O Metropolitano de Lisboa vai parar este domingo na primeira greve de 24 horas do ano, mas que se segue a várias greves parciais realizadas no período da manhã. Para além das reivindicações salariais — um tema que ganha este ano uma nova força com a subida da inflação — a falta de pessoal para assegurar as escalas com impacto na oferta também está na agenda dos sindicatos. Já este mês o Ministério do Ambiente autorizou o Metro a contratar 58 pessoas este ano, uma autorização que para os sindicatos chega tarde e é insuficiente.

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Tem sido uma prática recorrente nos últimos anos que só em junho seja aprovado o plano de atividades e orçamento e que os números previstos de contratações e autorizados pelo Ministério do Ambiente nunca sejam concretizados até ao final daquele ano. Com uma elevada idade média dos seus efetivos, o Metro tem tentado renovar os quadros, mas depara-se com vários obstáculos: desde a autorização às vezes a conta-gotas das Finanças à falta de atratividade das vagas para os quadros mais qualificados. Com a entrada em operação da linha circular, a partir de 2024, a empresa terá de acelerar as contratações no próximo ano.

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O Metro tem falta de trabalhadores?

As necessidades de contratações do Metro de Lisboa são definidas anualmente no plano de orçamento e atividades que é aprovado pelo ministro do Ambiente que tem a tutela setorial. No entanto, este plano  tem sido aprovado apenas a meio do ano, o que faz com que os processos de recrutamento avancem apenas no verão. Por outro lado, o número, a categoria e o custo de cada contratação prevista tem de ir de ao Ministério das Finanças para validação. E é nesta fase que os processos por vezes encravam. Seja porque as autorizações demoram tempo a chegar, seja porque o número e até a tipologia de contratações autorizadas fica aquém das propostas. De acordo com informação recolhida pelo Observador, estes constrangimentos não atingem especificamente o Metropolitano de Lisboa (ML) e são transversais a todas as empresas de transportes, tendo até mais impacto em empresas com menos recursos humanos, como é o caso da Transtejo/Soflusa.

Carlos Macedo, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Metro, confirma que a empresa sente a falta destes recursos enquanto o plano não é aprovado, o que tem acontecido sempre em meados do ano. “De alguns anos largos para cá, as contratações têm sido muito aquém das necessidades”. O responsável não tem dúvidas em apontar o dedo ao Ministério das Finanças que não tem autorizado a entrada de trabalhadores na dimensão necessária e identificada nos planos anuais de atividades. O Metro só tem autonomia para contratar quando está em causa substituições de pessoas que saíram, por exemplo, para a reforma.

E essa é outra pressão que se faz sentir sobre os recursos humanos da empresa. Repetindo um cenário que se verifica em vários serviços públicos, o Metro indica que 47% dos cerca de 1520 colaboradores tinham mais de 50 anos. “Em áreas core para o negócio do grupo de empresas do ML o envelhecimento dos colaboradores é ainda mais significativo”. Esta situação eleva a necessidade de reposição de efetivos e do rejuvenescimento que “assegure a transferência de conhecimento e garanta a sustentabilidade a longo prazo”.

O Metro tem contratado todos os recursos de que necessita?

Em resposta ao Observador o Metro de Lisboa diz que como uma empresa do setor público empresarial carece de autorização da tutela técnica e financeira (através da aprovação dos planos anuais de atividade) para contratar trabalhadores. E garante que “tem dado total cumprimento aos despachos de autorização desses planos e procedido a todas as contratações autorizadas”.

No entanto, a análise dos planos anuais de atividade e orçamento desde 2017 revela que o número de trabalhadores previsto para o final de cada ano nunca é atingido, ficando aquém das estimativas feitas seis meses antes. E a própria empresa dá conta das dificuldades de contratação nos relatórios e contas anuais. O último destes documentos divulgado refere que, “em 2021, deu-se continuidade ao processo iniciado em 2018 de recrutamento de novos colaboradores para as áreas comercial e de manutenção, mas também de técnicos superiores para outras áreas chave da empresa ainda que se tenha verificado a dificuldade em contratar para algumas áreas por falta de mão de obra especializada mas também por força dos valores do mercado, às quais acresce o facto de o ML (Metropolitano de Lisboa) não oferecer regimes de trabalho híbridos ou em teletrabalho”.

Já em 2020, o relatório referia a existência de um desvio entre as contratações previstas e as realizadas, ainda que a pandemia possa explicar uma parte desta diferença. Em 2021, o número de trabalhadores do Metro subiu apenas em quatro pessoas, considerando as saídas e as entradas.

O Metro vai contratar mais 58 trabalhadores este ano. É suficiente?

O Ministério do Ambiente autorizou no início do mês a contratação de 58 trabalhadores e um aumento de gastos com pessoal de 3,6 milhões de euros. Estas contratações respondem às necessidades identificadas para 2022 e deverão ser concretizadas até ao final do ano, diz a empresa ao Observador. O Metropolitano acrescenta contudo que em 2023 será necessário dar continuidade às contratações para as áreas operacionais com vista à preparação da operação para a nova linha circular prevista para 2024. A extensão da linha vermelha com a ligação de S. Sebastião a Alcântara deverá ficar concluída em 2025/2026.

