É muito improvável a reabertura ao público em 2019 do edifício do Museu do Design e da Moda (MUDE), junto ao Arco da Rua Augusta, em Lisboa, de acordo com informações prestadas pela diretora, Bárbara Coutinho. Falta lançar um concurso para concluir obras de reabilitação e o calendário de atividades fora de portas inclui uma exposição no segundo semestre deste ano, o que sustenta a conclusão de que o museu não estará pronto antes de 2020.

Em entrevista ao Observador, Bárbara Coutinho disse ser “prematuro” adiantar datas precisas para retoma e conclusão das obras, paradas desde março de 2018. Garantiu, porém, que estes atrasos não comprometem a imagem do museu ou a relação de proximidade com os lisboetas.

A diretora adiantou que novas peças têm vindo a ser integradas no acervo do MUDE, incluindo dos designers de moda Nuno Baltazar e Maria Gambina e da cenógrafa do Teatro da Cornucópia Cristina Reis. Quanto ao famoso pórtico de Querubim Lapa, recentemente comprado pelo museu, deverá integrar a estrutura do edifício, quando este abrir portas.

Em termos de iniciativas fora de portas em 2019, Bárbara Coutinho avançou a novidade: terá lugar em junho, num dos torrões da Cordoaria Nacional, uma exposição dedicada ao trabalho do conhecido fotógrafo surrealista Fernando Lemos, mas agora com enfoque no trabalho que este desenvolveu ao longo de décadas no Brasil enquanto designer.

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Receio de um sismo

O MUDE faz parte da rede de museus da Câmara de Lisboa e foi inaugurado em 21 de maio de 2009, com o então presidente da Câmara, António Costa, a garantir que se tratava de “uma grande oportunidade para se conseguir revitalizar a Baixa” – zona da capital então muito diferente do que é hoje, ainda sem o “boom” de lojas, restaurantes, hotéis e turistas. Previa-se que uma Loja do Cidadão funcionasse no mesmo imóvel, o que nunca se verificou nem está agora pensado.

Para a instalação do MUDE, a Câmara de Lisboa tinha decidido comprar o edifício da antiga sede do Banco Nacional Ultramarino, no número 24 da Rua Augusta, e o negócio, no valor de 15,5 milhões de euros, foi aprovado pela Assembleia Municipal com votos favoráveis de PS, PCP, BE e CDS e a abstenção do PEV e do PSD. O acervo fundador foi o da coleção de design de equipamento e de design de moda de Francisco Capelo, com cerca de 2.500 peças, adquirida pela autarquia por 6,6 milhões de euros, quando Pedro Santana Lopes era presidente, em 2003. A coleção tinha estado durante anos no Centro Cultural de Belém, mas a instalação do Museu Berardo determinou a mudança.

O MUDE ganhou popularidade e acolheu quase dois milhões de visitantes em 58 exposições. O mau estado de conservação do edifício era um problema desde o início e obrigou mesmo ao encerramento em maio de 2016. Dois anos antes, o vereador da Reabilitação Urbana da Câmara de Lisboa tinha dito ser “urgente” iniciar obras de requalificação do edifício do MUDE e estimou o respetivo valor em cerca de nove milhões de euros. “Se temos o azar de ter um tremor de terra em Lisboa, aquele é um dos primeiros edifícios a cair”, afirmou Manuel Salgado, que hoje se mantém no executivo camarário. O PSD, na oposição, criticou então o vereador e argumentou que o verba para requalificação era “megalómana”.

“O museu não está totalmente fechado, o que está fechado é o edifício”, afirma Bárbara Coutinho (©Luísa Ferreira)

Novo concurso sem data

O projeto de requalificação de 2016 estimava em 420 dias o prazo da empreitada e esta foi atribuída pela Câmara à construtora Soares da Costa. Uma memória descritiva, assinada pela diretora do museu, previa manter o “estado em bruto” do edifício – imagem de marca do MUDE, com o interior descarnado –, uma loja no piso térreo, exposições temporárias nos pisos 1, 2, 4 e 5, exposição permanente no piso 3, centro de documentação, espaço de residências para criadores, um auditório e restaurante e esplanada no piso 6. Porém a obra terá sofrido atrasos sucessivos, por alegado incumprimento da construtora, e em março do ano passado a Câmara afastou a Soares da Costa e decidiu lançar um concurso público internacional.

“Problemas de solvência da empresa, que são públicos, levaram a uma situação de incumprimento e que houvesse a necessária resolução do contrato”, explicou Bárbara Coutinho. Sobre o motivo pelo qual o MUDE permitiu que a empreitada daquela construtura demorasse 22 meses, em vez dos 13 meses e meio estipulados, a mesmo responsável disse que foi preciso “ir apurando responsabilidades”, o que implicou demora. Quanto ao facto de o novo concurso ainda não ter sido lançado, acrescentou que isso se deve à “revisão de projeto” que está a ser feita por uma equipa multidisciplinar e envolve vários departamentos camarários.

