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A arte enquanto “consolo” de um homem de negócios

Este artigo tem mais de 1 ano

No segundo episódio do podcast “Only the Best”, o tema central é a arte egípcia, uma paixão de Calouste Gulbenkian. Ficaremos a conhecer as suas estratégias negociais para aumentar a coleção.

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PEDRO PINA

PEDRO PINA

Ao longo da vida, Calouste Gulbenkian foi apurando o seu gosto pela arte, não apenas do ponto de vista de colecionador, mas também como amante do belo, procurando as melhores estratégias para concretizar as mais diversas e extraordinárias aquisições. Essa filosofia está bem patente no gosto que o filantropo arménio desenvolveu pela Arte Egípcia, tema central da segunda sessão do podcast Only the Best, uma parceria entre a Rádio Observador e o Museu Calouste Gulbenkian.

Segundo o anfitrião e historiador Rui Ramos, neste episódio recuamos “ao Antigo Egito, para falar de uma das grandes aquisições de Calouste: a da coleção do reverendo William MacGregor, e que inclui peças extraordinárias como a Cabeça do rei Senuseret III”, mas também a perceber a forma como Gulbenkian conseguiu captar a atenção e ajuda de alguns dos nomes maiores da egiptologia da primeira metade do século XX para aumentar a sua coleção.

O fascínio pelo Egito

Como referido, o conjunto de objetos adquiridos por Calouste Gulbenkian provenientes da Coleção do Reverendo William Macgregor é um dos grandes marcos da vida do arménio, enquanto colecionador, e, segundo João Carvalho Dias, diretor-adjunto do Museu Calouste Gulbenkian, é essencial caracterizá-la para ter noção do seu real valor.

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Assim, segundo o especialista, a coleção tem um primeiro momento entre 1907 e 1921; e um segundo, em 1922. “É claro que depois de 1922, Calouste continua a comprar, mas, nessa fase, já sobre a orientação de Howard Carter. Antes da influência do arqueólogo e egiptólogo britânico, Gulbenkian era um colecionador «errante», que procurava no mercado peças que apelassem aos seus sentidos, ainda que contasse com a ajuda de marchands competentes, sendo a britânica Spink & Son, empresa especializada em leilões de arte, que desempenhou um papel fundamental na demanda de Gulbenkian”.

Falamos de uma época em que “o mercado estava muito organizado desde as campanhas napoleónicas, e começava a inundar o ocidente de artefactos oriundos do Egito, o que acontecia com relativamente facilidade. De tal forma que quem participava nas escavações arqueológicas tinha direito a ficar com metade do que encontrava, por isso, se tratava de uma área muito ativa e que deu lugar a um intercâmbio extraordinário deste tipo de artefactos”, explica João Carvalho Dias.

Recorde-se que o grande responsável pela abertura do Egito à Europa foi Napoleão Bonaparte, graças à expedição por si conduzida em 1798 cujo objetivo era conquistar o país, mas também o conhecimento sobre a sua civilização. E ainda que do ponto de vista militar a ação de Bonaparte tivesse sido um fracasso, da perspetiva científica o sucesso foi tal que permitiu partilhar com o mundo a cultura egípcia e, claro, apoderar-se de peças magníficas como a Pedra de Roseta, que conduziu à decifração hieroglífica.

Um interesse aristocrático

A década de 1920 é o período mais ativo do colecionismo de Gulbenkian, que coincide com um renascer do gosto pela arte e cultura egípcias. O seu interesse por diversas categorias artísticas, de diferentes épocas e geografias, levou Gulbenkian “a constituir uma coleção eclética que compreende esse tipo de objetos, o fascínio sobre tudo o que vem do Egito torna-se quase como natural”, confessa João Carvalho Dias.

Nessa época, “os colecionadores de arte egípcia, à semelhança dos que apostavam em artefactos de origem grega, são geralmente aristocratas. O célebre grand tour foi extensivo a jovens aristocratas que viajavam pela Europa, Mediterrâneo e Médio Oriente, acabando por se tornarem arqueólogos e egiptólogos”, refere o diretor-adjunto do Museu Calouste Gulbenkian.

Além disso, “essas famílias mais abastadas, sobretudo as inglesas, iam fazendo pequenos museus com esses objetos. Só que esses objetos precisam de ser estudados, e aí entram em cena os egiptólogos, especialistas na área. Os hieróglifos eram indecifráveis até ao aparecimento do francês Jean-François Champollion, no princípio do século XIX, conhecido como o pai da egiptologia, e que abriu um mundo ao estudo de toda esta arte e em que os principais investigadores estão ligados às universidades, como era o caso de Oxford”, explica o especialista.

