“O João Martins, dos Summer of Hate, descreveu-nos de uma forma fantástica”, refere Halison Peres, baterista dos Máquina. “Ele diz que a nossa música consegue juntar os rockeiros de patilhas e os jovens alternativos das pastilhas”, recorda entre risos. Com uma mistura de krautrock, eletrónica industrial e riffs que piscam o olho ao stoner rock e ao punk, este trio, completado por Tomás Brito (baixo) e João Cavalheiro (guitarra), rapidamente tem marcado espaço como uma das novas coqueluches da música alternativa portuguesa.
Depois de algumas atuações em 2022, quando a banda se formou oficialmente, entraram em janeiro de 2023 com DIRTY TRACKS FOR CLUBBING, o álbum de estreia. As apresentações deste trabalho tornaram-se um acontecimento, eventos a não perder, e, talvez por isso, no ano passado deram mais de cinquenta concertos, incluindo no Vodafone Paredes de Coura e em Espanha. Este ano prometem dar ainda mais. Agora, estamos sentados com a jovem banda de Lisboa no Grupo Desportivo da Mouraria, a propósito do lançamento do segundo álbum, Prata, esta sexta-feira, 5 de abril, com selo da editora londrina Fuzz Club Records.
Mas de onde apareceram os Máquina? O trio conheceu-se num estúdio em Xabregas através de um amigo em comum, o Chaby, que, mais tarde, viria a masterizar o disco de estreia do grupo. Apesar de fazerem parte de outros projetos e terem criado outras bandas com outros músicos (uma delas era um conjunto onde havia duas baterias, duas guitarras e dois baixos), quando ficavam apenas Halison, João e Tomás neste espaço, era aí que eles se sentiam no “recreio”.
[os Máquina ao vivo no Estúdio Cedofeita:]
Inicialmente, estes momentos eram marcados pela descontração, como forma divertida de passarem o tempo. Ao mesmo tempo, estas jams fizeram com que os três músicos criassem uma ligação profunda e uma boa química, algo que também foi aprofundado pelos gostos em comum por bandas como os Spacemen 3, os portugueses 10000 russos ou os Follakzoid. “Se calhar até encarávamos as nossas outras bandas com mais seriedade”, explicou Tomás. “Existia uma maior atenção à estrutura e composição das músicas. A escrita demorava mais tempo e era algo mais sério. Em Máquina, era tudo mais espontâneo. Íamos para o estúdio tocar nem que fosse uma nota durante 45 minutos, só porque gostamos desse som”, afirma.
O início da vida desta Máquina foi feita, essencialmente, dentro das quatro paredes do estúdio, mas, inesperadamente, isso deu-lhes muita presença de palco. Sempre que os três se juntavam para fazer a sua hipnotizante música, era normal juntarem-se também dezenas de pessoas dentro da sala para ouvir o ensaio e dançar. “Costumávamos dizer, na brincadeira, quando íamos entrar na sala de ensaio: ‘preparem-se, vamos começar um gig’”, recorda o baterista. Esta experiência contribuiu para que a banda se comportasse como uma engrenagem bem oleada. Em cima do palco, a comunicação não-verbal ajuda a guiar momentos de improvisação, e, em estúdio, empurra-os para uma identidade consistente.
Prata é beneficiado por esta nova maturidade. É composto por seis músicas, mas parece uma longa faixa de 36 minutos, com mudanças de andamentos e intensidades que ajudam a diversificar esta jornada e a torná-la mais interessante. Ao ouvir o álbum é fácil imaginar o processo de gravação do trio. As músicas soam de forma fluida e os ritmos hipnotizantes e repetitivos dão espaço para cada intérprete dar asas à sua imaginação.
[“Body Control”, um dos temas de “Prata”, para ouvir no Spotify:]
“As gravações deste novo disco não foram muito estruturadas. Passámos muito mais tempo na estrada do que a improvisar no estúdio, como fazíamos antigamente”, descreveu Tomás. “Houve músicas que apareceram rapidamente, mas algumas só foram fechadas no dia do estúdio quando pressionámos o botão para gravar”. São também experienciadas diferentes camadas estéticas que colocam à prova o background rockeiro e raver dos músicos. Em Desterro, sentimos vontade de entrar num moche suado e de dançar; Kontakte já pede um momento de maior introspeção e espaço para um baile a solo.
Esta última é a prova de que o som de Máquina não estagnou de um álbum para o outro. Numa altura em que estamos em constante contacto com tantas realidades e estilos diferentes, é apenas normal que a música da banda se situe neste limbo. É música rock que podia ser tocada numa rave durante horas. É música eletrónica que pode ajudar a quebrar as barreiras do mais introspetivo dos dançarinos para se lançar num crowdsurf. “Não gostamos de nos fechar num rótulo e reparamos nesse cruzamento de realidades durante os nossos concertos”, confirma o baixista. “Não é uma cena uniforme. Existem imensas tribos diferentes. Os góticos a conviver com os ravers, pessoas de várias idades. É a evolução natural da música.”
Apesar de Tomás e João confessarem que já não têm tanta vontade de sair à noite até de madrugada para estarem num DJ set, uma vez que ambos trabalham em clubes noturnos (o guitarrista como técnico de som, o baixista a tratar das luzes) e precisam de algum distanciamento – preferiam um concerto – estes viam com bons olhos um dia, por exemplo, atuar no Lux ou até no festival Boom. “Não tenho certezas, mas sinto que no futuro vamos querer investir menos no rock e mais na eletrónica. Queremos continuar a explorar novos sons e novas direções para onde podem ir as nossas canções”, afirma João, de forma otimista.
Independentemente, dos caminhos estilísticos que optaram por seguir, a verdade é uma: é impossível estar parado. O hype é real. Os Máquina vieram para ficar e, com este novo álbum na calha, a tendência é para continuarem a crescer, em Portugal e lá fora. A banda não consegue esconder o entusiasmo a falar dos (muitos) concertos que vão dar em 2024. Vão fazer uma tour europeia com A Place To Bury Strangers, vão atuar com Follakzoid, vão estar no Primavera Sound, no Porto, e no Fuzz Club, em Eindhoven, apesar de ainda estarem a recuperar do último ano e das dezenas de atuações que tiveram.
“Os nossos concertos são bem energéticos e cria-se um ambiente muito quente. Uma vez quase que desmaiei quando estava a tocar”, conta-nos o baterista. “No ano passado, no Black Bass, um festival em Évora, atuámos às duas da manhã e, quando chegámos ao palco, disseram-nos que não havia água, nem cerveja”, recorda. “Toco bateria e canto ao mesmo tempo, houve momentos nessa atuação em que já não estava a sentir o oxigénio a circular pelo cérebro. A sorte é que alguém arranjou uma garrafa, mas já nem queria beber, pedi para verter a água pela minha cabeça. Foi uma cena bizarra, parecia o baterista dos Slipknot”, descreve Halison. “Imensas pessoas vieram perguntar-me se estava bem e confessei que no início estava um bocado aflito. Mas é assim a vida na estrada e, neste momento, não a trocava por nada”, confessa.