A Bitcoin, criada por Satoshi Nakamoto e lançada em 2009, tinha um objetivo ambicioso: transformar o sistema monetário. Para Nakamoto, inflação maciça e persistente, falta de privacidade e segurança, além de altos custos de transação eram sinais de um sistema monetário ineficiente. A Bitcoin, estava destinada a resolver esses problemas tornar-se a primeira moeda digital privada, independente de bancos centrais. El Salvador foi o primeiro país a adotar a Bitcoin como moeda.
Passaram-se 14 anos desde então. Importa então perguntar: conseguiu a Bitcoin alcançar esse objetivo? Mais importante ainda, pode algum dia alcançar esse objetivo e se tornar-se moeda?
Neste artigo não darei uma resposta objetiva, dada a complexidade do tema e a natural imprevisibilidade do futuro. Irei , contudo, fornecer pontos a favor e contra, deixando o leitor tirar a sua conclusão.
Um primeiro ponto a considerar são as pessoas mais idosas, que tendem a ter mais dificuldade e resistência em utilizar uma nova tecnologia. Contudo, ninguém defende que todos os pagamentos devem ser feitos de forma eletrónica. Deverá existir a opção de pagar os bens e serviços com dinheiro físico ou eletrónico.
Já existem moedas soberanas em que a população se refugia em tempos de crise ou incerteza, como em períodos elevada inflação ou altas taxas de juro, como é o caso do Dólar. Em tempos de crise as pessoas tendem a refugiarem-se no dólar. No entanto, em países em desenvolvimento, é quase impossível comprar Dólares físicos, sendo que muitas vezes as pessoas compram os mesmos inflacionados ou até falsos. Para comprar Bitcoin basta ter acesso à Internet (que pode ser um desafio nestes países). Caso as moedas fiat fiquem mais fortes, seja porque a sua impressão é reduzida ou por políticas económicas e fiscais mais controladas, as pessoas não terão porque se refugiarem numa moeda alternativa, tal como a Bitcoin. Contudo, a história mostra-nos que não é isso que acontece. Caso a moeda soberana ganhe muito valor, as pessoas tendem a gastar menos e isso afeta negativamente a economia.
A Bitcoin só poderá funcionar em países onde exista estabilidade de rede energética e acesso a Internet, o que torna a mesma inviável para ser moeda no dia-a-dia em vários países do mundo, onde uma grande percentagem da população não tem acesso a eletricidade. Os custos da rede, o número de transações e velocidade das transações também é um problema grande, principalmente em países mais pobres.
A rede Bitcoin apenas consegue validar 7 a 10 transações por segundo, e os fees de transação por vezes são mais altos do que a própria transação, o que torna o uso desta tecnologia inviável nos dias de hoje, onde cada segundo conta. Já existe soluções para resolver este problema, como a Lightning Network. Contudo, ela só faz sentido para transações recorrentes entre duas pessoas e não para transações esporádicas. A questão que fica é: Porque usar Bitcoin se já existe o Mbway, Apple Pay, Google Pay, Master Card e Visa e com muito maior regulamentação?
Um dos maiores ataques que a Bitcoin sofre é que ela é má para o ambiente. É dito que a rede da Bitcoin polui mais do que alguns países, o que não é dito, é que polui menos do que o sistema financeiro atual. Há empresas que utilizamos todos os dias que utilizam mais energia do que a rede Bitcoin. No período de Natal, as luzes de Natal, só nos Estados Unidos da América, gastam mais energia do que a rede Bitcoin e não vemos ninguém a dizer que temos de desligar as luzes. A energia é para ser gasta. O gasto energético é uma das coisas que dá valor à rede. A ideologia afeta as decisões políticas. Na Alemanha, as pressões dos ambientalistas, levaram a que fossem fechadas centrais nucleares, uma fonte de energia limpa, potente e segura. Os ambientalistas preferiram reabrir centrais a carvão, do que manter e/ou abrir novas centrais nucleares, apesar da ciência demonstrar que a Energia Nuclear tem de fazer parte da solução, para uma transição energética de sucesso. Os mineradores têm migrado para locais onde a energia é mais barata e onde são utilizadas energias limpas. Estima-se que atualmente 52,6% da energia usada provenha de energia limpa. Com a entrada dos tubarões em cena, via ETF Spot ou investindo na mineração, o uso de energia limpas será aumentado.
