Regresso a Londres depois de uns dias de trabalho em Lisboa e vou aqui dizer algo polémico e de risco, o que sempre evito.

Os problemas de Portugal não se resolvem pelo ódio ao imigrante. As soluções dos problemas que Portugal enfrenta, tanto quanto o RU onde já vivo há perto de 20 anos, não se resolvem dessa forma simplista que é responsabilizar os estrangeiros pelos males que se abatem sobre o país.

Acham mesmo que as greves, as falhas do sistema nacional de saúde, os serviços de emergência encerrados nos hospitais, os preços especulativos do imobiliário, a gentrificação, os salários que não acompanham o custo de vida, são um exclusivo de Portugal? Haviam de vir morar uns tempos para Inglaterra.

Tentaram essa mezinha no Reino Unido, convenceram a população inglesa de que se votasse no Brexit se livraria de muitos problemas (que por ex. o sistema nacional de saúde ficaria a nadar em dinheiro) e como sabem nada disso aconteceu, os problemas do RU apenas se agravaram, e agora uma grande maioria da população inglesa gostaria de fazer marcha à ré e integrar ainda a UE.

Em conversas de café, disseram-me que se passasse por Arroios, veria aquilo inundado de tendas e de sem-abrigos, não sei, não passei por lá, mas passei por muitos outros bairros, até porque adoro passar horas a cirandar pela cidade, e os pedintes que vi em Lisboa não me pareceram estrangeiros.

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Por outro lado, há uma fatia de ucranianos, brasileiros e nepaleses que prestam serviços de que os portugueses bem necessitam e que andam a ser desvalorizados e percepcionados como estando em competição e a roubar emprego aos portugueses.

Recordo que a campanha do Brexit caricaturava assim os europeus e hoje em dia os britânicos debatem-se com uma aflitiva carência de mão de obra em várias áreas.

Por último, eu não vejo que a imigração esteja a atentar, a “descaracterizar” e a sobrepor-se à cultura portuguesa (outro dos argumentos do Brexit). Esse medo da transformação é humano mas a transformação é inevitável e nem sempre má.

Em contrapartida noto que os brasileiros e os nepaleses trouxeram um bom apport à cultura portuguesa, que os brasileiros e os nepaleses que me atendem têm uma simpatia e uma vontade de ajudar que fica aquém de alguns portugueses, porque quem é imigrante não se pode dar ao luxo de ser carrancudo e em geral acalenta gratidão, optimismo e esperança, e quanto aos ucranianos já sabemos da última vez que passaram por Portugal que até a nossa língua aprenderam e não nos fizeram mal algum, resumindo: não tive nunca más experiências com esse caudal de gente que busca Portugal para melhorar de vida e por isso não entendo as pessoas que julgam com o preconceito antes mesmo de acumularem experiências para tirarem conclusões.

Nos arredores de Viseu onde passei o fim do ano disseram-me que 20 por cento da população já é brasileira e está a arranjar emprego na indústria aviária que ali é forte.

Deste modo, já começaram e vão continuar a povoar o interior desertificado da Beira e a contribuir para a Segurança Social, a qual com 1/3 dos jovens a abandonar Portugal (que oxalá sejam bem acolhidos no estrangeiro) estava e ainda está em risco de colapsar.

Dizer isto não significa que eu considere que Portugal está a viver tempos fáceis, o que defendo é que nesse contexto se torna ainda mais importante identificarem-se bem os cavalos de batalha.

Direcionar as frustrações e o nosso mal-estar para os estrangeiros e os imigrantes é um diagnóstico errado, dali não vem solução, e é uma mentira vil dos políticos que sabem que os imigrantes trazem benefícios ao país e que sem eles o país estaria era ainda pior.

Para o bem-estar dos portugueses, para a sua felicidade, há que lutar, há que pressionar a classe política para o que são males reais e não fantasmagóricos: a especulação imobiliária, a gentrificação,  a sobrevivência do pequeno comércio local, a exploração salarial, a sangria dos jovens forçados a debandar do país em que nasceram e a construir um futuro de famílias em cada canto do planeta e de velhices condenadas a uma maior solidão.

E quem me dera a mim que o meu país melhorasse. Porque lhe encontro enormes qualidades. Como sabem todos os portugueses que um dia emigraram.

E por favor não esqueçam, não está fácil ser português, mas ser imigrante ou estrangeiro muita vezes também não o é.