Pode ou não ser a última entrevista, seria garantidamente “a” entrevista. Quatro meses depois da estrondosa derrota nas eleições do FC Porto com apenas 20% de votos frente a André Villas-Boas, culminando assim 42 anos na liderança dos destinos dos azuis e brancos, Jorge Nuno Pinto da Costa falou à TVI de tudo. Mesmo de tudo. Do clube, das relações com alguns dos intervenientes com quem se foi cruzando, da parte pessoa, da doença que muitos sabiam ter mas que só agora foi assumida na primeira pessoa. Esta segunda-feira, o canal transmitia a segunda parte da entrevista com um lado mais polémico a prevalecer sobretudo em relação à forma como foi conduzida a investigação após os incidentes na Assembleia Geral dos dragões.
“Aquilo foi muito bem preparado, houve incitamentos por parte da equipa de Villas-Boas a pedir para irem todos e filmar tudo, sabem que há algo para filmar ou não diziam isso. Houve uma coisa estranha sobre isso. Houve três procuradores, sócios do FC Porto, que estiveram lá a controlar a Assembleia. A Assembleia acabou às 2h00 da manhã e no dia seguinte, logo às 10h, já estava uma queixa de uma procuradora contra os acontecimentos. Se houve instrumentalização da Justiça? Acho que houve instrumentalização daquele grupo, com a colaboração da Justiça”, apontou Pinto da Costa sobre esse “momento de viragem”.
“As mãos no fogo não ponho por ninguém mas acho que Fernando Madureira está preso injustamente. Não se vê em nenhum lado nenhuma agressão. Houve uma Assembleia Geral em que as contas foram aprovadas e no final quem foi levar o Villas-Boas foi o próprio Fernando Madureira. Algum dinheiro ganhou com os Super Dragões, tinha um contrato onde comprava ‘x’ bilhetes que ficavam na claque ou eram vendidos para ganharem algum para as viagens e isso. A fortuna não foi graças a mim, tinha um acordo desde 1986 com o FC Porto que foi sempre cumprido. Quando ia buscar os bilhetes para um jogo, pagava o anterior. Se ganhava dinheiro, não era connosco. Sim, considero-o amigo. Se fosse traficante de droga não, claro, e ficaria surpreendido com isso. Já o vi na prisão e falámos do FC Porto. Ele estava mais preocupado comigo do que com ele, tive de levar para a brincadeira a dizer que se estivesse doente, estava no hospital”, revelou.
“Para mim até poderia ter perdido [as eleições] por 99%, o que contava era a minha consciência. Não queria ver cair o centro de estágio, ver sair o Sérgio… Porque saiu? O André Villas-Boas, numa entrevista, criticou-me por eu não ter já renovado com o Sérgio Conceição, dizia que o Sérgio Conceição era fundamental…”, recordou. “Traição de Vítor Bruno? Traição talvez seja uma palavra forte, digo que foi uma deselegância. Num dia, o Sérgio Conceição dá um jantar à equipa técnica, o Vítor Bruno diz que vai para as Arábias, o Sérgio Conceição diz que acha muito bem e no dia seguinte, num encontro com o André Villas-Boas, o André diz-lhe que o Antero há um mês que já tinha falado com o Vítor Bruno. Até pensou que era o Vítor Pereira. O Sérgio sentiu-se traído. Na véspera tinha-lhe dito que ia para o estrangeiro e depois há um mês qjá tinha sido contactado pelo Antero Henrique para ser treinador do FC Porto. O Sérgio sentiu-se completamente enganado, terminou a reunião com o André Villas-Boas e sei que lhe disse que a partir daí o que tivesse para tratar seria com o seu advogado”, completou ainda sobre o antigo técnico dos dragões.
Ganhar um título europeu? Com o Sérgio Conceição seria muito difícil, sem o Sérgio, não vou dizer com o Vítor Bruno, é impossível. Infelizmente, é impossível. Se Mourinho foi o treinador que me deu mais alegrias? Foi. O Sérgio deu-me 11 alegrias porque ganhou 11 títulos em sete anos com muitas dificuldades. Agora, é diferente ganhar um Campeonato do que ganhar uma Taça UEFA e uma Liga dos Campeões. Estávamos envolvidos com o Manchester United, o AC Milan, grandes colossos do futebol, fomos vencendo todos e, na final [da Champions], veio o Mónaco e levou 3-0. Isso cria momentos inesquecíveis”, recordou Pinto da Costa.
“Problemas financeiros? Sempre houve. O problema é como se quer ver as coisas. Dizem que deixámos oito mil ou dez mil euros na conta mas deixámos 50 milhões pela presença no Mundial de Clubes, mais 100 milhões, mais um plantel em que se quiserem é só vender como aconteceu com o Evanilson. O que dizem não me preocupa. O que deixei foram 69 títulos no futebol, 2.560 títulos nas modalidades, deixei um Estádio, um Museu e um Pavilhão que fizemos e, desde 1962, a maior parte dos dias da minha vida”, contou.
