A chegada de Bruno Lage ao comando técnico do Benfica trouxe ao clube da Luz uma tranquilidade que ia escasseando nos meses anteriores. A crise de resultados de Rui Vitória, aliada ao desgaste que o treinador português foi acumulando com escolhas de onzes iniciais, críticas públicas por parte de Luís Filipe Vieira e a insatisfação dos adeptos, abriram espaço a um período de quase lua de mel entre Bruno Lage e o Benfica que se estendeu ao longo da conquista da Liga, que não sofreu arrufos nas eliminações da Taça da Liga e da Taça de Portugal e não foi sequer ameaçada com a saída da Liga Europa. A tranquilidade entre treinador e clube parecia, desde janeiro até agora, condenada a um “felizes para sempre”. Mas nada, nem a tranquilidade, dura para sempre.

A primeira discussão apareceu com a derrota na Luz perante o FC Porto, num jogo em que os dragões foram superiores em toda a linha aos encarnados; a segunda surgiu com o desaire com o RB Leipzig, novamente em casa, mas desta vez a contar para a Liga dos Campeões; e por fim, no desentendimento mais visível e audível desde que Bruno Lage assumiu o comando da equipa principal, os adeptos saíram da Luz a assobiar jogadores e equipa técnica no final da partida da Taça da Liga com o V. Guimarães, que terminou sem golos. Lage, a apelar à tranquilidade de outros tempos, pediu calma.

Ficha de jogo

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Zenit-Benfica, 3-1

Fase de grupos da Liga dos Campeões

Gazprom Arena, em São Petersburgo, na Rússia

Árbitro: Carlos del Cerro Grande (Espanha)

Zenit: Lunev, Ivanovic, Rakitskiy, Douglas Santos, Barrios, Azmoun (Erokhin, 81′), Driussi, Shatov (Karavaev, 68′), Smolnikov (Osorio, 63′), Dzyuba, Ozdoev

Suplentes não utilizados: Kerzhakov, Zhirkov, Mak, Sutormin

Treinador: Sergei Semak

Benfica: Vlachodimos, Tomás Tavares, Rúben Dias, Jardel, Grimaldo, Fejsa (Caio Lucas, 60′), Gabriel, Pizzi (Carlos Vinícius, 60′), Rafa, Taarabt, Seferovic (Raúl de Tomás, 81′)

Suplentes não utilizados: Zlobin, Nuno Tavares, Ferro, Gedson

Treinador: Bruno Lage

Golos: Dzyuba (22′), Rúben Dias (ag, 70′), Sardar Azmoun (78′), Raúl de Tomás (85′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Rakitskiy (44′)

Calma que só apareceu a espaços já este fim de semana, graças ao golo de Carlos Vinícius que valeu uma vitória frente ao V. Setúbal. A tranquilidade total, o recordar da lua de mel cuja memória parece escassear, Bruno Lage tinha de a procurar esta quarta-feira, na Rússia, perante o Zenit. E o primeiro passo para fazer as pazes foi dado ainda antes de qualquer jogador entrar no relvado: e estava na escolha do onze inicial. Depois de aproveitar a Liga Europa, na temporada passada, para lançar jovens que tinha treinado na equipa B e nas restantes fases da formação encarnada, Lage tentou esta época aplicar uma fórmula semelhante na Liga dos Campeões. Contra o RB Leipzig, fez várias alterações, tirou titulares do onze, colocou Jota na frente de ataque e esperou pelo melhor. Mas o melhor acabou por não chegar e as críticas — as críticas que tinham em mente o discurso de Luís Filipe Vieira e Rui Costa, que visa a existência de um “projeto europeu” — não tardaram. Por isso, talvez por isso, o treinador tenha esta quarta-feira colocado em campo os habituais Pizzi, Rafa, Seferovic e o regressado Gabriel.

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Existiam mudanças, ainda assim. Uma previsível, face à lesão de André Almeida (entrava Tomás Tavares), outra inesperada, já que Jardel estava no lugar de Ferro ao lado de Rúben Dias. Lá à frente, era Taarabt quem surgia na zona mais adiantada do terreno, a atuar perto de Seferovic, e Fejsa e Gabriel coexistiam no setor intermédio. Nos minutos iniciais da partida, onde do outro lado estava um Zenit que é nesta altura quinto na liga russa, poderiam ter aparecido golos dos dois lados do relvado: Sardar Azmoun atirou já na grande área para Vlachodimos defender com os pés (3′), Seferovic cabeceou ao lado depois de um canto batido na esquerda por Pizzi (5′). Esta espécie de preview deixava antecipar, no mínimo, um jogo discutido com muitas oportunidades de golo — mas nem sempre os trailers dos filmes representam fielmente tudo aquilo que acaba por estar lá.

