A primeira fase da cimeira das Nações Unidas sobre as alterações climáticas (COP26) chegou esta terça-feira ao fim com alguns compromissos assumidos e avanços consideráveis nas metas climáticas do planeta, que deixaram o anfitrião da cimeira, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, “cautelosamente otimista” com o resultado final da COP26. A promessa de neutralidade carbónica da Índia e dois acordos globais — sobre a desflorestação e sobre o metano — são os principais sucessos dos primeiros dias da COP26.

Depois da cerimónia formal de abertura no domingo (altura em que os líderes das maiores economias do mundo ainda se encontravam em Roma para a cimeira do G20), os primeiros dois dias da COP26, que decorre em Glasgow, Reino Unido, foram ocupados com a cimeira de líderes, durante a qual perto de duas centenas de chefes de Estado e de Governo de todo o mundo discursaram para apresentar um balanço de como os seus países têm implementado medidas para cumprir os objetivos do Acordo de Paris e para anunciar novos compromissos climáticos.

No primeiro dia, a cimeira ficou marcada por discursos fortes de António Guterres, Joe Biden, Angela Merkel e Emmanuel Macron — e, acima de tudo, pelo compromisso assumido pelo primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, de alcançar a neutralidade carbónica até 2070. Foi a primeira vez que o país, que ainda queima carvão para produzir mais de metade da energia que consome, assumiu uma meta para a neutralidade, acontecimento considerado como um dos grandes sucessos desta fase inicial da COP26.

Palavras duras de Guterres, um Biden que quer ser líder e um compromisso decisivo da Índia. O primeiro dia de intervenções na COP26

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A Índia é o terceiro maior emissor de gases com efeito de estufa do mundo, apenas atrás da China e dos Estados Unidos.

Esta terça-feira, numa conferência de imprensa em que fez o balanço dos dois primeiros dias da COP26, Boris Johnson destacou o sucesso: “90% do mundo já estabeleceu metas para a neutralidade carbónica, incluindo a Índia”, disse. “Penso que o mais importante que eles [a Índia] disseram foi que querem descarbonizar grande parte do seu sistema energético até 2030. É um enorme compromisso.”

A cimeira de líderes terminou esta terça-feira e uma grande parte dos chefes de Estado e de Governo vão abandonar Glasgow, ficando a cimeira a cargo dos negociadores nacionais (que vão tentar chegar a um documento final de compromissos até ao fim da próxima semana) e dos especialistas (com os próximos dias a serem dedicados a temas específicos, como as finanças, a energia, a juventude, a natureza, a adaptação, as questões de género e as cidades).

Para trás ficam dois dias de discursos e compromissos assumidos, mais notavelmente dois acordos globais que poderão ter um impacto fundamental no combate às alterações climáticas.

Um acordo com Bolsonaro e Xi Jinping para travar a desflorestação

O primeiro é a Declaração de Glasgow sobre a Floresta e o Uso da Terra. Inicialmente noticiado na noite de segunda-feira, soube-se agora que o acordo tem como premissa central acabar com a desflorestação a nível global até 2030 e, a partir daí, reverter os efeitos do processo — sobretudo em lugares fundamentais do planeta, como a floresta da Amazónia. Entre os signatários do acordo encontram-se Jair Bolsonaro e Xi Jinping, os presidentes do Brasil e da China, que não estiveram presentes em Glasgow, tal como o Presidente russo, Vladimir Putin, que também falhou a cimeira.

Aliás, Joe Biden não pouparia nas palavras na terça-feira à noite, quando fez uma conferência de imprensa de balanço da cimeira. “A China está a tentar afirmar um novo papel do mundo e Xi Jinping não aparece? Como é possível? A coisa mais importante a ter atenção no mundo é o clima, da Islândia à Austrália é uma questão gigantesca e eles nem sequer aparecem? Como é que se faz isso e se quer ter um papel de liderança? O mesmo para Putin. A Rússia tem problemas climáticos enormes e [Putin] não está a fazer nada”, afirmou Biden.

Segundo explicou o The Wall Street Journal, a declaração relativa à floresta pressupõe um investimento de cerca de 20 mil milhões de dólares oriundos de cofres públicos e financiamento privado e é assinada por um grupo de países que, em conjunto, representam cerca de 85% da área florestal mundial. A assinatura deste acordo por Jair Bolsonaro é uma das principais notícias, uma vez que o Presidente brasileiro tem sido acusado de não fazer o suficiente para defender a Amazónia dos interesses económicos associados à exploração de madeira.

Primeira fase da COP26 chega ao fim. Anfitrião Boris Johnson está “cautelosamente otimista” com compromissos já assumidos

Proteger as nossas florestas não é apenas o caminho certo para combater as alterações climáticas, mas o caminho certo para um futuro próspero para todos nós“, disse Boris Johnson, o primeiro-ministro britânico e anfitrião da COP26, durante a sessão em que o acordo foi apresentado.

Embora represente uma ação simbólica de grande significado (sobretudo por juntar países como o Brasil e a China ao conjunto de nações empenhadas no combate às alterações climáticas), o acordo não é legalmente vinculativo e não inclui detalhes concretos sobre como os objetivos vão ser cumpridos.

“Preservar as florestas e outros ecossistemas pode e deve ter um papel importante”, disse o Presidente dos EUA, Joe Biden, na mesma sessão, mostrando-se “confiante” de que os países conseguirão fazê-lo. “Tudo aquilo de que precisamos é reunir a vontade de fazer o que sabemos que é certo e necessário.”

