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A Casa Independente procura uma nova morada. “Não sabemos para onde é que vamos, mas não vamos baixar os braços”

Este artigo tem mais de 1 ano

Teve um papel fundamental na requalificação do Intendente, em Lisboa, mas vai fechar no final de 2025. As responsáveis querem um novo espaço, mas será difícil ter as mesmas características, confessam.

Inês Valdez e Patrícia Craveiro Lopes, fundadoras e gestoras da Casa Independente
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Inês Valdez e Patrícia Craveiro Lopes, fundadoras e gestoras da Casa Independente

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Inês Valdez e Patrícia Craveiro Lopes, fundadoras e gestoras da Casa Independente

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Lisbontrification”. À porta do antigo café O das Joanas, alguém pintou uma mensagem a vermelho, uma referência à gentrificação de Lisboa, que se repete naquela zona do Intendente. O café, a funcionar no Largo do Intendente desde 2012, foi forçado a fechar portas a 31 de maio. Nessa noite, a festa de encerramento aconteceu na Casa Independente, ali mesmo em frente e também de portas abertas desde 2012. Ironicamente, foi nesse mesmo mês que as responsáveis pela Casa, Patrícia Craveiro Lopes e Inês Valdez, souberam que teriam a mesma sina. O senhorio não iria renovar o contrato.

O anúncio foi feito nas redes sociais na segunda-feira, 4 de setembro, depois da revelação feita uma notícia do Público. “Ao fim de quase 11 anos de muito trabalho, muita dedicação de todos os que por aqui passaram e construíram esta casa connosco, é com profundo pesar que vos informamos que a Casa verá o seu projeto encerrado no final de 2025”, escreveram.

Desde então, as responsáveis pelo espaço têm recebido vários telefonemas e mensagens de apoio e dizem-se “extremamente comovidas”, afirma Patrícia. Apesar de ainda terem dois anos pela frente, optaram por fazer o anúncio já. Não só para que as pessoas saibam o que se está a passar, como para “terem tempo de se despedir”, continua Inês.

No pátio da Casa, uma bananeira com bananas ainda verdes contrasta com a confusão das obras do prédio ao lado, em breve transformado num hotel de luxo da cadeia Soho House. Em frente, os cinco prédios que pertenciam aos herdeiros da família Viúva Lamego (incluindo o do café O das Joanas e o do antigo Largo Residências, também forçado a deixar o bairro o ano passado) foram, segundo o Público, vendidos recentemente. Sem revelar a identidade do atual proprietário, a representante dos herdeiros da Viúva Lamego referiu ao mesmo jornal que o negócio é “bom para o bairro”: “Circula mais dinheiro, eleva o estatuto da zona.”

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Em meados de 2012 conseguiram alugar o espaço no número 45 e, depois de seis meses de obras com a ajuda de amigos, a Casa Independente abria oficialmente a 20 de outubro

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Quando Patrícia Craveiro Lopes e Inês Valdez começaram a trabalhar no Intendente, a zona era “marginalizada” e “proibida”, recorda Patrícia. “Tinhas blocos de betão à porta e polícia a dizer para as pessoas contornarem. Era outra realidade.”

Em 2011, organizaram pela primeira vez no bairro um evento de lançamento de “Lisboa Mulata”, disco dos Dead Combo, no também já desaparecido Sport Club do Intendente, no Palácio do Intendente Pina Manique. “Esgotou completamente”, recorda Patrícia. “Trezentas e tal pessoas, a casa não veio abaixo não sei como.”

Foi nessa altura que repararam no palacete ao lado, a antiga Casa da Comarca de Figueiró dos Vinhos, uma coletividade de bairro como o antigo Grupo Excursionista dos Amigos do Minho, na Rua do Benformoso, também já encerrado em 2017. No início, pensaram organizar ali outro concerto com os Dead Combo, mas perceberam que o espaço tinha ainda mais potencial.

“A ideia era abrir uma espécie de Casa do Povo Contemporânea”, explica Patrícia, que já estava ligada às artes. “Esta zona pautava-se muito por isso, grandes palacetes, espaços enormes, como a Comarca de Figueiró dos Vinhos, da Golegã, os Amigos do Minho, de Tondela, tudo com a mesma tipologia.”

Em meados de 2012 conseguiram alugar o espaço no número 45 e, depois de seis meses de obras com a ajuda de amigos, a Casa Independente abria oficialmente a 20 de outubro. “Abrimos como uma associação, mas, passado muito pouco tempo, abrimos como empresa”, sublinha Patrícia, deixando claro que nunca foram “um espaço camarário”.

