma vida normal (divorciou-se duas vezes, a filha chegou a ser-lhe tirada pela Assistência Social e tem relações tensas com a família) e espera há quatro décadas pelo duelo final com Michael Myers, instalada numa moradia-fortaleza isolada e a abarrotar de câmaras de vigilância, holofotes e armas. A família diz que ela se transformou numa Cassandra securitária. Mas Laurie sabe do que é a casa do Mal gasta.

No outro canto está Michael Myers, encerrado há 40 anos hum hospício de alta segurança, sempre mudo que nem uma pedra, acompanhado por um psiquiatra que é o discípulo e sucessor do Dr. Loomis de Donald Pleasence, alvo da curiosidade de dois jornalistas ingleses que têm um “podcast” especializado em crimes e criminosos, e que vai ser transferido para outra instituição, nem por coincidência na noite de Halloween. No tempo que demora a dizer “Vem aí o Papão!”, Myers evade-se, recupera a sua sinistra máscara branca e ruma a Haddonfield, ao mesmo tempo que regressa aos velhos hábitos de massacrar quem lhe sai pela frente, aparecer de repente por trás das pessoas, manifestar-se nos bancos de trás dos automóveis e sair de dentro de guarda-roupas. Tudo sem soltar uma sílaba. (Nick Castle, o Michael Myers “histórico”, regressa também à personagem, e P.J. Soles, que faz a amiga de Laurie no filme de 1978, tem uma breve participação).

[Veja a entrevista com David Gordon Green]

https://youtu.be/oYl4xp4FG8A

David Gordon Green, cineasta de boa reputação “indie” também assina o argumento de “Halloween”, com Danny McBride e Jeff Fradley. E, com inteligência, discrição e cinefilia, vai beber, narrativa e estilisticamente, a “Halloween-O Regresso do Mal”, seguir também a lição de John Carpenter na definição das atmosferas, feitas mais de desconforto e tensão do que de sustos e sobressaltos em enfiada, sem se meter em “pastiches” ou “desconstruções” e usando ainda os “travellings” deslizantes do mestre, na companhia da sua música ominosa (e agora mais “dura”). A violência deste “Halloween” é, no entanto, um pouco mais gráfica do que a do original de 1978 (há um duplo assassínio de choque na casa de banho imunda de uma estação de serviço) e falta a Green o sentido de unidade de lugar que ajudava à força visual e dramática de “Halloween — O Regresso do Mal”.

[Ouça a nova versão do tema de “Halloween” por John Carpenter]

O possante e tenebroso clímax de “Halloween”, quando Laurie e Michael ficam finalmente frente-a-frente, ainda obcecados um com o outro depois de passados tantos anos, acaba por envolver três gerações de mulheres da família Strode no combate ao Mal incarnado (além daquela, a filha Karen, interpretada por Judy Greer, e a neta Allyson, por Andi Matichak), meter ao barulho não só armas de fogo como também as boas velhas facas de cozinha, e ter uma resolução ígnea que limpa recordações perturbadoras e sossega terrores antigos. À falta de ter John Carpenter atrás das câmaras outra vez, este “Halloween” de David Gordon Green é a melhor conclusão possível para o pesadelo que começou há 40 anos, na noite em que os espíritos malignos andam à solta.