Mais de 450 jovens tentaram a sorte para conquistar um bilhete para um voo parabólico, onde é simulada a sensação de gravidade zero. Uma espécie de simulação daquilo que acontece no espaço, mas sem sair da Terra. Na iniciativa “Astronauta por um Dia”, dirigida a alunos do ensino secundário, houve várias etapas que tentaram aproximar-se o mais possível do processo que os astronautas enfrentam para chegar a uma missão espacial – dos testes físicos às entrevistas e testes psicológicos.

Após meses de trabalho deste programa lançado pela Portugal Space, a Agência Espacial Portuguesa, já são finalmente conhecidos os 30 vencedores do concurso, que até já têm um bilhete físico de embarque para esta viagem.

Nesta que foi a primeira edição do programa, o objetivo principal da Portugal Space era claro: despertar a curiosidade pelo setor espacial nestes jovens, esperando atrai-los mais tarde para tarefas ligadas ao setor espacial português.

É esse um dos pontos de relevo deste programa, defende Ricardo Conde, presidente da Portugal Space, em declarações ao Observador à margem do evento em Lisboa, onde foram finalmente conhecidos os nomes dos jovens que vão viajar nesta voo. A iniciativa acontece neste que descreve como um “momento de viragem no setor”, depois de um desenvolvimento de competências “que já deu há 20 anos, com a entrada de Portugal na Agência Espacial Europeia (ESA)”. “Andámos durante muito tempo a desenvolver as capacidades da indústria para participarmos em missões externas e chegou o momento de nos colocarmos em missões nacionais. E isso vai mostrar a necessidade de termos massa crítica”, sublinha Ricardo Conde. “E um pilar da space education é o de motivar os alunos a seguir uma carreira ligada à matemática, à física, que vão concorrer para construir esta massa crítica de que precisamos. Vamos precisar de muitas mais pessoas nesta área, é um setor em franco crescimento.”

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O investimento feito pela Portugal Space para levar estes jovens a este voo parabólico, que decorrerá a 16 de setembro, a partir de Beja, não é revelado pelo presidente da Portugal Space. “Não é relevante”, diz, “mas está ao nosso alcance e incluído na estratégia da agência espacial.” E o investimento “tem de compensar”, sublinha Ricardo Conde. “Temos assistido muito a uma migração dos jovens para outros países porque não temos um setor ainda muito forte. E o grande objetivo é ter um setor forte, em que esta massa crítica é necessária para termos novas empresas e novos projetos.” Numa fase posterior, a ideia passará por ter no país “um sistema que se autoalimente, isso é verdadeiramente o cluster que queremos ter cá em Portugal.”

A questão é quanto tempo é que isso poderá demorar até se concretizar. Ricardo Conde acredita que em “dois ou três anos” isso poderá acontecer, recordando as iniciativas nacionais que estão a ser lançadas. “Já começamos a receber muito interesse. Aliás, já vamos buscar pessoas lá fora, já há muito interesse de fora para regressar – e não só dos nacionais.” A Portugal Space tem conseguido atrair trabalhadores de outros pontos do globo. “Temos pessoas de outros países a trabalhar na agência, nota-se esse movimento. Se conseguirmos estruturar o setor e pôr o setor com alguma dinâmica, aumentar as empresas e os projetos, naturalmente as pessoas vêm.”

Hugo André Costa, que faz parte da direção da Portugal Space, recorda que, embora “a profissão mais conhecida no espaço seja a de astronauta, há uma quantidade de profissões, desde engenharia, psicologia, direito, medicina, que são necessários – quer para termos satélites quer para termos astronautas no espaço.” E aqui recorda a importância de trazer os jovens para a área da ciência e da física, “para que comecem a tomar conhecimento de outras profissões que podem ter, sem ser astronauta, mas que podem trabalhar na indústria aeroespacial.” Este responsável frisa que, “neste momento, com a agência e com a estratégia nacional, necessitamos que continue a haver no futuro uma força de trabalho capacitada para trabalhar nesta indústria.”

A estratégia nacional para o espaço, apresentada em 2018, dá conta da vontade “de multiplicar por 10 o setor e crescer mil postos de trabalho em dez anos”. Hugo André Costa nota que o setor está a “trabalhar para isso”.

