Chegam esta semana ao Dubai as delegações dos 198 países signatários da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC), tratado assinado em 1992 pela quase totalidade dos países do planeta para criar o enquadramento internacional para o combate às alterações climáticas. É já a 28.ª “Conferência das Partes” deste tratado — a COP28 — e a história já ensinou ativistas e decisores políticos a moderarem as expectativas quanto à real eficácia destas cimeiras, em que qualquer vírgula tem de ser acordada por unanimidade.
Desde a primeira COP, que ocorreu em Berlim em 1995, estas cimeiras climáticas das Nações Unidas têm sido o palco para a discussão global sobre o clima. Foi, por exemplo, da COP3 (Quioto, 1997) que saiu o famoso Protocolo de Quioto, o primeiro grande tratado internacional destinado a limitar as emissões de gases com efeito de estufa. Na COP21 (Paris, 2015), foi assinado o Acordo de Paris — o mais importante acordo internacional atualmente em vigor em matéria climática. É nesse documento que está plasmado o grande objetivo climático da humanidade: limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais.
Ao longo de três décadas, as várias COP produziram acordos, entendimentos, protocolos e tratados. Múltiplos países comprometeram-se com metas de curto, médio e longo prazo — que têm vindo a ser permanentemente revistas. Quase todas as cimeiras terminaram já depois do prazo, devido às intensas negociações finais que resultam quase sempre numa redução da ambição dos textos finais e no adiamento para a COP seguinte das decisões mais importantes.
Ainda assim, ao longo das últimas três décadas, e especialmente desde a assinatura do Acordo de Paris, é possível identificar alguns dos grandes objetivos que mereceram considerável apoio internacional: o limite do aquecimento global em 1,5ºC, a neutralidade carbónica até 2050, a redução dos combustíveis fósseis associada à preferência pelas energias renováveis, a mobilização de 100 mil milhões de dólares anuais para ajudar os países mais pobres a lidar com as consequências das alterações climáticas, a redução das emissões de metano e a inversão da tendência de desflorestação em 2030.
Na COP28, todos estes compromissos vão ser novamente postos à prova — sobretudo porque esta é a cimeira em que ficará concluído o primeiro balanço global sobre o que está a ser feito para atingir as metas do Acordo de Paris. Em que ponto estão, afinal, estes grandes objetivos climáticos da humanidade? O Observador procura respostas para esta pergunta, ao mesmo tempo que sintetiza os grandes tópicos que vão estar em cima da mesa na COP do Dubai e quais as pontas soltas que vêm de cimeiras anteriores.
Pontas soltas de cimeiras anteriores
Os delegados que vão representar os 198 membros da UNFCCC na COP28 herdam, assim, a tarefa ingrata de atar as pontas que foram deixadas soltas pelas cimeiras anteriores.
A grande expectativa de ativistas e decisores políticos centra-se na esperada operacionalização do fundo para apoiar os países mais pobres. Na COP27, em Sharm el-Sheikh, os negociadores conseguiram finalmente deixar por escrito aquele que já era um apelo com várias décadas por parte dos países mais pobres: a intenção de criar um fundo para ajudar os países em vias de desenvolvimento a fazer frente às consequências das alterações climáticas.
Para muitos países, os impactos do aquecimento global não são uma ameaça do futuro, mas uma crise do presente. Em 2022, mais de 1.700 pessoas, incluindo 615 crianças, morreram nas cheias catastróficas que afetaram o Paquistão e que obrigaram cerca de 8 milhões de pessoas a fugir das suas casas. A tragédia naquele país asiático contribuiu decisivamente para colocar em cima da mesa, na COP27, a urgência de criar mecanismos financeiros eficazes através dos quais os países mais ricos (e com maiores responsabilidades na crise climática) ajudem os países mais pobres (e menos responsáveis pelas alterações climáticas) não só a proteger-se das ameaças futuras, mas sobretudo a lidarem com as consequências do presente.