Mas, ainda antes de conhecer Howard Carter, “Gulbenkian faz a aquisição de peças da coleção, Amherst, ligada a Carter. Isto porque este estava associado à família que dá o nome  a essa coleção. O  pai de Carter erapintor (Royal Academy), um excelente retratista, e tinha por hábito acompanhá-lo nas suas incursões pelas casas onde retratava os proprietários. O próprio Carter era um excelente desenhador”, explica João Carvalho Dias, “e o seu conhecimento no mundo da egiptologia faz com que se torne no principal consultor de Calouste, ainda que esse papel não retire o ónus de Gulbenkian ter a palavra final da realização das aquisições”.

Conhecer as pessoas certas

O ano de 1922, seria uma dos mais importantes na história da egiptologia, pois, como recorda Rui Ramos, “Howard Carter descobre o túmulo inviolado do faraó Tutankhamun, no Vale dos Reis”, e seria esse egiptólogo britânico que aconselharia Gulbenkian nas suas aquisições, a partir de 1922, em especial acerca da autenticidade, qualidade e valor das peças.

João Carvalho Dias, aponta a egiptologia como “uma paixão comum entre esses dois homens, e, mesmo sem existirem provas documentais, que os homens no mesmo lugar, antes da Venda MacGregor, sabe-se que foi Carter que preparou o catálogo da coleção Amherst, que vai à praça um ano antes da coleção Macgregor, e esse facto faz com que Gulbenkian esteja muito ciente de quem é egiptólogo britânico”.

Mas as ligações cultivadas por Gulbenkian não ficam por aqui, pois, continua o diretor-adjunto do Museu Calouste Gulbenkian, “Carter já estava há muito no Egito e tem uma ligação que é fundamental para a credibilização perante Gulbenkian, pois estava associado a Lord Carnarvon, o homem que financiou a expedição que levou à descoberta do túmulo de Tutankhamun, em 1922, no Vale dos Reis”.

“Quando surge o leilão da coleção do reverendo William MacGregor, oriundo de uma família abastada e patrono de escavações no Egito e membro da Egyptian Exploration Society, muito ligado ao Instituto de Arqueologia da Universidade de Liverpool, e uma referência na época no que toca à egiptologia”, explica. Calouste fica particularmente atento para o facto de MacGregor ir vender a sua coleção em leilão, composta por um total de 9 mil objetos, cerca de 1800 lotes, explica.

Refira-se que a informação dessa venda chega através de Sir John Duveen, o decano da Duveen Brothers, o famoso negociante de arte. Gulbenkian recorre então a Howard Carter para licitar peças, até um determinado limite, e a H. Kehyaian, homem da confiança do colecionador, mas desconhecido do meio. “Seria Howard Carter a licitar 13 lotes, contudo, os mais valiosos, seriam licitados por H. Kehyaian em nome do colecionador. “O que poderá ter levado Gulbenkian a fazê-lo terá sido a desconfiança, perfeitamente legítima, de que Carter estaria a tentar comprar essas peças para Lord Canarvon”, acrescenta João Carvalho Dias.

Isso, continua Carvalho Dias, “levou a que Carter tenha ficado desolado por ter perdido as melhores peças, sendo isso referido em toda a imprensa da época, face às aquisições feitas pelo tal “anónimo” arménio. Mas mesmo perante isso, Calouste não revela logo que na realidade tinha sido ele o comprador, fazendo-o apenas mais tarde. Nessa altura, Carter congratula-o pelas aquisições, em particular pela aquisição da Cabeça do rei Senuseret III, que era a grande peça da coleção”.

Altruísmo num mundo em mudança

Apesar do interesse de Calouste Gulbenkian pela arte e cultura egípcias, apenas depois de ter reunido as peças que achava mais relevantes, que ainda hoje se encontram expostas, é que visita o Egito.

Fá-lo em 1934, na altura com 65 anos, e, tal como revela Luís Manuel Araújo, professor jubilado da Faculdade de Letras de Lisboa e autor do catálogo Arte  Egípcia na Coleção Calouste Gulbenkian, ficou “agradavelmente impressionado com tudo o que viu, e foi sem dúvida com emoção que se despediu da terra dos faraós”.

Todo esse amor pela cultura egípcia, e o seu conhecido espírito altruísta, fez com que Calouste Gulbenkian tenha mesmo “emprestado algumas peças da sua coleção ao British Museum, em Londres, entre 1936 e 1949e à National Gallery of Art, em Washington, entre 1949 e 1960, ano em que vieram para Portugal,”, refere Rui Ramos, pois Calouste não era um colecionador que queria aquelas peças apenas e só para sua contemplação.

