A universidade de Hong Kong que esta semana foi palco de batalhas entre polícia e estudantes converteu-se numa espécie de comuna, guardada por catapultas e ‘controlos fronteiriços’, enquanto alunos passaram a gerir cantinas ou transportes.

“O que está a acontecer no ‘campus’ é incrível e alarmante”, disse à Lusa o arménio Robert Tsaturyan, que desde setembro passado frequenta o doutoramento em Literatura na Universidade Chinesa de Hong Kong (CUHK, na sigla em inglês).

Tsaturyan, um dos poucos alunos estrangeiros que não foi retirado do ‘campus’ após os confrontos desta semana, contou como as entradas para a universidade apresentam, neste momento, um “departamento de imigração”, onde visitantes são revistados, para “evitar o acesso de polícias à paisana”.

“Outros estudantes estão encarregados de gerir as cantinas e os cafés: preparam a comida, que é distribuída gratuitamente, com bebida incluída”, disse.

Na terça-feira passada, o ‘campus’ da CUHK foi palco de alguns dos combates mais violentos desde que protestos antigovernamentais começaram em Hong Kong há quase seis meses.

Os estudantes lançaram centenas de bombas incendiárias contra a polícia, que respondeu com balas de borracha e granadas de gás lacrimogéneo. Nuvens de fumo, visíveis a dezenas de quilómetros, barricadas em chamas e feridos a serem transportados deram ao ‘campus’ a aparência de um campo de batalha.

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Os confrontos começaram na ponte número dois, no topo da rodovia Tolo, de onde, segundo a polícia, os estudantes lançaram tijolos e outros objetos para a estrada para cortar a circulação rodoviária, o que se tem repetido em vários pontos de Hong Kong.

A CUHK ganhou reputação como o epicentro dos protestos dos últimos meses. A imprensa estatal chinesa classificou-a como a “universidade dos revoltosos”, um epíteto que os estudantes adotaram, com muitos a usar ‘t-shirts’ com o termo estampado, disse o arménio.

O superintendente-chefe da polícia de Hong Kong, John Tse Chun-Chung, designou-a de “mau presságio” para Hong Kong: “uma universidade devia ser um terreno fértil para futuros líderes, mas tornou-se num campo de batalha para criminosos e revoltosos”.

Durante os confrontos de terça-feira, Robert Tsaturyan, que na Arménia cumpriu dois anos de serviço militar, disse ter ficado admirado com a “preparação e o espírito e solidariedade” entre os estudantes. “Nunca tinha visto tanta munição e armadura”, admitiu.

Nos acessos à universidade, uma cadeia humana de centenas de metros composta por antigos alunos da CUHK, vestidos com trajes formais, garantiu o fornecimento de mercadorias para a frente de batalha, contou.

Os confrontos entre os manifestantes, vestidos de negro, e a polícia estenderam-se noite dentro, apesar das tentativas da universidade em negociar um cessar-fogo. Barricadas em chamas mantiveram a polícia afastada do ‘campus’, situado numa colina, acima de um subúrbio de classe média. Os estudantes feridos durante os confrontos iam recebendo assistência numa instalação desportiva transformada em clínica por alunos de medicina, acrescentou Tsaturyan.

O arménio descreveu um misto de “paixão, solidariedade e medo”, entre os alunos: “muitos passaram a noite ao ar livre em redor da ponte e no campo de um estádio próximo, de guarda face a uma possível nova investida da polícia”.

O estudante adiantou que catapultas de madeira, fisgas, arcos e flechas, e outras armas medievais, estão agora a ser fabricadas e testadas no ‘campus’, enquanto autocarros escolares e outros meios de transporte da universidade passaram a ser conduzidos pelos alunos.

“Uma tragédia iminente precisa ser evitada”, alertou.