Na sequência do pedido de fiscalização preventiva do Presidente da República, sobre a lei dos metadados, o Tribunal Constitucional voltou a considerar inconstitucional uma das normas da conservação de metadados para efeitos de investigação criminal.
A proposta dos deputados para a conservação dos dados recolhidos pelas operadoras de três até seis meses foi declarada inconstitucional pelos juízes do Palácio Ratton, com nove votos a favor da inconstitucionalidade e três votos de vencido. O TC declarou inconstitucional a norma do artigo 2º do decreto-lei, considerando que foram “ultrapassados os limites da proporcionalidade na restrição aos direitos fundamentais à autodeterminação informativa e à reserva da intimidade da vida privada”.
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Ao final do dia, em comunicado publicado no site da Presidência, foi anunciado que “o Presidente da República devolveu à Assembleia da República, sem promulgação, nos termos do n.º 1 do artigo 279.º da Constituição, o Decreto da Assembleia da República que regula o acesso a metadados referentes a comunicações eletrónicas para fins de investigação criminal, procedendo à segunda alteração à Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março”.
Na mesma missiva, Marcelo explica que, “atendendo à urgência e sensibilidade do tema em apreço”, solicitou ainda à Assembleia da República que “aprecie, se possível ainda na presente sessão legislativa, uma melhor solução para a inconstitucionalidade decretada”.
No ano passado, o Parlamento propôs que a conservação dos dados recolhidos pelas operadoras fosse de um ano, proposta que o Tribunal Constitucional chumbou, à semelhança daquilo que fez na decisão conhecida esta segunda-feira. Neste momento, mantém-se a possibilidade de os tribunais de primeira instância e da Relação poderem declarar a nulidade processual, baseando a sua decisão nestas três decisões do TC — tal como tem acontecido, por exemplo, com a norma sobre os maus tratos a animais, em que ainda não existe uma decisão do TC do pedido de fiscalização sucessiva feito pelo Ministério Público.
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À Rádio Observador, a constitucionalista Raquel Brízida Castro explicou que a decisão não foi imprevisível e que, na prática, nada é alterado: “A situação criada com o acórdão de 2022, proferido em fiscalização abstrata, que declarou a inconstitucionalidade da lei dos metadados continuará obviamente a produzir os seus efeitos”. “Ou seja, as operadores não podem conservar efetivamente esses metadados, nem para fins de investigação criminal e os efeitos desse acórdão têm de ser aplicados aos casos pendentes — não aos casos julgados, que ficam obviamente ressalvados por aplicação direta da constituição”, acrescentou.
A constitucionalista explicou ainda que, uma vez que as normas consideradas inconstitucionais são menos favoráveis aos arguidos “e, portanto, as coisas ficam exatamente como estavam”, uma vez que a lei nunca poderia ser aplicada retroativamente — a casos já julgados –, precisamente por ser menos favorável — aplica-se sempre a norma mais favorável ao arguido.
Já em resposta à Lusa, o deputado do PS Pedro Delgado Alves – que integrou o grupo de trabalho sobre metadados – indicou que a bancada socialista ainda vai “ler e avaliar o acórdão” do Tribunal Constitucional (TC) e só depois disso decidirá “os passos seguintes a dar”.
Por seu turno, o coordenador do grupo de trabalho de metadados, o social-democrata André Coelho Lima, referiu à Lusa que já enviou o acórdão do TC para todos os partidos que integram aquele órgão parlamentar. Coelho Lima considerou que “há condições, na medida em que há tempo para isso”, para elaborar uma nova solução antes da dissolução do parlamento, em 15 de janeiro, mas ressalvou que isso depende da vontade dos partidos.
“É desejável que, na medida do possível, se pudesse encontrar uma solução até porque, como se sabe, as normas da lei dos metadados estão revogadas por serem consideradas inconstitucionais há mais de um ano”, referiu. O deputado considerou importante “aproveitar o caminho” que foi feito até agora no grupo de trabalho, acrescentando que o facto de o acórdão do Tribunal Constitucional não ser unânime – nove juízes votaram pela inconstitucionalidade, contra três – mostra que houve uma aproximação à lei fundamental.
Com a decisão do TC as dificuldades na investigação criminal “vão manter-se”
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público considerou que, com a decisão do TC, se vão manter as dificuldades para a investigação criminal trazida pela anterior decisão do TC de 2022.
Adão Carvalho referiu, em declarações à Lusa, que “essencialmente o TC continua a considerar que a conservação de dados de tráfego (metadados) de qualquer cidadão, mesmo por um período de tempo mais reduzido (…) viola a Constituição no que respeita à privacidade” das pessoas. Ainda segundo Adão Carvalho, face à decisão de hoje do TC, “as dificuldades investigatórias mantêm-se e vão-se manter”, observando, assim, que “não existe qualquer possibilidade de se encontrar uma solução para o problema” dos metadados.
O dirigente do Sindicato dos Magistrados do MP notou contudo que o impacto desta decisão será menor e mais reduzido, uma vez que a anterior declaração de inconstitucionalidade do TC sobre os metadados já produziu os seus efeitos nos processos que estavam a correr.
Admitindo que com esta decisão do TC as dificuldades na investigação criminal se mantêm, Adão Carvalho entende que uma mudança na lei dos metadados só poderá ocorrer “ao nível de uma nova diretiva da União Europeia(UE)”, que traga uma nova orientação neste domínio. O dirigente sindical sublinhou que isso é possível, até pela “tendência da UE” em querer emitir uma “solução para este problema”.