A Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) tem divulgado a conta-gotas os resultados das avaliações dos projetos de investigação que se candidataram a financiamento no concurso de 2017. Escrevo em particular sobre a avaliação na área científica de Economia e Gestão, onde trabalho. Têm sido muitas as queixas da comunidade científica sobre a qualidade do processo de avaliação dos projetos. Uma das perplexidades mais frequente é a aparente discrepância na aplicação dos critérios de avaliação entre projetos, mesmo dentro da mesma área científica. Tal parece indiciar falta de coordenação na avaliação dos projetos, que podem provir de subáreas diversas (dentro da área de Economia e Gestão, podemos ter projetos de Marketing, Estratégia, Operações, Microeconomia, Macroeconomia, etc.).

A avaliação é efetuada por um painel de investigadores, liderada por um coordenador. Segundo as normas da FCT, os avaliadores devem ser “peritos independentes, predominantemente afiliados a instituições estrangeiras, experientes e de reconhecidomérito e idoneidade”. O coordenador tem um papel crucial na avaliação. É ele a quem compete (entre outras responsabilidades) distribuir os projetos pelos restantes avaliadores de acordo com as suas áreas de especialidade, o controlo da qualidade das avaliações, assegurar a consistência entre as apreciações dos diversos avaliadores e garantir a equidade de avaliação entre os diversos projetos que competem entre si. Assim, entre outras competências, o coordenador deve ter uma visão global da área em avaliação, estar familiarizado com os seus principais paradigmas e metodologias, conhecer a qualidade das revistas e ter sensibilidade aos temas que estão na fronteira do conhecimento.

Os nomes do coordenador e da restante equipa são públicos e encontram-se disponíveis no site da FCT. Fui assim consultar o curriculum vitae do coordenador do painel de Economia e Gestão, disponível no site da universidade onde trabalha. Não indico aqui o seu nome, pois não está aqui em causa a pessoa particular, mas a adequação do seu perfil à tarefa.

A primeira surpresa foi constatar que o coordenador, embora tendo realizado os seus estudos em Economia, trabalha desde 1978 na Technical University of Denmark (DTU), sendo atualmente professor associado aposentado. Segundo o site da DTU, esta instituição dedica-se às áreas de Engenharia e Ciências Naturais. Portanto, a FCT selecionou para avaliar projetos na área das Ciências Sociais um docente que realizou quase toda a sua carreira numa instituição que teria como equivalente em Portugal uma Faculdade de Engenharia ou de Ciências.

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A segunda surpresa ultrapassou em muito a primeira. Na sua atividade de mais de 40 anos, o coordenador conta com o total global de 0 (ZERO) artigos publicados em revistas científicas indexadas na área de Economia e Gestão. O coordenador apresenta no entanto dois artigos publicados numa única revista, com baixo fator de impacto. Trata-se da revista Acta Agriculturae Scandinavica, que se dedica ao estudo da agricultura
escandinava, totalmente desconhecida e irrelevante para a área em avaliação. Embora existam áreas nas Ciências Sociais onde a publicação de artigos em revistas possa não ser um bom indicador de mérito científico, tal não é caso da Economia e Gestão, onde estas métricas são amplamente aceites. Um projeto liderado por um investigador de igual perfil seria com toda a certeza rejeitado (e bem), por falta de mérito científico do proponente.

Não haveria outros investigadores na comunidade internacional à distância de um click com perfil mais adequado? Não deveria a FCT ter requisitos mínimos para a produção científica dos coordenadores de painel? Não deveria haver mecanismos de controlo interno que impedissem que decisões inexplicáveis como esta fossem tomadas?

Sendo a resposta a estas três perguntas SIM, poderá questionar-se se o sistema de avaliação de projetos da FCT terá sido uma fantasia, pelo menos para a área em análise. Infelizmente, poderá ter sido uma fantasia muito dispendiosa para o erário público e com baixo valor acrescentado, pois o feedback recebido pelos investigadores é exíguo e de má qualidade científica. Bem vindos ao mundo de fantasia da avaliação da investigação em Portugal. Bem vindos à Disneylândia.

Professor catedrático da Católica Porto Business School, PhD London Business School