Com posse de bola mas sem conseguir fazer nada com ela, o Benfica só conseguiu ameaçar a baliza de Lunev por intermédio de remates de meia distância, normalmente através de movimentos de Pizzi do corredor para a faixa central. Os encarnados mantinham as linhas muito subidas, com Jardel e Rúben Dias a tentar montar a primeira fase de construção perto do meio-campo, mas o Zenit conseguia criar perigo graças aos inúmeros erros e passes incorretos que o Benfica não evitava nas transições. Na velocidade, os russos sabiam quebrar a organização defensiva portuguesa e chegar com perigo à grande área de Vlachodimos. Douglas Santos acertou na barra com um remate a partir da direita (9′) e à terceira tentativa, que mais não foi do que o aproveitamento de um deslize inacreditável, o Zenit chegou mesmo à vantagem. Vlachodimos solicitou Fejsa à entrada da própria grande área, o sérvio recebeu de costas para a baliza e permitiu o corte de Ozdoev, que isolou Dzyuba; à saída do guarda-redes, o avançado russo não falhou.

Até ao intervalo, o Zenit esteve sempre mais perto de aumentar a vantagem — Driussi rematou ao lado (41′) — do que o Benfica esteve de empatar e a equipa de Bruno Lage precisava de fazer muito mais para lutar pelo resultado na Rússia. O conjunto encarnado estava praticamente apático, a cometer erros pouco habituais nas transições e a facilitar na zona mais recuada, acabando por permitir a progressão do adversário e esgotando todas as oportunidades de que dispunha para causar perigo e procurar o golo.

Na segunda parte, o Benfica regressou tal e qual como tinha deixado o relvado 15 minutos antes: sem vontade, sem força e sem capacidade, a permitir a entrada dos jogadores russos no espaço entre linhas e a capitular face à pressão alta e eficaz do Zenit. Bruno Lage fez duas substituições por altura da passagem do primeiro quarto de hora do segundo tempo, trocando Pizzi e Fejsa por Carlos Vinícius e Caio Lucas — naquele que foi o quarto jogo seguido em que o número 21 foi substituído –, mas o problema estrutural dos encarnados mantinha-se.

Sempre que Gabriel, que realizou uma exibição global muito acima dos restantes companheiros, aparecia em zona de construção, não descobria linhas de passe, não encontrava movimentos de rotura e não tinha soluções. Nenhum dos homens mais adiantados do Benfica, mesmo com a inclusão de Caio e Vinícius, se oferecia para romper a bem organizada defesa russa, que criava uma autêntica muralha à entrada da grande área. Ainda assim, foi com as entradas dos dois jogadores que os encarnados chegaram ao melhor período que viveram no jogo, com Caio Lucas a protagonizar um remate de fora de área que causou calafrios a Lunev (69′). Esse momento, em que se tornava cada vez mais plausível que a equipa de Bruno Lage chegasse ao empate, foi interrompido e esvaziado pelo segundo golo do Zenit, que aproveitou a fragilidade defensiva originada pela saída de Fejsa para irromper pelo meio-campo encarnado.

Karavaev, acabado de entrar, percorreu o corredor direito sem oposição e cruzou tenso para a zona da pequena área, onde Azmoun já estava ao segundo poste à espera de encostar. Antes de o lance chegar ao iraniano, porém, Rúben Dias tentou fazer o alívio e acabou por introduzir a bola na própria baliza, assinando aquele que foi o terceiro autogolo da carreira (70′). O descalabro emocional e exibicional do Benfica permitiu o terceiro golo do Zenit, apenas oito minutos depois, numa jogada em que Dzyuba aproveitou mais uma desatenção da defesa portuguesa para assistir Azmoun, que driblou Vlachodimos e empurrou para a baliza (78′). Até ao final, Bruno Lage ainda colocou em campo Raúl de Tomás, retirando Seferovic, e o avançado espanhol estreou-se a marcar com a camisola do Benfica já perto do fim, através de um grande remate de fora de área (85′) — naquele que é mesmo o único aspeto positivo da ida dos encarnados à Rússia.

Bruno Lage pediu calma, fez o jantar, acendeu velas e montou o momento romântico perfeito para fazer as pazes com os adeptos e o Benfica. Mas o jantar não tinha sal, as velas tinham pavio curto e o momento romântico não teve os frutos desejados. A equipa encarnada não teve intensidade, não teve vontade, foi apática e vê agora os oitavos de final da Liga dos Campeões por um canudo muito estreito.