O objetivo antigo de mobilizar 100 mil milhões de dólares por ano para este fim só foi alcançado em 2022, dois anos mais tarde do que o proposto em Copenhaga em 2009. Ainda assim, este valor resulta apenas do somatório de todos os investimentos, incluindo investimentos privados, feitos por países desenvolvidos em benefício dos países mais pobres. O apelo antigo para a criação de um fundo formal para o efeito tem vindo a ser sistematicamente adiado — e foi finalmente deixado por escrito na COP27.
Todavia, a criação desse fundo ficou apenas a meio caminho na COP egípcia, já que o fundo se encontra ainda vazio. Ao longo do último ano, o comité de transição designado na COP27 esteve a trabalhar numa proposta que terá de ser discutida, agora, na COP28. Existe uma grande expectativa de que os negociadores possam sair do Dubai com um fundo finalmente estabelecido — e isso implica saber quem financia, com quanto financia, quem beneficia, quem administra e com que critérios o faz.
Recentemente, numa sessão informativa sobre o avanço dos trabalhos climáticos globais, o ambientalista Francisco Ferreira, líder da associação Zero e um dos representantes portugueses na COP28, defendeu que este será um tema central desta edição da cimeira.
“Tivemos, na COP27, finalmente a decisão deste mecanismo, que é um seguro, digamos assim, para os países com menos meios, para lidarem com as catástrofes climáticas, para terem um financiamento para recuperar as áreas afetadas por cheias e ondas de calor”, explicou Francisco Ferreira, que vincou o objetivo dos 100 mil milhões de dólares anuais. “Se começarmos a contabilizar também o investimento privado, algumas contas apontam que estaremos finalmente neste nível”, disse ainda, acrescentando que a ideia é que em 2025 a meta do financiamento possa duplicar.
O ambientalista e professor universitário lembrou ainda como, nas últimas semanas, o comité de transição finalizou uma proposta para que o fundo para as perdas e danos seja gerido a partir do Banco Mundial, o que não agrada à maioria dos países em via de desenvolvimento, devido à enorme influência norte-americana sobre a instituição. A proposta de acordo, para já, limita-se a um período experimental de quatro anos e será um dos temas centrais da COP28. “Não se sabe ainda quem financia, com quanto financia”, sustentou Francisco Ferreira, lembrando que a proposta voltará agora a estar em cima da mesa.
Manter vivo o objetivo de 1,5ºC
No entender do responsável da associação ambientalista Zero, o grande objetivo da COP28 terá de ser, necessariamente, o de manter viva a esperança de que a meta do Acordo de Paris — limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais — ainda possa ser cumprida. Todos os indicadores atualmente à disposição dizem que é muito difícil, senão mesmo impossível, a manutenção da meta. A Organização Meteorológica Mundial já veio mesmo dizer que existe a grande probabilidade de o limiar dos 1,5ºC ser batido já em 2027, ainda que isso não signifique a manutenção das temperaturas nesses níveis de modo permanente. O objetivo do Acordo de Paris é o de limitar o aquecimento global no longo prazo — e isso ainda é possível, mesmo que cada vez mais difícil.
Para isso, defende Francisco Ferreira, é fundamental que a COP28 seja aproveitada para aumentar a ambição do que fica escrito relativamente à redução dos combustíveis fósseis. Nesse aspeto, a COP26 (Glasgow, 2021) foi inédita, já que pela primeira vez na história dos tratados da ONU ficou por escrito o compromisso de trabalhar no sentido de reduzir o recurso aos combustíveis fósseis, ainda que numa formulação pouco ambiciosa e que deixa toda a margem para o incumprimento. A expectativa dos ambientalistas é que o precedente aberto em Glasgow seja agora aproveitado para ir mais longe no compromisso.
De acordo com o ambientalista português, para que o objetivo dos 1,5ºC continue ao alcance da humanidade, é necessário que a curva das emissões se inverta já em 2025 — ou seja, que as emissões de gases com efeito de estufa atinjam o pico histórico já dentro de dois anos e comecem a descer a partir daí. Isso obrigará a “metas mais ambiciosas” nos compromissos da COP, defendeu Francisco Ferreira, apontando também a necessidade de “triplicar” as energias renováveis até 2030.
