Adriano nunca foi feito para ser o típico jogador de futebol. Deixou o Brasil e o Flamengo em 2001, antes de completar 20 anos, e nem o potencial que demonstrou entre Inter Milão, Fiorentina, Parma e Roma permitiu que se habituasse a uma vida longe de casa. No fundo, Adriano foi vítima da saudade. Uma saudade que agora tenta matar todos os dias, há praticamente uma década, desde que terminou a carreira.

Atualmente com 42 anos, o antigo internacional brasileiro tem sido protagonista de histórias e imagens menos abonatórias nos últimos anos, entre vídeos onde aparece claramente embriagado, uma acusação de tráfico de droga que acabou por cair e um divórcio 24 dias depois do casamento. Agora, num longo texto escrito para o site The Players’ Tribune, Adriano procurou detalhar o próprio dia a dia — embora reconheça que, como tantos sempre disseram, desperdiçou uma carreira de sucesso.

“Sabem o que é ser uma promessa? Eu sei. Inclusivé uma promessa não cumprida. O maior desperdício do futebol: eu. Gosto dessa palavra, desperdício. Não só por ser musical, mas porque me amarro em desperdiçar a vida. Estou bem assim, em desperdício frenético. Mas nunca amarrei uma mulher a uma árvore, como dizem. Não uso drogas, como tentam provar. Não sou do crime, mas, claro poderia ter sido. Não curto baladas”, começa por escrever, terminando o parágrafo com a confirmação de que bebe “todos os dias sim, e os dias não muitas vezes também”.

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Apesar de viver na Barra da Tijuca praticamente desde que terminou a carreira, depois de um ano no Miamim United, Adriano passa grande parte do tempo na Vila Cruzeiro, a favela do Rio de Janeiro onde nasceu e cresceu. No texto, explica que para entrar no bairro é preciso passar pelo campo do Ordem e Progresso, quase como se o futebol se impusesse, e garante que jogou mais naquele espaço do que em San Siro. Depois, recorda o pai, Almir, que diz ser o grande responsável por se ter dedicado ao futebol.

“O Mirinho era um líder da Vila Cruzeiro. Todo o mundo o respeitava. E ele dava o exemplo. Futebol era com ele. Uma das missões do Mirinho era evitar que a molecada se envolvesse com o que não devia. Ele tentava sempre trazer as crianças para a bola. Não queria ninguém de bobeira. Muito menos vacilando na escola. O pai dele bebia muito. Esse, sim, era alcoólico. Morreu disso, inclusivé. Então, toda a vez que via a molecada tomando uma, o meu pai não tinha dúvidas. Lançava copos e garrafas que estavam pela frente no chão. Mas não adiantava, né? Então, a fera mudou de tática. Quando a gente se distraía, ele arrancava a dentadura e colocava no meu copo ou no dos meninos que estavam comigo”, conta Adriano.

Adriano jogou com Ronaldinho, Robinho, Ronaldo e Kaká na seleção brasileira e conquistou a Copa América, em 2004

O antigo avançado recorda que o pai ficou fragilizado a partir do momento em que foi atingido com uma bala perdida, quando Adriano tinha apenas dez anos, e que a partir daí foi a mãe a sustentar financeiramente a família. “Cresci a conviver com as crises do meu pai. O Mirinho nunca mais conseguiu trabalhar. A responsabilidade de sustentar a casa caiu toda nas costas da minha mãe. E o que ela fez? Se virou. Contou com a ajuda dos vizinhos. A família representou. Aqui todo o mundo vive com pouco. Ninguém tem nada sobrando. E mesmo assim, a minha mãe não ficou sozinha. Sempre tinha alguém dando uma força”, acrescenta, sublinhando a importância do apoio dos vizinhos e da família.

Entre a ideia de que voltou à Vila Cruzeiro para ter “sossego”, Adriano explica que “negociou” com Roberto Mancini, “esforçou-se” com José Mourinho e “chorou no ombro” de Massimo Moratti, mas nunca conseguiu alcançar todo o potencial que prometeu. “Não sabem porque é que fiz isto. Foi porque eu não estava bem. Eu precisava do meu espaço, fazer o que eu quisesse fazer. Aqui eu ando descalço e sem camisa, só de bermudão. Jogo dominó, sento no chão, lembro as minhas histórias de infância, ouço música, danço com os meus amigos, durmo no chão. Vejo o meu pai em cada uma dessas vielas”, explica.

Por fim, e para ilustrar a solidão que acabou por sentir em Milão enquanto jogava o Inter, recorda um Natal em que foi passar a Consoada a casa de Clarence Seedorf, neerlandês que também jogava nos italianos — e que ajuda a perceber a forma como Adriano foi amenizando a tristeza ao longo dos anos que passou na Europa.

“Imagina a noite de Natal em casa dele. Uma elegância que só vendo. Estava tudo muito bonito e gostoso, mas a verdade é que eu queria estar no Rio de Janeiro. Nem fiquei muito com eles. Pedi desculpas, despedi-me rápido e voltei para o meu apartamento”, começa por contar, detalhando depois o que aconteceu após telefonar à família. “Peguei uma garrafa de vodka. Sem exagero. Tomei aquela porra inteira sozinho. Chorei a noite toda. Apaguei no sofá de tanto que eu bebi e chorei”, termina.