É sempre um “mixed feeling” ter de partir e dizer adeus a amigos, a quem povoou a minha infância e que pela idade não sei se voltarei a ver. Dizer adeus também a uma vida mais fácil, amena e plena na minha Lisboa.
É forte esse sentimento de que a vida poderia ser mais fácil e plena em Portugal: pela amizade, pela maior inclusão social, pelo amor e conforto que uma cidade-natal e uma língua-mãe propiciam, pela luz, cor, calor, paisagem, e proximidade marítima.
Sei exactamente todas e cada uma das razões, como se isso revestisse o meu sentimento de uma lógica indesmentível, in desmontável e irrefutável (e porque a última coisa que desejaria era ser uma insensata que suspira por um jardim inalcançável, subestimando aquele que lhe foi destinado).
Tenho muita consciência de que os que os que saíram do seu país são presas fáceis da ilusão: tombaram na encruzilhada da emigração, na bifurcação dos caminhos, na divisão por duas ou mais culturas, dois ou mais países: por qual seguir, por qual continuar? Aguarda-os a inevitável admissão de que a liberdade de escolha se afunila e estreita, e de que para a maioria resta apenas uma vereda da qual não podem arrepiar e que não conduzirá a segundas escolhas.
Talvez seja inevitável, quando já dobrámos a metade da vida, a sombra permanente de um plano onde a vida poderia ter jorrado com mais plenitude e intensidade.
Essa tendência humana para julgarmos possível um universo paralelo onde habitaríamos mais próximos do sonho, mais realizados, menos constrangidos e com menos sofrimento é do domínio onírico e nunca do domínio da realidade.
Na verdade, a plenitude apenas episódica e não duradouramente se experimenta.
Um dia, li num livro de Naipaul intitulado “Half a Life” um percurso de vida no exílio sentido como metade de uma existência. Seria pura ingratidão, sequer comparar-me.
Se vivesse em Lisboa, sentiria por certo falta de outras coisas que levam os que lá vivem a andar descontentes. A precisar de viajar e de oxigenar. É esta a condição humana, há sempre algo que falta, algo que dói, como dizia o Chico, “em cada canto uma dor”.
Aqui adapto-me e sobrevivo, tenho compensações e afectos que muitos que emigram sozinhos pura e simplesmente não têm.
No avião, uma mãe vinha com um filho à minha frente e o barulho e choro insistente da criança incomodou-me metade da viagem.
Às tantas tentei comunicar com a criança e reparei que ela era incapaz de me fixar, tinha um olhar sempre perdido e divagante, e a única coisa que procurava era abraçar-se e cheirar os cabelos da mãe para se acalmar porque o voo lhe provocava ansiedade e medo.
A descoberta de que aquela criança era autista desvaneceu de imediato toda a irritação que sentia. Deixei de ouvir o seu choro na segunda metade da viagem. Fiquei cheia de pena daquela mãe e percebi que o que estou para aqui a escrever são penas bem mais pequenas do que as que ela tem.