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As mil e uma táticas usadas pelos traficantes de droga nos aeroportos

Nos últimos três anos a Polícia Judiciária deteve 593 correios de droga. 113 deles tinham engolido 'bolotas', o que às vezes é fatal. Os restantes usaram outras técnicas surpreendentes. Até para a PJ.

Era apenas mais um passageiro que dormia num voo. Só quando o avião aterrou e todos começaram a agarrar nas malas para partir é que a tripulação de bordo estranhou o sono profundo. Chegaram-se a ele, chamaram-no, abanaram-no, mas nada. Estava morto. Tinha engolido várias cápsulas de cocaína e bastou uma rebentar para lhe causar a morte. Mas foi apenas uma entre muitas vítimas deste tipo de tráfico de droga.

Nos últimos três anos, a Polícia Judiciária (PJ) apanhou 593 correios de droga, 113 dos quais transportavam o produto no interior do organismo. As autoridades chamam-lhes os swallow: engolem entre 800 gramas a um quilo de invólucros de droga e são pagos para os transportar de um país para o outro. Há quem, com o hábito, até consiga engolir muitas mais. A coordenadora da PJ, Rosa Mota, recorda-se de um correio que expeliu, já no hospital, três quilos de cocaína. “Via-se a barriga a baixar”, conta. Nunca tinha visto nada igual. O filme Maria Cheia de Graça, de Joshua Marston, retrata esta realidade.

Há sempre “um enorme risco de vida”. “Uma grande quantidade de produto pode passar para o exterior dos invólucros” e contaminar o organismo. Foi o que aconteceu ao correio de droga que viajava no voo da Iberia e que morreu a bordo. Como Lisboa era a cidade mais próxima para desembarcar o cadáver, a PJ foi chamada a intervir. O correio morto vinha acompanhado por outro homem. Acabou detido pois também ele transportava droga no interior do organismo.

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Como se detetam estes casos? Mais do que informações das tripulações dos voos, a Judiciária conta com a cooperação policial de outros países. Há investigações e as interceções e detenções não acontecem por mero acaso. Mas o processo é complicado. “Têm que ir livremente ao hospital, se não é necessária uma ordem judicial. E são precisos, pelo menos, dois raios X – um para detetar e outro para confirmar que saiu tudo. Acresce a intervenção cirúrgica e, por vezes, uma TAC [Tomografia Axial Computorizada], gastos associados ao processo do Ministério Público. Durante todo este processo tem que estar um elemento da PJ no hospital a vigiar o suspeito. E já houve quem estivesse internado quinze dias”, conta a coordenadora Rosa Mota. Um rombo na gestão dos recursos, uma vez que metade do quadro da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes está por preencher e são conhecidas as queixas por falta de meios humanos naquela força.

Uma solução seria recorrer aos hospitais cadeia, pelo menos durante a fase de recobro, uma vez que estas unidades não dispõem de serviço de urgências. No entanto, a Direção Geral dos Serviços Prisionais não pode receber suspeitos de crimes a quem ainda não tenha sido aplicada uma medida de coação privativa da liberdade. A menos que haja uma ordem do tribunal. Mas são necessárias algumas certezas antes de deter alguém. Até porque, admite Rosa Mota, já aconteceu serem detidos suspeitos que depois se conclui estarem “limpos”. Nem sempre os “fortes indícios” se confirmam.

Os correios de droga têm que ser levados ao hospital de livre vontade ou por ordem judicial. Tem que ficar sempre um polícia no hospital a vigiar os suspeitos.

Mas engolir droga não é a única forma de os correios dissimularem o produto que circula por via aérea entre produtor e vendedor. 104 ‘mulas’ detidas traziam a droga dissimulada junto ao corpo. Enquanto 376 (a maioria)
a escondia na bagagem. E aqui os métodos variam conforme a imaginação. “Na semana passada descobri uma segunda utilização de um fato de mergulho”, conta Rosa Mota. Outra forma passa por colar as embalagens junto ao corpo, que fica mais liso embora mais volumoso. Também há quem use perucas falsas, como recentemente duas portuguesas detidas em Espanha. Na fotogaleria que se segue, clique no lado direito e veja fotografias de algumas técnicas usadas.

16 fotos

Crédito: Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da Polícia Jurídica

Quanto às técnicas mais criativas, é caso para dizer que os criminosos ainda conseguem surpreender a polícia. “Eles [traficantes] não fazem mais nada senão pensar como o podem fazer”. Usam os forros ou mesmo as pegas das malas. Mas também estatuetas, produtos cosméticos e, até, quadros… pintados com cocaína. Há quem transporte droga em estado líquido, por exemplo em garrafas de uísque ou em latas de cerveja ou de outros refrigerantes. Os que impregnam a cocaína em peças de roupa, que ficam duras e com um forte odor, e têm, depois, de passar por processos de transformação química para que a droga seja extraída e cortada até ser vendida. E, é claro, os que arriscam e engolem as mais conhecidas bolotas de ‘coca’ líquida, colocada dentro de preservativos.

