O difícil no terceiro e último dia de Avante foi não perder peso, a romaria fez-se cedo para o comício e o malandro do calor não desarmou. Em muitas bancas o stock das águas foi-se rápido e os gelados nunca saíram tão bem. Mesmo um homem com um honroso arcaboiço, que envergava uma T-shirt com a frase “Esta é a minha t-shirt para beber copos”, parecia já ter vivido melhores dias.

O calor era tão intenso que lá acabámos a falar dele… E estávamos em dias de evidências: borrifar um desconhecido já não era má educação; o comício e, claro, Jerónimo de Sousa, foram o cabeça de cartaz honorário deste Avante, numa última etapa que tinhas as canções mais esperadas — e pelas melhores razões.

Eles e nós, todos “juntos”

Já rebobinámos a fita, contemos a história do final do Avante! como se ainda lá estivéssemos, no presente. E assim sendo, a melhor “Carvalhesa”, se é que isso é possível, é sempre esta, a que sucede as palavras do líder do PCP. Bailando com os foguetes, a avisar que está quase aí o fim da farra, a multidão aproveita os últimos cartuchos. Queriam. O melhor está por vir, culpa de dois senhores que agora vêm “Juntos”. Se já são tanto por sua conta imagine-se em duo. Sérgio Godinho e Jorge Palma não podiam falhar, tendo andado a correr o país com esse disco em parceria – título mais literal era impossível – esta seria paragem obrigatória.

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Vê-se a dimensão, o respeito que este momento respira, na atenção de novos e velhos, o que é história a todos chega. “Dá-me Lume”, logo pelo começo, pedido a que quase todos os camaradas poderiam aceder, provoca a boa disposição e a dança curta, maneirinha. Música portuguesa, com certeza. No palco fala-se em uísque de malte, na hora de assumir que a festa mói, que já chamámos todos os nomes às costas e que por isso está tudo “Frágil”. Os hits foram-se sucedendo, daqueles que o mundo tanto sabe mas não se importa de ouvir. Sérgio Godinho e Jorge Palma são prata da casa e da boa, fazem isto com uma venda se for caso disso. O fim é o costume, a mais pura das verdades, “hoje soube-me a pouco”. O aplauso, longo, pelo fim, assim o dita.

Pausa para o groove

Vamos bem a tempo de Marta Ren. Muda-se o ritmo, à esquerda para a soul, o mesmo lado onde se encontra a equipa de sopros, a intérprete traz pilhas carregadas para esta audiência teimosa e resistente. Momento à big band, esta Quinta da Atalaia parece bar de jazz em Chicago, considere-se a escala, que rigor é tudo. Apresenta a banda, The Groovelvets, e introduz o single “Summer’s Gone” do disco “Stop Look Listen”, título que já começa a adivinhar aquela pressão no estômago, peso morto que faz o alerta: amanhã é dia de trabalho. Olá setembro.

Por enquanto bebamos esta soul toda de uma assentada, apreciemos o groove, a pose sensual e altiva de Marta Ren. Bela combinação quando se joga para a balança o alcance da voz da artista. Depois, perceber que aqui no Seixal é sempre possível voltar a encontrar um rosto conhecido. Gosto em vê-la querida Ana Moura, desde ontem. E, por acaso ou não, a fadista sobe a palco e o volume baixa, chegar pertinho que a coisa é em pés de lã, tudo consegue ser meloso sem ser peganhento. Ana Moura, pelos vistos, vai bem em todas, como se rodássemos uma garrafa com estilos musicais e ela nem aí, sem largar uma gota suor. Assim se prova com “Satisfaction” — se os Rolling Stones não vêm ao Avante, alguém que os traga, seja como for. Agradecidos.

Tempo ainda, claro está, para solos que desalinham os passos, geram tropeções, do saxofone ao baixo foi um fartote. O fim em modo bossy, quem manda aqui é Marta Ren, é a ideia que fica. A seguir, podia lá ser outra coisa, o encerramento do Avante pelos Xutos & Pontapés, que vêm uma hora depois do previsto, atraso pouco habitual por aqui.

Algo que julgamos já ter visto noutras edições, de trazer todos os contentores, o tal andar de baixo mais o barco que o homem, aquele mítico, trata de levar. A mesma sopa todos os dias, poderiam alguns dizer. Certo, mas se é bem feita não cansa. E o Avante!, em celebração dos quarenta anos, responde isso mesmo, vibra com o mesmo empenho, não há outra maneira de lidar com um palco ocupado por estes cinco. É como este arraial gigante, montado todos os anos. Siga a festa, siga a dança.