O único apoio que receberam para a abertura foram 50 mil euros ao abrigo do programa BIP/ZIP da câmara, garantem. Aliás, o orçamento era tão curto que o primeiro sistema de som para concertos e DJ sets lhes foi emprestado pelo B.Leza. “Só depois é que conseguimos fazer um pequeno investimento”, conta Inês, que antes já produzia eventos musicais.

No prédio ao lado da Casa Independente está a ser construído uma nova unidade da cadeia SoHo Hotels

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A festa de inauguração, com música de Tó Trips e Pedro Gonçalves (Dead Combo), Vítor Belanciano e Carla Menitra, contou com perto de 800 pessoas. “Ninguém vinha aqui e não tínhamos nada à porta [que identificasse o espaço]. Ainda hoje só temos uma plaquinha mínima porque fomos obrigadas”, continua Patrícia. “Mas percebemos que o boca-a-boca funcionava.”

Depressa, a Casa Independente entrou no roteiro cultural e noturno da cidade, com concertos, performances, workshops, lançamentos de livros, debates e muitos outros eventos. Em 2016, dada a popularidade, expandiram-se para o segundo andar, com mais um bar a funcionar aos fins-de-semana, o Andar de Cima. “É uma casa feita por amigos, para amigos, e depois começou a ser para os amigos dos amigos dos amigos”, afirma Patrícia. “Agora chegamos aqui e não conhecemos ninguém.”

Muitos dos clientes atuais são turistas ou estrangeiros a viver na cidade, estes últimos uma “salvação” nos meses de pandemia, quando pouca gente saía de casa. “Sentimos que temos muito menos afluência do que tínhamos e estamos cada vez mais em funcionamento para turistas e muito pouco para os locais, o que nos entristece”, comenta Inês.

O aumento dos preços, agora com uma imperial a custar 2.5€, não ajuda a atrair residentes. Além das entradas pagas ao fim-de-semana, coisa que nos primeiros anos da Casa não acontecia. “Compreendo que isso para nós, portugueses, seja difícil.”

O bilhete à porta é uma maneira de pagar a programação, quase sempre feita de artistas nacionais, que aqui tiveram uma rampa de lançamento. Apesar dessa aposta na cultura local, dizem não receber qualquer apoio do estado. “Nunca tivemos DGArtes, Ministério da Cultura, Câmara, nada. A cultura é paga com as entradas e com os copos”, sublinha Patrícia.

Com os senhorios atuais, dizem ter “uma boa relação”, apesar de terem de deixar a Casa no início de 2026. “São pessoas, não são um fundo imobiliário. A vontade política é que é nula, não há incentivos fiscais por alugarem [o imóvel] a um espaço de cultura. Que alternativa têm as pessoas?”

“Temos dois anos pela frente, queremos as pessoas cá”, diz Patrícia Craveiro Lopes

Pauliana Valente Pimentel

Não sabem se o espaço será transformado em hotel, apenas que a intenção dos senhorios será de o vender, com um projeto em aprovação na câmara para “subir mais dois andares”, conta Patrícia, o que poderá valorizar ainda mais o edifício.

No entanto, não será o fim do projeto. “Não sabemos para onde é que vamos, mas não vamos baixar os braços”, afirma Patrícia. “Estamos à procura de uma continuação da Casa Independente. Não vai ser a Casa Independente porque o sítio não é o mesmo, mas temos forças para isso.”

Desde que o anúncio do encerramento foi feito, muita gente aponta a zona do Beato/Marvila como alternativa para um novo espaço. Inês e Patrícia estão reticentes. Além dos acessos mais difíceis, é uma zona onde já se multiplicam “condomínios de luxo” e há “terrenos e ruínas a serem vendidos por milhões”. “Queremos um espaço com carácter, não uma garagem ou um armazém”, continua Patrícia.

Além disso é preciso haver espaço para concertos (o atual espaço tem 700 metros quadrados) e cinema e “outro tipo de coisas” como workshops ou exposições. Imprescindível é também “um espaço exterior”, como o do atual pátio, uma imagem de marca do espaço do Intendente.

Para já, e durante dois anos, a Casa Independente vai continuar. Este mês há uma residência do artista Vinicius Couto sobre o estigma de viver com VIH, com peças que se estendem também pelo largo. Em Outubro, Tiago Borges e Yonamine, dois artistas que estiveram na Bienal de São Paulo, vão fazer uma intervenção na fachada. Vai haver também um ciclo de cinema documental com filmes sobre o bairro e, no dia 20, a muito esperada festa de aniversário.

“Temos dois anos pela frente, queremos as pessoas cá”, remata Patrícia.

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