Estes suspeitos podem ser peças fundamentais em investigações a grandes organizações de tráfico de droga. Mas nem todos colaboram. Perante o juiz, os correios de droga justificam habitualmente o seu comportamento com as dificuldades económicas, mas a PJ sabe que há quem faça disso um estilo de vida. “Há portugueses a quem pagam duas semanas de estadia no Brasil, viagens e ainda 8 mil euros para trazerem cocaína. Acha que o fazem só uma vez? É dinheiro fácil”, diz a coordenadora Rosa Mota. Outros contam “histórias completamente mirabolantes em que nem uma criança de cinco anos acreditaria”. E muitos remetem-se ao silêncio, preferem calar-se.

drogas_nacionalidade

O véu de silêncio e as dinâmicas de um aeroporto são um entrave ao trabalho da PJ. “A investigação aeroportuária é muito complicada”, afirma Rosa Mota. Um meio pequeno onde todos se conhecem e que permite uma série de atividades ilícitas, camufladas nos serviços normais. A PJ já foi chamada a entrar em aviões onde foi detetada droga na casa de banho. Destinar-se-ia a alguém do serviço de apoio ou da tripulação que teria como objetivo entregá-la a um destinatário em terra.

No início de dezembro de 2014 foram identificados e detidos nove homens suspeitos de tráfico de cocaína. Quatro deles eram funcionários do aeroporto do serviço de handling. Aproveitavam-se do seu trabalho com a bagagem para receberem malas de cocaína que vinham em aviões. A PJ apreendeu 90 quilos de cocaína vinda da América do Sul. Nas 16 buscas realizadas foram ainda apreendidos carros, motas e 55 mil euros em dinheiro. E encontradas armas de grande calibre, como uma HK modelo G3. Os detidos, entre os 32 e os 51 anos, ficaram em prisão preventiva.

Outras detenções e investigações feitas a partir de Portugal acabaram por chegar “à ponta de organizações” noutros países com quem a PJ colabora, como é o caso do Brasil. Foi o que aconteceu em Mato Grosso, quando uma rede de traficantes que transportava droga da Bolívia com destino a Minas Gerais, Portugal e Espanha. A Espanha é, aliás, outros dos países com quem as autoridades portuguesas têm mantido estreitas relações. E é lá que estarão as figuras de topo das organizações de tráfico de droga que atuam em Portugal. “Tenho dificuldades em responder se em Portugal existem grandes organizações. Diria que há de média dimensão. As maiores serão com espanhóis. Mas esta é uma realidade em constante mudança, nunca podemos afirmar com um grau de certeza muito grande. Estamos a assistir à implementação de indivíduos de origem nigeriana, que são grupos muito fechados, aqui e na Europa. E também temos indivíduos das ex-colónias”, refere Rosa Mota.

"A cooperação internacional é fundamental neste crime. O tráfico aéreo é uma realidade que atravessa os países, tudo o que entra por aqui [Portugal], é responsabilidade nossa. E somos a porta de entrada do Espaço Schengen".
coordenadora da PJ Rosa Mota

É por isso que já há registo de correios de droga que aproveitam voos de ligação para trocarem bagagens, escapando ao controlo. Portugal é uma porta de entrada, sobretudo de cocaína, a droga mais apreendida nos aeroportos. “Na França, na Alemanha ou na Áustria, apreender um ou dois quilos de cocaína é muito, enquanto haxixe é às toneladas”, exemplifica a coordenadora. Em Portugal o haxixe entra por via marítima e as drogas sintéticas são traficadas e consumidas em menor número.

Dos números disponibilizados pela PJ, destaca-se, de facto, a apreensão da cocaína. Em três anos, os correios de droga apanhados traziam 1,7 toneladas de cocaína (veja no gráfico abaixo). E se em 2012 não foram apreendidas drogas sintéticas, em 2013 já houve um volume grande de apreensão deste tipo de produtos: mais de 13 quilos; mas, por outro lado, nada de cannabis. No ano passado, em 2014, destaca-se um aumento da apreensão de heroína (sem apreensões no ano anterior): 6,8 quilos.

drogas_tipo

E o número de passageiros detidos com droga não para de aumentar. Em 2012, 180 detenções, no ano seguinte 194. 2014 fechou com 219. Este aumento, na perspetiva das autoridades, anda de mãos dadas com o aumento dos voos para e de Portugal. Atualmente há cerca de 14 voos considerados de risco todas as semanas. “Com cerca de 250 passageiros cada um, o controlo torna-se mais difícil”, diz a PJ.

As rotas são já conhecidas. A cocaína vem maioritariamente da América do Sul. Parte dela destina-se ao mercado português, a outra para os restantes países da Europa. Dos correios detidos nos últimos três anos, a maior parte era de nacionalidade brasileira, espanhola e portuguesa.

drogas_origem_destino

A origem da droga é maioritariamente o Brasil e o destino principal a Espanha. O que vai ao encontro do que as autoridades suspeitam: Portugal é uma plataforma de passagem entre a América do Sul e a Europa, e existe uma grande incidência de organizações criminosas em Espanha.

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