Algo de estranho se passou na madrugada de 21 de maio em Beja. Nos cinco minutos entre as 5h45 e as 5h50 desse sábado, a estação do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) detetou rajadas de vento repentinas de 53 km/h, a temperatura aumentou de 22,9°C para 33,4°C e a humidade relativa no ar desceu de 49% para 13%.
A conjunção destes fenómenos, com a temperatura a subir repentinamente em 10,5ºC e a humidade a decrescer quase 75%, é rara. Mas tem um nome: heatbusrt, revelou esta segunda-feira em comunicado o IPMA. É uma ocorrência semelhante ao downburst, o fenómenos meteorológico que terá potenciado o incêndio em Pedrógão Grande há cinco anos, mas o ar é mais quente e mais seco; e pode ser ampliado pela seca que se regista atualmente no Alentejo.
????O que é um heatbusrt, o fenómeno meteorológico que afetou Beja na madrugada de 21/05❓ Em 5 min registou-se uma rajada de vento de 53 km/h, uma subida da temperatura de 22.9°C para 33.4°C e uma descida na humidade relativa de 49% para 13% ???? https://t.co/snlTRV0Yvb#SabiaQue pic.twitter.com/F8sXpABB9u
— IPMA (@ipma_pt) May 30, 2022
A noite de 21 de maio já parecia anormal antes da ocorrência destes heatburst, nota o IPMA: estava a ser “excecionalmente quente”, a ponto de alguns locais terem registado a madrugada mais quente desde que há registos. O mercúrio dos termómetros nunca desceu dos 26ºC e atingiu mesmo os 32°C em alguns pontos de observação.
O motivo parecia bem conhecido dos meteorologistas: a oeste de Portugal Continental, havia uma região de baixa pressão atmosférica (uma “depressão”, chamam os cientistas) que forçava uma massa de ar quente e seco proveniente do norte de África, com poeiras em suspensão, a circular desde o norte de África até ao Mediterrâneo Ocidental, afetando também o território nacional.
Enquanto a cidade de Beja enfrentava as temperaturas elevadas às portas do nascer do sol, um vento de grande intensidade, que trazia chuva consigo, desceu em linha reta dos níveis altos da atmosfera em direção ao solo. Pelo caminho, encontrou uma camada de ar muito seco e quente. As gotas de água mal chegaram ao chão: o calor era tanto que a chuva evaporava pelo caminho; e os poucos relatos de aguaceiros fracos registados no sul de Portugal Continental falam de queda de lama.
Ora, quando o ar é muito seco e quente nas camadas inferiores da troposfera — a parte da atmosfera que está mais perto do solo — estes ventos com mais humidade podem arrefecê-lo. Nesse caso, o ar mais frio e mais húmido produz um downburst como o que ocorreu em Pedrógão Grande: como a massa de ar se torna mais densa, cede à gravidade e desce. Mas isso não foi o que aconteceu em Beja, acredita o IPMA: a água evaporou antes de chegar ao solo, a humidade do ar diminuiu e não permitiu o arrefecimento das regiões mais baixas da atmosfera.
Downburst foi o fenómeno raro de vento que ajudou a propagar o incêndio, explica o IPMA ao governo
Tudo isto terá acontecido pelo menos durante 20 minutos, entre as 5h20 e as 5h40. Nos dez minutos seguintes, a massa de ar descendente, que vinha dos 3.000 metros de altitude, já não conteria água em estado líquida e aqueceu à medida que foi comprimido. Enquanto descia, aqueceu e diminuiu bruscamente a humidade do ar que encontrou pelo caminho até chegar à superfície. Nos últimos cinco minutos, a temperatura aumentou, a humidade diminuiu e os ventos levantaram-se rapida e repentinamente.
Bastava que o aquecimento fosse ainda maior para nada disto acontecer: nesse caso, como o ar quente tende a subir porque se torna menos denso, ele podia contrariar o movimento dos ventos verticais. Em terra ninguém teria dado conta da batalha atmosférica que estava a travar-se alguns quilómetros acima das suas cabeças.
Mas o heatburst causado pela conjunção de todos estes fatores fez mesmo estragos à superfície: às primeiras horas da manhã, Beja acordou com cerca de uma dezenas de árvores de grande porte derrubadas pelos ventos fortes e quentes que sopraram durante meros minutos naquela madrugada.