“Se se compravam árbitros? Não. Eu acho que não… Se eu comprei? Não. Confissão perigosa? Não era até porque já tinha prescritos mas não é verdade. Maior pecado? Devo ter feito os pecados normais, que toda a gente faz. Nunca matei ninguém, nem nunca roubei ninguém, nesses estou à vontade. Nos outros, não ponho as mãos no fogo. As acusações não me deixam preocupado. Tive duas coisas, uma foi o Apito Dourado, em que fui absolvido e não tinha razão de ser. Orquestração do Apito Dourado? Não quero dizer quem foi, não vou revelar. As pessoas sabem. Hoje até me dou bem com elas. Relação com Luís Filipe Vieira? Demo-nos muito bem, depois interrompemos quando foi para presidente do Benfica por influência de outros, que achavam que para o Benfica não era bom ser meu amigo. Houve um corte mas perdoei ao Filipe Vieira e hoje estou com ele sem qualquer rancor”, revelou também o antigo presidente dos azuis e brancos.
Por fim, e na parte final da conversa, Pinto da Costa falou dos melhores jogadores que viu, de Ronaldo (que lhe ofereceu uma camisola autografada que tem no seu museu privado) e deixou um último desejo: “Dos jogadores que eu vi, mais antigo, Di Stéfano. Dos jogadores de agora, Ronaldo e Messi. Se Ronaldo devia continuar na Seleção? Devia fazer mais um jogo, ganhá-lo e retirar-se. Último desejo? Em termos mundiais, que acabem as guerras, é uma loucura o que está a acontecer. As fábricas de armamento têm de ganhar dinheiro mas já chega. Em Portugal e no Porto, queria muito que acabassem os sem abrigo”.
O que tinha dito Pinto da Costa na primeira parte da entrevista à TVI no domingo
“Sinto-me Jorge Nuno Pinto da Costa. Não apago o meu passado. Não me esqueço que fui dirigente durante 60 anos e presidente durante 42, mas, hoje, sou um homem sem essas preocupações e responsabilidades, com muito orgulho do que fiz no FC Porto mas gosto de ser um cidadão normal. Porquê a recandidatura? Sabia da minha doença desde 8 de setembro de 2021. Na altura, não sabia tudo o que sei hoje sobre a minha saúde mas sabia o meu estado. Quando me candidatei, a minha intenção era fazer um ano e, no final, provocar eleições. Não era como diziam, indicar alguém como sucessor. Sempre fui contra isso e disse que o FC Porto não era uma monarquia”, tinha referido este domingo à TVI Pinto da Costa.
“Havia duas coisas que queria muito e que considerava prioritárias no FC Porto. A primeira era fazer uma Academia, e tinha isso em mãos com a Câmara da Maia. É público, um projeto fantástico, com pavilhões, campos… Queria fazer e estava praticamente feito. Depois, como não ganhei as eleições, puseram isso de lado. Quanto a mim, mal, mas, agora, são eles que governam. Achava que era fundamental para a vida do FC Porto. Em segundo, tinha um sonho, que era voltar a ver o FC Porto campeão europeu e achava que, para isso, era fundamental manter o Sérgio Conceição. Por isso é que, antes das eleições, contratei o Sérgio Conceição, tal como o Pepe. Tenho um contrato assinado pelo Sérgio Conceição e pelo Pepe para jogarem mais este ano”, voltou a recordar sobre as derradeiras “promessas eleitorais” que fez.
“Hesitei muito em candidatar-me. Só o fiz depois de ver o rumo que as coisas levavam e as pessoas envolvidas na equipa do André Villas-Boas mas consciente de que estava tudo montado para que houvesse uma tendência clara para o outro lado. Ficava com mais preocupações se tivesse abandonado e não ido à luta. Em democracia ganhar e perder… Espero que ele faça o melhor e seja bom para o FC Porto”, acrescentou.
“Faço a minha vida na mesma. Fiz sempre. Tudo o que quis fazer, fiz. A vida proporcionou-me amigos que, hoje, estão comigo como se fosse presidente do FC Porto ou da República. Isso, para mim, não tem preço. Ao mesmo tempo, também faço isto para que os meus amigos estejam preparados, porque, um dia, isso vai acabar. Não partilhei a doença com ninguém. Partilhei com a minha mulher, ela fingindo que não sabia. De resto, não disse a ninguém. Não disse aos meus filhos. Tinha de ir ao IPO e disse à minha filha ‘Olha, vou ao IPO porque tenho uma coisa que não sabem o que é’. Ela ficou preocupada e disse que vinha comigo. Ela e a minha mulher vieram comigo e aí é que ficaram a par da situação. Foi já este ano”, contou.
“Estão a reagir bem, talvez pela maneira como eu encaro. Não alterei absolutamente nada na minha vida. Só faço medicação. Fui ao hospital há um mês, e, agora, se calhar, vou em setembro. Fisicamente, andei com uma dor, mas, desde que fiz o último tratamento, desapareceu. Acho que elas também encaram assim. A única coisa que mudou na minha vida é que só estou com quem gosto. Sou incapaz de dizer que tenho de ir aqui ou acolá. Isso acabou para mim. Não tenho. Já não tenho obrigações no FC Porto, por isso, não tenho obrigações de estar com quem não quero”, revelou ainda a propósito do estado de saúde.