Aos dinheiros públicos deverá juntar-se um considerável financiamento privado de cerca de 7,2 mil milhões de dólares — incluindo 2 mil milhões do Bezos Earth Fund, o fundo ambiental criado pelo fundador da Amazon, Jeff Bezos.

Na sessão, Jeff Bezos interveio para lamentar que a natureza esteja a deixar de cumprir a função de “captura de carbono” para se converter em “fonte de carbono“.

“Quando as pessoas anseiam pelos bons velhos tempos e classificam o passado como glamoroso, estão erradas. Em praticamente todos os indicadores, a vida é melhor. Mas há uma exceção notável: o mundo natural não está hoje melhor do que há 500 anos, quando desfutávamos de florestas intocadas, rios limpos e o ar puro do mundo pré-industrial“, disse Bezos.

Compromisso para cortar emissões de metano em 30% até 2030

Em segundo lugar, mais de 80 países, incluindo Portugal, comprometeram-se a cortar as emissões de metano em 30% até 2030 (relativamente aos níveis de 2020). O anúncio foi feito pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante uma intervenção esta tarde em Glasgow ao lado do Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

Não podemos esperar até 2050, temos de cortar as emissões rapidamente”, disse Von der Leyen, classificando o corte das emissões de metano como “uma das coisas mais eficazes que podemos fazer” para limitar o aquecimento global a 1,5ºC até ao final do século.

O metano é o segundo gás com efeito de estufa mais comum na atmosfera terrestre. Depois do dióxido de carbono (que representa 74,4% das emissões de gases com efeito de estufa), o metano é responsável por 17,3% das emissões a nível global. Porém, o metano tem uma capacidade para aquecer o planeta cerca de 80 vezes superior à do dióxido de carbono — o que o torna numa das maiores ameaças à sustentabilidade do planeta.

Na sessão em que o compromisso foi apresentado, Joe Biden afirmou que o metano é responsável por cerca de metade do aquecimento do planeta que se vive atualmente. “Isto não é apenas algo que temos de fazer para proteger o ambiente para o futuro, é uma oportunidade enorme”, disse Biden, salientando que espera que o compromisso em torno do metano possa dar um contributo de curto prazo para o decréscimo do aquecimento global.

Segundo dados do IPCC citados pela BBC, estima-se que o metano tenha sido responsável por um aquecimento de cerca de 0,5ºC desde o final do século XIX até aos dias de hoje — através do dióxido de carbono, que terá sido responsável por um aumento de 0,8ºC na temperatura.

De acordo com Joe Biden, entre as ações que os EUA vão adotar para reduzir as emissões de metano encontram-se a reparação de oleodutos e outras infraestruturas (para reduzir consideravelmente as emissões com origem em fugas no transporte, uma das principais fontes de emissão de metano) e o trabalho com o setor agrícola, outra das principais fontes de emissões de metano (designadamente o gado bovino).

A comunidade científica tem alertado repetidamente para o facto de o corte das emissões de metano poder ser alcançado praticamente sem custos financeiros (às vezes até com potencial lucro) e poderá ter um impacto de muito curto prazo na redução das emissões.

Um acordo desta magnitude poderá contribuir para reduzir o aquecimento global em 0,3ºC até 2040. Porém, o alcance deste acordo é limitado, uma vez que países como a Rússia, a China e a Índia não aderiram.

Mas o Canadá, um dos grandes produtores de petróleo e gás natural do mundo, já se comprometeu com este acordo e foi até mais longe do que o objetivo geral, almejando uma redução de 75% das emissões de metano até 2030.

Na sequência dos compromissos assumidos nos primeiros dois dias da COP26, Boris Johnson mostrou-se otimista, mas alertou para a necessidade de ter “cuidado com as falsas esperanças”, uma vez que “há ainda um longo caminho a percorrer”.

“Os líderes mundiais podem ir embora, mas os olhos do mundo estão nos nossos negociadores”, disse Johnson aos jornalistas no fim da tarde desta terça-feira, antes de regressar a Londres. O governante britânico sublinhou também a necessidade de ajudar os países mais pobres a levar a cabo a transição energética. “Temos as ferramentas para o fazer e temos, pelo menos em teoria, as finanças para o fazer”, disse, antes de argumentar que a transição energética é também um imperativo económico.“Se não repararmos o nosso clima, vai ser uma catástrofe económica.”

Também Joe Biden, no balanço que fez, considerou que a COP26 “é uma oportunidade gigantesca para carregar no botão de reiniciar e avançar numa direção que a grande maioria dos países acredita ser a certa“.

A COP26 continua na quarta-feira com vários eventos no recinto da cimeira, enquanto decorrem as negociações entre governos. Portugal, que não esteve representado pelo primeiro-ministro na primeira fase (Costa cancelou a presença devido à crise política), será representado em Glasgow por uma delegação liderada pelo ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, a partir do próximo dia 8 de novembro.

Paralelamente ao programa oficial da COP26, centenas de ativistas pelo clima têm-se manifestado nas ruas de Glasgow exigindo ações mais decisivas dos responsáveis políticos. A jovem sueca Greta Thunberg tem protagonizado vários desses eventos paralelos, atraindo centenas de outros jovens. Esta terça-feira, a Greenpeace navegou um dos seus navios de protesto pelo rio Clyde, atracando-o perto do recinto da COP26.