“Orgulhosamente sós” já não é apenas uma expressão conhecida de Oliveira Salazar sobre Portugal e a guerra colonial, mas também o título de um livro que retrata bem a História que levou o antigo ditador a proferi-la.

“Combatemos sem espetáculo e sem alianças — orgulhosamente sós”, disse em fevereiro de 1965 o ditador, citado pelo autor do livro, Bernardo Futcher Pereira, atual embaixador em Marrocos. A obra, editada pela D. Quixote, será esta terça-feira apresentada na Fundação Calouste Gulbenkian.

Com essa frase, Salazar referia-se à situação da guerra colonial em três frentes (Guiné, Angola e Moçambique), que Portugal mantinha na época, e ao contexto de isolamento internacional em que se encontrava por essa razão.

Mas isso só era “parcialmente verdade”, escreve Futcher Pereira: “Portugal possuía apoios de peso, em África e na Europa, e contava agora [em 1965] com uma espécie de neutralidade dos EUA. Mas do ponto de vista psicológico Salazar tinha inteira razão, Portugal tornara-se, aos olhos do mundo, um anacronismo”.

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O volume é o terceiro de uma trilogia sobre a política externa portuguesa durante o Estado Novo, e que compreende a “A Diplomacia de Salazar (1932-1949)”, editado em 2012, e o “Crepúsculo do Colonialismo (1949-1961)”, publicado em 2017.

O “Orgulhosamente Sós — a Diplomacia em Guerra” é fruto de uma investigação inédita feita no Arquivo Histórico e Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas não apenas.

Para além de um retrato sobre o que foi a política externa durante os anos finais do regime (1962-1974), o volume traz também algumas novidades, a principal das quais é a revelação do empenhamento decisivo da ditadura na independência da Rodésia (hoje Zimbabwe), em 1965, pelo então líder da minoria branca, Ian Smith.

“Nós instigámos a independência da Rodésia contra a vontade dos sul-africanos e Portugal foi uma peça fundamental nesse processo”, recorda o embaixador, que documenta extensivamente no seu livro a correspondência entre o então poderoso ministro dos Negócios Estrangeiros da época, Fernando Nogueira, e o cônsul geral em Salisbúria (hoje Harare), Pereira Bastos, que era contra.

O cônsul, que ousaria responder ao ministro numa longa carta de 33 páginas, e em que o acusa de “aventureirismo”, acabaria por ser substituído por Freitas Cruz, que leva a cabo a tarefa.

A independência da então Rodésia foi crucial para a manutenção da guerra, em conjunto com os laços tecidos com a África do Sul. A aliança entre os três países ficaria selada pelo chamado Exercício Alcora, através do qual os estados-maiores militares dos três países coordenavam as suas ações.

Não menos interessante é a revelação minuciosa da diplomacia levada a cabo nas Nações Unidas na década de sessenta, em que cada resolução do Conselho de Segurança [a favor dos nascentes movimentos de libertação e da autodeterminação dos territórios africanos] obrigava a movimentos políticos ao mais alto nível.

O livro vai relatando, por ordem cronológica, os principais acontecimentos que afetaram a ditadura no plano externo nos anos sessenta, com realce para a guerra nas colónias, as vicissitudes dos movimentos de libertação, as tentativas de envolver os países limítrofes, as relações tremidas com o Vaticano do então Papa Paulo VI, a ascensão política de generais como António de Spínola, Costa Gomes e Kaúlza de Arriaga, entre muitos outros aspetos.

Mas a intransigência relativamente a África tornara-se “consubstancial à preservação do regime”, conforme conclui o autor, que narra as oportunidades voluntariamente perdidas para resolver a situação em África de outra forma.

Essas oportunidades — em 1963, quando Salazar se recusa a reconhecer o conceito de autodeterminação, em 1969, com a ascensão de Marcelo Caetano à chefia do Governo e, em 1972, com a recondução do então Presidente Américo Tomás — “poderiam ter levado a outra evolução”, diz o autor.

A hipótese de haver alternativa à independência das províncias ultramarinas é claramente de afastar. Mas é possível admitir que o processo que conduziu a esse desfecho e às suas dramáticas sequelas tivessem sido distintos”, conclui Futcher Pereira.

E a confirmá-lo, cita a frase amarga de Marcelo Caetano, na última reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional, antes do 25 de Abril: “A verdade é que o mundo se nos fechou quase completamente quando é tão generoso como os nossos inimigos”.

Como a História provou, já era tarde demais.