Outro assunto que vai merecer especial atenção durante a COP28 será o da adaptação, outro conceito-chave no debate sobre as alterações climáticas. Neste caso, o que está em causa não é a redução das emissões, o combate às alterações climáticas ou a mitigação dos impactos — mas sim a adaptação das comunidades e das infraestruturas aos impactos das alterações climáticas que já são inevitáveis.
O Artigo 7.º do Acordo de Paris determina que os países signatários têm de estabelecer o “objetivo global para a adaptação, que consiste no aumento da capacidade de adaptação, no reforço da resiliência e na redução da vulnerabilidade às alterações climáticas”. A adaptação está de mãos dadas com a mitigação: “As Partes reconhecem que a atual necessidade de adaptação é significativa e que níveis mais elevados de mitigação podem reduzir a necessidade de esforços adicionais de adaptação, e que maiores necessidades de adaptação podem envolver custos de adaptação mais elevados.”
Contudo, ao contrário do que acontece com o objetivo da temperatura — definido nos 2ºC e, idealmente, 1,5ºC —, o Acordo de Paris não define logo à partida qual é este objetivo global para adaptação, ou seja, um plano financeiro para orientar os esforços de adaptação climática. Na COP de Glasgow, em 2021, os negociadores concordaram em duplicar o montante investido em adaptação até 2025 (face aos valores de 2019), mas ainda não foi criado um plano concreto para esse financiamento. Na edição passada, em Sharm el-Sheikh, os negociadores também não conseguiram chegar a um acordo suficientemente sólido para definir o objetivo global de adaptação: foram apenas definidas linhas orientadoras que deverão ser usadas, na COP28, para tentar chegar a um objetivo final.
O grande marco desta COP será, por outro lado, o primeiro “Global Stocktake” do Acordo de Paris — ou seja, o primeiro balanço global da implementação do acordo. Trata-se de uma exigência do próprio acordo, onde se lê que os países signatários têm de “desenvolver a sua primeira avaliação global em 2023 e, a partir daí, a cada cinco anos”. “O resultado da avaliação global fornecerá informação às Partes tendo em vista a atualização e o reforço, de uma forma determinada nacionalmente, das suas ações e apoio, de acordo com as disposições relevantes do presente Acordo, bem como para que se intensifique a cooperação internacional em matéria de alterações climáticas”, diz o Acordo de Paris.
Em causa está um processo de avaliação global que tem em conta todas as medidas já implementadas e prometidas pelos signatários do Acordo de Paris, bem como todos os esforços de combate às alterações climáticas, para compreender se o mundo está ou não no bom caminho para que as metas de Paris sejam cumpridas. Depois de uma fase técnica de avaliação das medidas, que tem vindo a ser conduzida ao longo do último ano, as expectativas viram-se agora para a COP28, onde este balanço global ganhará dimensões políticas.
Portugal tem pavilhão pela primeira vez
Pela primeira vez, Portugal estará representado na COP com um pavilhão próprio. O pavilhão de Portugal servirá, como tinha dito o Ministério do Ambiente à Lusa no ano passado, para “dar visibilidade a políticas ambientais maduras, que têm concitado a admiração de vários países e parceiros”. Até aqui, Portugal tinha participado apenas por via do pavilhão da União Europeia.
Segundo explicou Francisco Ferreira aos jornalistas, espera-se a presença do primeiro-ministro, António Costa, na abertura da COP28, bem como do ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, na abertura e na segunda semana. Ao longo de toda a semana da COP28, vários secretários de Estado vão representar Portugal nos debates setoriais — além de estarem também presentes deputados de todos os grupos parlamentares e vários cientistas e investigadores nacionais.
A COP28 decorre no Dubai entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro e vai ser presidida por Sultan Ahmed Al Jaber, ministro da Indústria dos Emirados Árabes Unidos e presidente executivo da ADNOC, petrolífera estatal do país.