Gulbenkian cedeu mesmo “algumas peças ao Museu do Louvre, em Paris, que inclusivamente levou ao desentendimento entre um vendedor e um investigador, colocando em causa a autenticidade de algumas peças, episódio que deu origem a artigos extraordinários que beneficiaram a história da arte”, acrescenta o diretor-adjunto do Museu Calouste Gulbenkian.

“Mas, esta perspetiva visionária de Calouste Gulbenkian fazia ainda mais sentido em 1936, quando o mundo estava a mudar face à iminência de uma nova Guerra Mundial, para mais sendo o arménio um homem com ligações às elites internacionais ao nível dos negócios, o que faz com que perceba que não pode ter uma coleção como a sua em casa, em Paris, pois isso implicava um grande investimento financeiro em segurança”, revela João Carvalho Dias. Perante isso, continua o especialista, “propõe emprestar ao British Museum a coleção, e, nesse mesmo ano, Gulbenkian envia também grande parte da sua coleção de pintura para a National Gallery, de Londres, conseguindo assim colocar as suas obras em segurança.

“Houve ainda a possibilidade de se edificar um anexo na National Gallery britânica para acolher toda a Coleção de Gulbenkian, algo que nunca viria a acontecer por questões políticas e dificuldades financeiras na época, pois os recursos estavam naturalmente apontados à reconstrução do país”, refere o diretor-adjunto do Museu Calouste Gulbenkian.

“Nessa altura, surgiu um outro protagonista. Falamos de John Walker, curador da National Gallery de Washington, que propõe a Gulbenkian enviar a sua coleção para os EUA. E esse é um novo capítulo. De alguma forma, a coleção egípcia vai viajar de Londres para Washington e inclusivamente a aquisição que Gulbenkian faz dos Medalhões de Abuquir, que falamos no primeiro episódio deste podcast, acaba por não vir para Lisboa e seguem diretamente de Nova Iorque para Washington, ficando «acomodados» juntamente com as peças egípcias”.

Em Portugal, essas obras de arte apenas seriam expostas em 1965, depois no Palácio Pombal, em Oeiras. A coleção foi mesmo alvo de estudo por parte da egiptóloga francesa Christiane Desroches-Noblecourt, a convite da Fundação Calouste Gulbenkian, e está patente ao público no Museu Calouste Gulbenkian desde 1969, tratando-se de uma coleção imperdível e que pode ser vista na primeira sala do Museu.

Homem dos muitos ofícios

O já referido interesse de Calouste Gulbenkian pela arte e colecionismo, tema que levava muito a sério, era, muitas vezes, difícil de gerir, pois o arménio era também um homem de grande prestígio no mundo empresarial, com interesses financeiros repartidos por várias partes do mundo, com particular relevância para a indústria petrolífera.

A esse propósito Rui Ramos e João Dias Carvalho refletem sobre a organização de Gulbenkian para conseguir dividir o seu tempo entre arte e negócios, e o diretor-adjunto do Museu Calouste Gulbenkian, recorda mesmo uma das frases mais célebres de Calouste.

“No Museu e Fundação, recordamos muitas vezes uma das reflexões mais extraordinárias de Gulbenkian: «a arte é o meu consolo». Isso explica muito da sua psicologia e da forma como encontra na arte algo que transcende o dia a dia muito complicado do mundo dos negócios em que estava envolvido, com transações absolutamente concentradas num único homem – no caso ele contra os seus adversários -, travando sempre inúmeras batalhas, entre avanços e recuos, a arte é um processo que desenvolve concomitantemente”, sublinha João Dias Carvalho.

A vida multifacetada de Gulbenkian inclui, por exemplo, “as vendas de milhares de ações na Venuzuelan Oil, a aquisição de Rembrants ao Hermitage ou a responsabilidade de realizar os pagamentos à senhora da limpeza”. Portanto, isto tudo dá a dimensão de como alguém com pouco tempo o ocupa de uma forma tão plena e inteligente. “A arte, juntamente com os jardins e a Natureza, eram algumas das formas de evasão de Gulbenkian”, indica Carvalho Dias.

Daqui a 15 dias, voltaremos a viajar em direção ao mar de aventuras de Gulbenkian, no caso, “a outro momento fundamental da vida de um colecionador” que, como desvenda Rui Ramos, “inclui revolucionários bolchevistas, um dos maiores museus do mundo e uma das maiores vendas de arte de todos os tempos, em que Gulbenkian, como se diz, chegou primeiro”.

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