Vários artistas portugueses apelaram, numa carta aberta dirigida à RTP, responsável pela escolha do representante nacional no concurso, ao boicote de Portugal ao Festival Eurovisão da Canção, que em 2019 irá decorrer em Telavive, Israel.

“Pedimos à RTP que aja dentro da EBU-União Europeia de Radiodifusão para que o festival seja transferido para um país onde crimes de guerra – incluindo assassinatos de jornalistas – não são cometidos e, caso contrário, se retire completamente do Festival de 2019”, lê-se na carta, endereçada esta semana à RTP, responsável pela candidatura portuguesa ao concurso.

A lista de signatários inclui, entre outros, a escritora Alexandra Lucas Coelho, a artista plástica Joana Villaverde, a cantora Francisca Cortesão, os atores João Grosso, Maria do Céu Guerra e Manuela de Freitas, a pintora Teresa Dias Coelho, a cineasta Susana Sousa Dias e o fotógrafo Nuno Lobito.

Além disso, assinaram também a carta aberta artistas portugueses como o músico José Mário Branco e o diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, Tiago Rodrigues, que tinham subscrito uma missiva de apoio a um apelo de organizações culturais palestinianas para o boicote ao Festival Eurovisão da Canção 2019, caso decorra em Israel, divulgada em setembro no jornal britânico The Guardian.

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Na carta dirigida à RTP, os artistas portugueses, referindo que “Eurovisão não combina com Apartheid”, defendem que a estação pública, ao anunciar a participação de Portugal no concurso em Israel em maio, “confirma a sua disposição, em nome do entretenimento, de encobrir a ocupação israelita do território palestiniano e a contínua negação dos direitos humanos do povo palestiniano”.

Os signatários defendem que “Israel declarou-se efetivamente um Estado de apartheid ao adotar este ano a ‘Lei do Estado-Nação Judeu'”.

“Aos seus cidadãos palestinianos é agora negada constitucionalmente a igualdade de direitos. Este apartheid determina até mesmo que secções da população sob o controle de Israel poderão participar na Eurovisão. Ao ser anfitrião da Eurovisão 2019, Israel branqueia este apartheid e utiliza a Eurovisão de forma desavergonhada como parte da sua estratégia oficial Brand Israel, que pretende mostrar a ‘face mais bonita de Israel’ para desviar deles a atenção do mundo dos seus crimes”, lê-se na carta.

Os artistas que assinam a missiva, recordando que “inspirados pelos artistas que em consciência rejeitaram o Sun City no apartheid sul-africano nos anos 80, organizações culturais e artistas palestinianos apelaram a que se pressione Israel de forma não violenta através do boicote até que sejam cumpridas as suas obrigações segundo a lei internacional”, tornam público o seu apoio “a este apelo, ao lado de milhares de artistas pelo mundo fora”.

“Porque não queremos tornar-nos cúmplices das violações dos direitos humanos do povo palestiniano. Queremos antes chamar a atenção do mundo para a colonização, que a cada ano se torna mais violenta”, sustentam.

A Lusa pediu uma reação à RTP, mas tal não foi possível em tempo útil.

A carta aberta divulgada em setembro foi subscrita por artistas internacionais como Brian Eno, The Knife, Wolf Alice e finalistas da Eurovisão, incluindo os vencedores de 1994, os irlandeses Paul Harrington e Charlie McGettigan, os cineastas Alain Guiraudie, Ken Loach, Mike Leigh, Aki Kaurismäki e Eyal Sivan (israelita).

Israel recebe o Festival Eurovisão da Canção em 2019 depois de ter vencido a edição deste ano, em Lisboa, com o tema “Toy”, interpretado por Netta Barzlilai.

Esta será a terceira vez que Israel acolhe o concurso, depois de 1979 e 1999, em Jerusalém, por ter vencido nos anos anteriores. Em 1980, embora tenha vencido em 1979, o país declinou a oportunidade de organizar o concurso pela segunda vez consecutiva, acabando por passar para a Holanda.

Em maio passado, quando venceu o concurso em Lisboa, a cantora israelita Netta Barzlilai celebrou a vitória dizendo que em 2019 o festival seria em Jerusalém, algo que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, imediatamente reforçou, para mais tarde recuar.

A referência a Jerusalém foi feita numa altura em que os israelitas comemoravam, em maio, os 70 anos do nascimento do Estado de Israel, e o festival acabou por ser tornar num argumento de discussão política e diplomática sobre os estados judeu e palestiniano, quando as conversações de paz internacionais entre ambos continuam num impasse.

A situação política foi ainda acompanhada pela transferência da embaixada dos Estados Unidos em Israel de Telavive para Jerusalém.

Em junho, a União Europeia de Radiodifusão, organizadora do festival, fez saber que pretendia um lugar “menos controverso” do que Jerusalém, cidade dividida entre israelitas e palestinianos desde 1967, e Benjamin Netanyahu concordou que o governo se afastaria da escolha da cidade.

Ao mesmo tempo, diversas organizações culturais palestinianas apelaram ao boicote ao concurso.