Quando subiu pela primeira vez a um palco tinha sete anos e a guitarra portuguesa que utilizou para tocar “Fado das Horas” era maior do que ele. Era o concretizar de um sonho: acompanhar a voz da bisavó, Celeste Rodrigues. Estávamos na Gala de Prémios da Rádio Amália. “Foi incrível, muitas pessoas a ver, foi na Voz do Operário, foi a primeira vez que subi a um palco, foi muito fixe mesmo, as pessoas ficaram curiosas, claro, acho que não é muito normal ver-se uma pessoa de sete anos a tocar”, explica Gaspar numa entrevista dada em sua casa, em Lisboa.

É o próprio que afirma, do alto da sua inocência – que lhe confere muita piada –, que só começou a aprender guitarra portuguesa para concretizar o tal desejo. Mas quando o sonho se conclui, Gaspar já sabia tocar, já sabia que ia continuar a tocar. Ainda assim, recupera um diálogo interessante que teve com Celeste Rodrigues, algures no Alentejo:

“Ela puxava por mim, sim, mas quando lhe disse que queria ela levava aquilo muito na brincadeira. Uma vez estávamos no Alentejo e eu estava com uma raquete a fingir que era uma guitarra, ainda não tocava, e a minha avó estava a cantar. Disse-lhe: ‘Quando for grande vou aprender a tocar para te acompanhar’ e ela disse: ‘Oh filho, quando tu fores grande eu já fui viajar’ e eu respondi: ‘não faz mal, eu espero’”.

[“Lisboetas”:]

E quem, espera, como já todos sabemos, sempre alcança. Aos 13 anos recebeu um convite do Museu do Fado para gravar um disco. Que veio a apresentar em novembro de 2018, já com 15 anos, no Pequeno Auditório do CCB, acompanhado por Francisco Gaspar no contrabaixo e por André Ramos na viola-fado, quer em disco, quer em palco. Guiado pelo seu mestre, Paulo Parreira, com quem tem aulas duas vezes por semana – e a quem se junta, muitas vezes, às sextas, na casa de fados Sr. Vinho – Gaspar fez um alinhamento onde tem vários temas que foram escolhidos por terem sido dos primeiros que aprendeu a tocar.

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A segunda canção do disco é “Mudar de Vida”, de Carlos Paredes, que gravou com o saxofonista Ricardo Toscano, isto preso a uma ideia de querer tirar a guitarra portuguesa do lugar cativo que tem no fado: “O Carlos Paredes gravou o ‘Mudar de Vida’ com flauta transversal, decidi fugir um bocado do fado… a guitarra portuguesa não tem que estar sempre associada ao fado, a mim também me irrita um bocadinho estarem sempre a fazer essa associação, é um instrumental como outro qualquer. Então, como sempre me habituei a ouvir vários estilos, decidi convidar o Toscano e fazer um tema mais jazzístico”, explica o jovem, que garante que, por influência dos pais, foi ouvindo vários estilos musicais ao longo da sua curta vida.

“Vou quase todos os fins-de-semana a casas de fado. Não é em casa que se aprende” (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

E, sim, convenhamos que os pais (o pai é Diogo Varela Silva, realizador) são essenciais na gestão de uma carreira que aparece numa altura de definição pessoal e de desenvolvimento por excelência. Gaspar estuda na EPI – Escola Profissional da Imagem, um curso que pretende aproximá-lo ainda mais do que escolheu ser: músico. Por lá aprende a trabalhar em estúdio, a fazer música em teclado midi, entre outras coisas e disciplinas mais comuns, como matemática, português, inglês, física, etc. Uma decisão que agrada bastante ao guitarrista: “Se estivesse numa escola normal e no ensino regular ia ser uma seca gigante. Mas como estou num curso de que gosto é na boa, faz-se muito bem”, diz referindo-se à conciliação entre música e escola.

Gestão que os pais fazem com rigor, sobretudo no binómio noites em casas de fado vs testes importantes:

“Vou quase todos os fins-de-semana a casas de fado, claro que se tiver testes importantes os meus pais metem um travãozinho, mas fazem questão que eu vá. Não é em casa que se aprende, quer dizer, aprende-se, treina-se, ganha-se prática, faço muito aquela coisa de pôr música a tocar e tocar por cima, mas acho que é a ouvir os antigos que se aprender, é a veres e a juntares-te aos músicos mais velhos que consegues evoluir”, afirma.

[“Mudar de Vida”:]

Dado que também não é de negar é o facto de Gaspar Varela ter um concerto marcado no Lux, um sítio onde, se quisesse entrar, não podia, por falta de idade. “É verdade, isso é que tem ainda mais piada. Nunca entrei lá, mas é um espaço com vinte anos, só pode ser incrível, vi o concerto que a Carminho fez lá, que está no YouTube, e pareceu-me bem”, diz.

Se aos 15 anos já tem um disco editado e vários concertos, como será quando tiver 30? Gaspar Varela não sabe e prefere não saber. Sabe que esse peso o fez querer mais, continuar a gravar e a editar discos, a tocar, em vários formatos: “Sim, quero, desde o CCB que me deu uma certa pica para avançar, quero continuar a ser guitarrista solo e a acompanhar. Quando estou a acompanhar não estou ali para o pessoal me ouvir, estão ali para ouvir a fadista, tenho que fazer o máximo possível para que a fadista brilhe, gosto desse lugar mais lá de trás”, atira.

“Se um dia sentir que isto da guitarra é uma obrigação, deixo de o fazer” (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

Depois provocámos Gaspar, nesta ideia de que aos 15 anos ainda se pode mudar de objetivos, ainda se pode querer, afinal, ser veterinário ou contabilista ou o que bem nos apeteça. Mas não, acha que não:

“Nunca se colocou, não foi uma opção. Não levo a guitarra portuguesa como uma obrigação, mas sempre tive a consideração de que é isto que quero fazer. Gosto de fazer outras coisas, adoro desporto, futebol, futsal gosto muito, e gosto de surfar, mal mas gosto. Mas se um dia sentir que isto da guitarra é uma obrigação, deixo de o fazer, porque não vou estar confortável a fazer algo que não quero. E na verdade acho que isso não vai acontecer”.

Pois, nós também achamos que não. E quem duvidar basta ouvir o disco, homónimo, para se consciencializar. Ou então é passar no Lux.