A resistência a antibióticos, a potencialidade da Inteligência Artificial, o hiato entre a evidência científica e aplicação na prática clínica, e a mobilidade populacional misturam-se quando se fazem previsões sobre as doenças e terapias do futuro, defenderam esta quinta-feira especialistas.

A sessão que encerrou o segundo dia do Encontro Ciência, que decorre na Alfândega do Porto, tinha como mote as doenças e terapias do futuro, mas “se há coisa difícil de prever é o futuro”, admitiu o moderador da sessão e presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), Henrique Barros.

“Não me interessa saber quais as doenças do futuro, mas aquelas que temos de conseguir que não existam no futuro”, disse.

Se, por um lado há cerca de 100 anos “a doença das doenças era a prisão de ventre”, atualmente parece ser “perigoso prever o futuro”, sobretudo quando se conjugam fatores aparentemente tão distintos como a resistência a antibióticos, o potencial da Inteligência Artificial, o hiato entre o desenvolvimento científico e incorporação na prática clínica ou os fluxos migratórios e a mobilidade.

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As previsões para o crescimento das doenças por bactérias resistentes a antibióticos “são assustadoras”, admitiu Joana Azeredo, do Centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho, sobretudo porque aparentemente “estamos a perder as armas contra as bactérias”.

Com a indústria farmacêutica a “esgotar o seu arsenal”, a investigação debruçou-se sobre os vírus das bactérias — bacteriófagos — que “podem ser uma solução”, primeiro “porque conseguem matar bactérias de forma eficiente” e, segundo, “porque tornam as bactérias sensíveis aos antibióticos”.

“Esta terapia tem um grande futuro pela frente, mas tem também presente”, observou Joana Azeredo, notando que em Portugal 11 doentes, com resistência a antibióticos ou intolerantes aos mesmos, foram “tratados com sucesso”.

Esta terapia enfrenta, no entanto, “grandes desafios regulamentares”, afirmou, defendendo que dela se pode tirar “muito proveito” para o futuro da medicina de precisão.

À semelhança dos bacteriófagos, também a Inteligência Artificial pode vir a ser bastante útil no futuro da saúde, defendeu Tiago Marques, da Fundação Champalimaud, ao tornar-se uma aliada na descoberta de novas terapias.

A sua utilização requer, no entanto, “muito cuidado” e consciência, até porque, “a Inteligência Artificial não vai resolver todos os problemas”, lembrou o especialista, acrescentando que ao nível da saúde, os dados médicos, que servem de base aos algoritmos são de difícil acesso por motivos de privacidade.

“É importante que estas novas tecnologias sejam reguladas e fiscalizadas”, observou.

Apesar dos avanços científicos, permanece um hiato entre a evidência e a incorporação na prática clínica, destacou Mário Silva Santos, do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS).

“É demasiado moroso e deve-nos envergonhar o número de vidas que não são salvas porque somos muito lentos a aplicar essa inovação terapêutica”, observou.

Num mundo onde os movimentos migratórios não são fenómenos recentes, Sónia Dias, da Escola Nacional de Saúde Pública, alertou que estes se tornaram “mais rápidos e complexos” fruto da globalização.

“Sabemos que provavelmente o grande foco da vulnerabilidade em saúde das populações migrantes tem a ver com os fatores sociais”, observou, dizendo que é clara a evidência de que a condição de saúde do migrante se deteriora quando está no novo país há mais de 10 anos.

Sob o lema “+Ciência para Uma Só Saúde e bem-estar global”, o Encontro Ciência arrancou na quarta-feira e decorre até sexta na Alfândega do Porto. No encontro são esperados cerca de 200 oradores.