Como acontece com todos os ativos e bens, a concentração dos mesmos tende a ficar nas mãos de alguns. A BlackRock e outras empresas já entraram neste espaço via ETF Spot de Bitcoin e pela compra de ações de empresas mineradoras neste espaço. Atualmente, a BlackRock é a principal acionista de 4 das 5 maiores mineradores cotadas em bolsa. Começou uma corrida às armas, onde estas empresas terão vez mais poder para influenciar as decisões da rede. Contudo, isto tem um problema: caso alterem a rede, modificando o tamanho dos blocos, aumentando o número de bitcoin que pode ser minerada, passar de POW para POS, a rede perde o seu valor. Um dos pilares da Bitcoin é que ela é não pode ser corrompível e é extremamente difícil fazer alterações ao seu código.
Um dos principais obstáculos serão os Governos e os Bancos Centrais. Se eles acharem que a Bitcoin é uma ameaça ao sistema financeiro atual, farão tudo o que estiver ao seu alcance para destruir ou dissuadir a população de a utilizar. Se proibirem o uso de Bitcoin e a sua compra ela poderá estar condenada. Na Nigéria o seu uso foi proibido e quiseram obrigar a população a adotar a CBDC nigeriana, o eNaira, o que resultou em protestos no país e as pessoas ignoraram o governo e continuaram a utilizar a Bitcoin e outras criptomoedas para fazer transações diárias. Tal como em vários países o uso de outra moeda fiat é crime, mas a população viola a lei, porque os benefícios são maiores que os riscos.
Um dos maiores obstáculos para a adoção da Bitcoin como moeda é a volatilidade do seu preço. Atualmente, o seu preço é bastante volátil. Este problema poderá ser ultrapassado no futuro com uma maior adoção e liquidez da mesma, tal como acontece com o ouro. De realçar que, este argumento é mais válido para países do ocidente, onde a moeda é forte, como o Dólar, Euro ou Libra. Em países em desenvolvimento este argumento cai por terra. A Bitcoin é volátil, mas não tão volátil como as moedas fiat da Venezuela, Argentina ou Zimbabué.
Os pagamentos eletrónicos são uma realidade cada vez mais presente nos tempos atuais e a tendência é que aumentem ainda mais, principalmente em países desenvolvidos. A Bitcoin é uma moeda 100% digital, que permite realizar transações a nível nacional e internacional, sem a necessidade de um intermediário. A sua utilização parece ser mais interessante para transferência de elevado montante e internacionais, pois a rede funciona 24h por dia, 7 dias por semana. No entanto, demora essencialmente 10 minutos para a transação ser validada, o que digamos é bastante inconveniente num mundo onde cada segundo conta. Os fees de transação da rede têm aumentado, devido à maior adoção da rede, o que torna inviável utilizar a rede para pagar um produto de por exemplo, dois euros. Com uma população mais envelhecida, que muitas vezes não confia nos bancos, dificilmente confiará num conceito tão complexo como a Bitcoin. Os Bancos Centrais nunca abdicaram do seu controlo sobre a moeda e não creio que seja agora que o façam. A centralização da rede também oferece desafios para adoção, contudo, no passado a Bitcoin já sobreviveu a este teste. Caso a rede fica centralizada, perde o seu valor, logo não há interesse em ter controlo sobre a mesma. A instabilidade do valor da moeda cria um enorme desafio para a sua adoção, em minutos, o património de alguém pode cair 10-20%, o que cria insegurança na população, empresas e governos. A questão ambiental é um não tema. Em El Salvador, parece que a experiência não está a ter grande sucesso, pois as pessoas continuam a preferir usar dinheiro físico (https://www.science.org/doi/10.1126/science.add2844). A Bitcoin pode ser usada como moeda? Pode. Tal como o Ouro pode (quem conhecer a história do dinheiro, sabe que já usamos diferentes tipos de materiais como dinheiro). É uma boa moeda para utilizar no dia-a-dia? Provavelmente, não. Só o futuro dirá se estou certo ou não.