Perante isto, terá sido precipitado abrir o museu em 2009, sem que o edifício estivesse totalmente preparado? A diretora sugeriu que não e afirmou que é preciso ter em conta o contexto à época.

“Não era sequer concebível naquela altura adquirir o edifício, desenvolver o projeto museológico e ainda fazer obras de remodelação. Veja-se a ação do MUDE de 2009 a 2016, com as exposições que fizemos, o público que recebemos, o número de publicações, o acervo que salvaguardámos, o trabalho com outras instituições. Teria sido melhor ficar à espera de melhores dias para abrir o museu?”, perguntou Bárbara Coutinho.

Defensora da ideia de quem museu não é apenas o próprio edifício, mas um projeto cultural mais vasto, afirmou que o MUDE “não está totalmente fechado, o que está fechado é o edifício da Rua Augusta para obras de requalificação integral”.

“Um museu é uma instituição com estratégia, com programação, com um trabalho visível e invisível, com uma equipa. O espaço físico é fundamental para concretizar em pleno o programa de um museu e é isso que está em causa nesta requalificação: dar condições ao MUDE que lhe permitam a plena execução do programa museológico, que, aliás, não estava em pleno antes do encerramento em 2016, por falta de segurança em algumas áreas do edifício.”

Por enquanto, os 14 funcionários do MUDE estão a trabalhar no Torreão Poente do Terreiro do Paço (à direita de quem está frente ao Tejo), com uma vista luminosa e desafogada sobre esta zona de Lisboa, e aí se manterão até à reabertura da sede. O torreão também deverá entrar em obras brevemente, para aí ser instalado em definitivo um dos polos do Museu da Cidade, indicou o gabinete da vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto.

“É previsível a data de lançamento do concurso e de reabertura do MUDE, mas reservamos essa informação para já, porque não queremos estar a gorar expectativas”, justificou Bárbara Coutinho. “Será em breve”, acrescentou. O custo da nova obra e o prazo de execução também não foram divulgados. “Os pressupostos e desenhos de 2016 mantêm-se totalmente. Nada se alterou, o que se alterou foi termos interrompido a obra e sermos obrigados a lançar novo concurso.”

Interior do MUDE deverá manter-se no “estado em bruto” (©Luísa Ferreira)

Surrealista Fernando Lemos em junho

As iniciativas fora de portas têm sido a face visível do MUDE desde o encerramento, pelo que a longa espera pela reabertura “não representa um divórcio”, segundo Bárbara Coutinho.

“Claro que é um processo difícil, não podemos fazer um trabalho expositivo, educativo e de comunicação ideal, porque a prioridade são as obras. Não estamos tão presentes nos média e na opinião pública, mas o tempo em museu é um tempo diferente do aqui e agora e a verdade é que a ação do MUDE tem continuado”, reconheceu.

A programação fora de portas, ou nómada, como prefere a diretora, é qualificada como “rica e complexa”. Entre outras, houve uma parceria com a iniciativa Lisboa — Capital Ibero-americana de Cultura 2017, que incluiu uma exposição do Palácio Calheta, “Tanto Mar: Fluxos Transatlânticos do Design”. A mostra “Presente, Futuro: Design para a mudança”, no centro comercial Amoreiras. E a iniciativa “Como se Pronuncia Design em Português?”, que levou obras portuguesas à Rhode Island School of Design, em Providence, nos EUA.

Essa presença nómada vai continuar em 2019, com um orçamento de cerca de 240 mil euros, se se mantiverem os números de 2018. São duas as novidades. Uma exposição a inaugurar em junho no Torreão Poente da Cordoaria Nacional, em Lisboa, sobre Fernando Lemos, mais conhecido em Portugal como fotógrafo da geração dos surrealistas, mas que no Brasil, onde ainda vive, desenvolveu um trabalho sistemático como designer. A curadoria é de Chico Homem de Mello. Fernando Lemos virá a Lisboa, se a saúde permitir. A outra exposição, já no segundo semestre de 2019, inclui a Rhode Island School of Design e a Trienal de Arquitetura de Lisboa, em torno do tema do reordenamento do território.

Querubim incorporado

Quanto ao acervo, expandiu-se além da Coleção Francisco Capelo e hoje conta 9.680 entradas, repartidas por design de produto, design de moda e design gráfico. Tem aumentado a cada ano e nos próximos meses vai integrar peças de Nuno Baltazar e Maria Gambina, obras da cenógrafa e designer gráfica Cristina Reis, a coleção de design industrial de Carlos Galamba e a coleção de design gráfico de Carlos Rocha. Em 2018 foram adquiridas peças do português Joaquim Tenreiro, que se tornou um dos nomes relevantes do design moderno no Brasil.

Entretanto, o museu comprou também o pórtico de 1956 criado para a extinta Loja Rampa, do Chiado, por Querubim Lapa (1925-2016), um dos mais importantes artistas visuais portugueses. Segundo Bárbara Coutinho, há a intenção de incorporar o pórtico no interior do edifício do MUDE. “sem se retirar valor à peça e sem pareça um apêndice no espaço”, uma solução que está a ser estudada.