Que impacto têm os alimentos ultraprocessados para a alimentação da população portuguesa?

Uma recente revisão publicada no British Medical Journal relaciona o maior consumo de alimentos ultraprocessados com o risco de diversos resultados adversos à saúde. O consumo de batatas fritas, refrigerantes ou pizas congeladas, para dar apenas três exemplos, são responsáveis pelo agravamento de mais de 30 doenças.

Como chegámos até aqui? Inicialmente, o processamento alimentar terá começado com a descoberta do fogo e cocção dos alimentos. Os subsequentes progressos no processamento alimentar ao longo da história foram evolutivamente benéficos, permitindo aumentar a disponibilidade de alimentos para consumo, a sua palatibilidade e também a sua segurança e tempo de vida útil. À falta de disponibilidade de alimentos, o ser humano respondeu habilmente com o seu processamento.

Contudo, a evolução, particularmente a que se verificou ao longo do século XX, alterou a extensão e também o propósito do processamento, culminando na grande disponibilidade atual de alimentos ultraprocessados.

Apesar de existirem lacunas nos atuais sistemas de classificação de alimentos relativamente ao seu grau de processamento, e, como tal, salvaguardando-se diferenças em casos particulares, os produtos ultraprocessados são, na generalidade, alimentos prontos a consumir com um perfil nutricional desajustado. São produtos com elevada densidade energética (quantidade elevada de calorias face ao baixo conteúdo em micronutrientes) e elevado conteúdo em açúcares, gordura e/ou sódio e em aditivos químicos. Nos alimentos ultraprocessados incluem-se produtos como bolachas, snacks, pães embalados e carnes processadas cujo consumo tem aumentado em Portugal, representando uma porção considerável da ingestão energética diária dos adultos portugueses, crianças e adolescentes (na ordem dos 20%).

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A investigação científica tem relacionado, de forma relativamente consistente, o consumo de alimentos ultraprocessados com a ocorrência/agravamento de doenças crónicas como a obesidade, a doença cardiovascular, distúrbios gastrointestinais ou doença imunoalérgica.

É, portanto, urgente encetar ações que promovam a diminuição/ponderação do consumo destes alimentos. Todavia, é necessário reforçar que o consumo alimentar é influenciado por diversas variáveis, como fatores sociais e económicos, que têm de ser necessariamente tidas em conta quando enfrentamos um problema de saúde pública.

O ultraprocessamento tende a incorporar nos alimentos aditivos como conservantes e aromatizantes de baixo custo (como os já mencionados açúcar, gordura e sal) produzindo alimentos mais económicos, com grande palatibilidade (muito apetecíveis), de elevada conveniência, durabilidade e praticidade. A estas características acresce ainda o peso do marketing alimentar, particularmente para as camadas mais jovens.

Criam-se assim condições para que passemos de situações de falta de segurança alimentar maioritariamente por escassez de alimentos para situações em que esta insegurança está, cada vez mais, relacionada com a má qualidade nutricional. Este último contexto associa-se a efeitos deletérios para a saúde, marcados pela obesidade e comorbilidades várias e consequente incapacidade laboral e absentismo. No fundo, um ciclo vicioso fundamentalmente imputável aos chamados determinantes sociais da saúde.

Assim, e ainda que seja necessária uma mudança no processamento alimentar e desenvolvimento de produto (e não um utópico e contraproducente retrocesso), urgem medidas que atuem no gradiente socioeconómico da obesidade e no aumento da literacia nutricional e alimentar da população. Não é suficiente dizer às pessoas para não consumir determinado produto porque faz mal, se é o que elas podem comprar, se lhes vai durar mais tempo, se é o que agregado familiar vai gostar – nomeadamente porque falta educação alimentar às crianças – e se até compram ao engano porque não sabem como ler rótulos. Só reconhecendo e intervindo em todas estas áreas é que conseguimos reduzir o consumo dos processados.

A alimentação será sempre muito mais do que nutrição.