Para o dirigente sindical Carlos Macedo, as contratações são bem vindas, mas insuficientes. “Não cobrem metade das necessidades do Metro e a própria administração já o reconheceu, em reuniões com os sindicatos, que não tem trabalhadores”. Até porque, adianta, uma parte destas novas entradas vai substituir pessoas que saem para a reforma.

As entradas não chegam para os sindicatos recuarem na greve convocada para domingo. O responsável do Sindicato dos Trabalhadores do Metro de Lisboa defende que os trabalhadores da empresa não podem continuar a perder poder de compra, referindo que não há aumentos salariais há 10 anos. O Metro, como outras empresas pública, tem proposto a atualização de 0,9% prevista pelo Governo para a Função Pública. “Somos realistas e sabemos que não vamos ter tudo o que queremos, mas esperamos pelo menos conseguir encontrarmo-nos no meio do caminho”, refere Carlos Macedo.

A falta de trabalhadores vai obrigar a reduzir a oferta?

De acordo com informação prestada por Anabela Carvalheira, dirigente da FECTRANS (Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações filiada na CGTP), após uma reunião com a administração do Metro, a empresa terá admitido a redução da oferta para aliviar o peso sobre os trabalhadores operacionais. Essa informação não é confirmada ao Observador pelo Metro de Lisboa que, no entanto, a relaciona com a decisão anunciada na semana passada de autorizar a contratação de 58 trabalhadores.

Metro de Lisboa vai reduzir oferta para não sobrecarregar trabalhadores

“Perante a autorização de recrutamento ora concedida, a redução de oferta que se encontra prevista é a que nos últimos anos ocorre, habitualmente, no período de férias escolares do verão e que impacta apenas as linhas azul e amarela. Essas alterações têm efeito a partir de 27 de junho próximo” e até 11 de setembro. A empresa justifica este horário, adotado por outros operadores do setor, com a redução normal da procura do serviço de transporte, em consequência do período de férias escolares.

Questionado sobre o efeito dessa redução na oferta, a empresa esclarece que haverá uma ligeira diminuição da frequência dos comboios e o consequente ligeiro aumento do tempo de espera, remetendo para os horários a ser publicados na próxima semana.

Mas uma coisa são os horários, outra coisa são as circulações efetivas. Segundo Carlos Macedo, têm acontecido supressões de comboios quando não existem trabalhadores suficientes para a operação. “Se para os 10 comboios previstos para uma linha só temos nove maquinistas um comboio vai ser suprimido. E isto tem vindo a acontecer diariamente por falta de trabalhadores”. A pandemia disfarçou a falta de profissionais porque a circulação reduziu-se, mas agora é mais visível para quem viaja e “vê os comboios lotados e mais tempos de espera”. As supressões dependem de vários fatores, como folgas, avarias e baixas por doença (que sendo já normalmente elevadas no Metro aumentaram com a Covid), mas o responsável diz que há falta de maquinistas.

O Metro precisa de contratar maquinistas?

As contratações do Metropolitano são sobretudo direcionadas para o preenchimento das funções de agente de tráfego que é o primeiro patamar de uma progressão interna na área operacional. Esta categoria inclui os serviços de bilheteira, guarnição de estações e operador comercial que corresponde ao antigo chefe de estação.

É a partir do exercício destas funções que os trabalhadores progridem para o cargo de maquinista. A entrada anunciada de 58 trabalhadores prevê 34 agentes de tráfego, o que permitirá libertar 22 trabalhadores destas funções para passarem a exercer o cargo de maquinistas. Desses, 11 vão iniciar o curso este mês, uma formação que demora dois meses e meio. Os candidatos que agora entram para agentes de tráfego vão também precisar de fazer um curso específico, embora neste caso o período seja mais curto, cerca de um mês.

O Metro quer contratar também 13 oficiais de manutenção, nove técnicos especializados e dois inspetores de obra, funções que exigem aos candidatos maior grau de qualificação. E aqui as dificuldades sentidas são maiores porque os técnicos elétricos e de mecânica que têm as qualificações exigidas conseguem no mercado de trabalho melhores salários ou então não cumprem os requisitos específicos pedidos.

A procura está a recuperar, mas já estamos ao nível de 2019?

O número de passageiros transportados pelo Metro de Lisboa registou nos primeiros três meses do ano um forte crescimento face ao ano de 2021, mais do que duplicando. No entanto, e apesar do crescimento de 137% até março — o mais expressivo nas empresas de transportes urbanos — o número de passageiros transportados ainda ficou bastante aquém do movimento de 2019 e até de 2020, cujo tráfego só foi afetado pela pandemia a partir de março. O Metropolitano transportou 28,7 milhões de passageiros até março, o que representa menos 14,2 milhões do que no mesmo período de 2019 e 11,1 milhões face a 2020. No entanto, os dados do primeiro trimestre incorporam o efeito das primeiras semanas de janeiro nas quais foi imposto o teletrabalho, o que afeta a procura acumulada de todo o trimestre.