Especificamente a nível económico, recorda que a importância do setor vai muito além das missões e idas ao espaço. “Muitas vezes não nos apercebemos no nosso dia a dia, mas as empresas que nos trazem a comida a casa ou que nos levam a casa de táxi utilizam sinais GNSS [Global Navigation Satellite System]”, exemplifica. Outra atividade onde também temos uma ligação ao espaço, quase sem perceber, é na meteorologia. “Através das imagens de observação da Terra que nos permitem fazer monitorizações de vários âmbitos, quer dos satélites de meteorologia que nós consultamos no telefone, esses dados vêm de satélites.” O setor “tem um papel muito importante na economia, a nível mundial, e está em franco crescimento.”

A nível geográfico, o responsável da Portugal Space nota já o ecossistema dos Açores. “Santa Maria tem já um teleporto com várias antenas, não só de observação da Terra mas também de posicionamento. Santa Maria e os Açores são obviamente um pólo interessante para continuar a desenvolver este ecossistema e até eventualmente para um spaceport, como tem vindo a ser falado”, antecipa.

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A vontade de trabalhar no “sonho” espacial

O programa “Astronauta por um dia” recebeu um total de 460 candidaturas, com um equilíbrio entre o número de candidatas e candidatos – algo invulgar na área das ciências. “Os números saíram perfeitos, 50% de rapazes e 50% de raparigas – e isso também era um objetivo da agência”, partilha Hugo André Costa.

Entre os selecionados salta à vista a vontade de um dia trabalhar na indústria espacial, com alguns dos agora detentores de bilhetes para o voo parabólico a demonstrar vontade de ingressar na área da engenharia aeroespacial. “É uma área que quero seguir, a de engenharia aeroespacial”, explica Rita Gomes, minutos após o anúncio da lista de escolhidos. “Isto tem sido um sonho, já há vários anos que conheço estes voos parabólicos e a possibilidade de experimentar isto na Terra, sem ter de ir ao espaço… Não pensei duas vezes e candidatei-me.” Diz que não esperava ser selecionada, mas tem um dia o “sonho de contribuir para a exploração espacial e trabalhar nessa indústria.”

Sofia Maia, outra das escolhidas para o voo de 16 de setembro, também ainda digere a notícia. “É uma oportunidade incrível. Gostava de ser astronauta e passar pela área da engenharia espacial”, partilha, já de bilhete na mão. Sobre a fase de testes deste concurso aponta como mais desafiante a “parte física e a entrevista”. Na vertente física, em parceria com a Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, os jovens foram testados a nível físico, com provas de corrida em terreno irregular ou ainda de corrida de vaivém.

“Aliviado e agora entusiasmado pelo que aí vem”, assim é a descrição feita por Tiago Camelo, outro dos futuros passageiros deste voo. “Estava com baixas expectativas, não tinha esperança de passar. É uma alegria enorme, mas ainda é difícil de acreditar naquilo que conseguimos.” Tiago é mais um dos vencedores que demonstra interesse pela área da engenharia aeroespacial, à semelhança de Lucas Costa. “É uma área que sempre me inspirou desde pequenino. É o que quero seguir no futuro”, diz este jovem. E não faz distinções entre as tarefas de um astronauta e as de quem assegura o trabalho em Terra. “Os dois são extremamente bonitos, não se pode diferenciar. Não dá para ir para o espaço sem a técnica e o desenvolvimento e quero muito participar nos dois. Mas quando me imagino no futuro, imagino-me numa nave espacial”, confessa.

O processo de candidatura foi “bastante stressante”, mas o resto da aventura promete compensar. “Tinha expectativas elevadas para cada prova e agora posso dizer que funcionou”, diz Lucas Costa, com um sorriso.

Os 30 jovens escolhidos – a que ainda se junta uma dezena de suplentes, como nas missões “à séria”, vai experimentar a gravidade zero em setembro, a partir de Beja, num esforço que envolve também a Força Aérea.

A viagem será feita num avião de uma empresa francesa, que já é usado para testes e experiências espaciais. A francesa Novespace opera um Airbus A300 Zero-G. Trata-se de uma aeronave diferente dos aviões comerciais, com um interior preparado para permitir aos passageiros flutuar. Não há, por isso, filas de assentos como nos aviões convencionais. O avião está preparado para executar várias parábolas durante o voo – uma curva simétrica em forma de U. Um voo deste género faz dezenas de parábolas durante a viagem. O avião atinge uma velocidade elevada, para logo entrar em queda livre – o que gera a ausência de peso, permitindo aos passageiros flutuar. Cada parábola dura pouco mais de 20 segundos.

Além dos alunos, também um professor, escolhido pela Associação de Mentes Empreendedoras, vai participar nesta experiência.

Flutuar como um astronauta num avião em queda livre