Recuperámos este texto esta quinta-feira, dia 22 de março, depois de um porta-voz do Kremlin ter admitido usar armas nucleares se a existência da Rússia estiver em risco.
30 de outubro de 1961. A União Soviética, intimidada pela superioridade norte-americana no armamento nuclear, detona uma bomba a quatro mil metros de altitude na Ilha Severny, no norte da Rússia, e liberta 58 megatoneladas de TNTs de energia — milhares de vezes mais do que a bomba que explodiu em Hiroshima e matou até 150 mil pessoas. A Tsar Bomba, a mais poderosa arma nuclear alguma vez concebida, era só um teste: as imagens de uma nuvem sete vezes mais alta que o monte Evereste rasgando o céu até à mesosfera, com 40 quilómetros de diâmetro na base, foram o primeiro passo para a assinatura do tratado que bania os ensaios nucleares.
Foi assim que a humanidade se livrou de escrever um capítulo na História com as piores consequências do armamento nuclear. Mas se alguém tem o papel e a caneta na mão é a Rússia: as informações mais recentes fazem do regime de Vladimir Putin o maior detentor de ogivas nucleares do globo — são 5.977 e o número continua a crescer —, com 90% do armamento desenvolvido com tecnologia moderna. Em segundo lugar, não muito longe do primeiro, estão os Estados Unidos, com 5.428 armas nucleares inventariadas — um número que, ao contrário do que acontece na Rússia, tem vindo a decrescer. Juntos, norte-americanos e russos detêm 90% das armas nucleares no mundo.
Em pleno conflito com a Ucrânia, invadida na madrugada de quinta-feira, a Rússia já deixou no ar a sugestão de que não afasta a possibilidade de dar uso ao arsenal nuclear. “Mesmo depois da dissolução da União Soviética e de perder uma parte considerável das suas capacidades, a Rússia de hoje continua a ser um dos Estados nucleares mais poderosos“, recordou Vladimir Putin num comunicado à nação, poucas horas antes da invasão à Ucrânia: “Tem uma certa vantagem em várias armas de ponta. Neste contexto, não deve haver dúvidas para ninguém que qualquer potencial agressor vai enfrentar derrota e consequências sinistras se atacar diretamente o nosso país”.
Em março de 2018, a 17 dias de vencer as eleições russas e entrar no quarto mandato seguido na presidência do país, Vladimir Putin anunciou que a Rússia estava a desenvolver seis novas armas nucleares “invencíveis” que abririam portas a “uma nova realidade”: “Eles [os países do Ocidente] precisam de compreender que isto não é bluff“. Mas que armas são essas?
Depois de ter sido adiado desde 2020, espera-se para este ano o lançamento inaugural do RS-28 Sarmat, um míssil balístico intercontinental com capacidade para transportar até 15 toneladas de ogivas nucleares, equipado com um sistema que o torna mais difícil de intercetar e capaz de destruir outras bombas e mísseis se os detetar a uma distância de seis quilómetros. Pode chegar a qualquer lado: com um alcance de 18 mil quilómetros, consegue circundar a Terra pelo equador uma vez e meia antes de cair.
Os russos também desenvolveram um “sistema multiuso oceânico” chamado Status-6 e apelidado de Poseidon, equipado com um sistema antimísseis — incluindo mísseis anti-balísticos e armas laser — e com uma bomba de cobalto que, ao explodir, provoca uma onda de tsunami com 500 metros capaz de espalhar uma nuvem de material radioativo numa área de 510 mil quilómetros quadrados. O submarino tem um formato semelhante ao de um torpedo, viaja a 185 quilómetros por hora, não é tripulada e pode atingir os 1.000 metros de profundidade.
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Petrel é o nome de uma ave marinha e, em russo, significa “pregoeiro da tempestade” ou “portador de tempestade”. Foi também o nome de código escolhido pelas Forças Armadas da Rússia para batizar o projeto 9M730 Burevestnik, um míssil de cruzeiro experimental que não só transporta armas nucleares como também se move a energia nuclear. Ainda está em desenvolvimento, mas tem o objetivo de ter um alcance praticamente ilimitado. Cinco cientistas envolvidos na criação deste míssil morreram por causa de uma falha no motor do míssil.
A quarta aposta de Vladimir Putin é um planador hipersónico, o Avangard, que pode transportar armas nucleares e convencionais. Tem apenas duas toneladas e viaja a uma velocidade pelo menos 20 vezes superior à do som (que é de 343 metros por segundo), permitindo-lhe escapar aos sistemas de defesa antimísseis do inimigo. A energia cinética do Avangard — isto é, aquela de que ele fica dotado à conta do seu movimento — equivale a até 40 toneladas de TNT.
A Rússia também tem em mãos um míssil de cruzeiro hipersónico, o Kh-47M2 Kinzhal, que pode transportar armas nucleares e convencionais. Um arsenal destes mísseis, especialmente concebidos para fazer frente à capacidade militar dos Estados Unidos e da NATO, estavam colocados no Distrito Militar do Sul e no Ocidental da Rússia. Num exercício militar, a Força Aeroespacial da Rússia lançou estes mísseis aerobalísticos hipersónicos com sucesso, a 19 de fevereiro.
O nome Peresvet é um trocadilho com a expressão russa “pere-svet”, que significa “super-luz”. E é também o nome de uma arma laser russa cujos detalhes continuam no segredo dos deuses, mas que a Rússia já utiliza desde dezembro de 2019. Esta tecnologia é especialmente útil para destruir aeronaves não tripuladas, mas consome muita energia e só funciona a 100% se as condições meteorológicas forem ideais — sem qualquer nebulosidade, sem chuva ou neve.
Este é o novo arsenal de Vladimir Putin que se junta a uma lista de mísseis balísticos intercontinentais, submarinos, bombardeiros e navios herdados do tempo da União Soviética. Mas uma das maiores ameaças armadas ao cuidado da Rússia nada tem a ver com energia nuclear: é a Bomba Termobárica de Aviação de Poder Aumentado, também chamada “Pai de Todas as Bombas”, em resposta à norte-americana “Mãe de Todas as Bombas” (estreada por Donald Trump, quando a largou sobre o Afeganistão para atingir o sistema de grutas do Estado Islâmico no país).
O Pai de Todas as Bombas é uma arma termobárica — isto é, serve-se do oxigénio presente no ar para provocar uma explosão intensa — e, segundo o regime de Vladimir Putin, tem quatro vezes a energia da correspondente norte-americana. Testada em 2007, as autoridades russas dizem que é a bomba não-nuclear mais poderosa de sempre e que “evapora tudo o que está vivo” num raio duas vezes maior que a Mãe de Todas as Bombas. Ainda assim, a capacidade de destruição alcança apenas 0,3% da registada com a Little Boy em Hiroshima.