Há dias, a RTP transmitiu uma entrevista feita ao General Ramalho Eanes, onde, em poucas palavras, sintetizou uma clareza de raciocínio que, por certo, muitos acompanharão.

Nas palavras do antigo Presidente da República – e em resposta à pergunta que lhe foi colocada relativamente ao facto de as comemorações do 25 de Abril não incluírem, oficialmente e ainda, cerimónias civis ou militares – “Como sabe há várias definições de democracia, mas a democracia prometida pelo 25 de Abril [é] constitucional, pluralista, de Estado de Direito e eleições livres. Foi isso que se tentou, e se fez no 25 de Abril. Depois como realmente havia determinados grupos que tomaram posições diferentes – que eu percebo – e acabaram por recorrer à ação armada para impor as suas ideologias, a resposta tinha de ser aquela!”

Continuando, acrescenta com propriedade Ramalho Eanes “[…] O que eu posso dizer é que não percebo que estigmatizem e esqueçam o 25 de Novembro, porque o 25 de Novembro é a continuação do 25 de Abril, é a reafirmação de que as promessas feitas pelos militares à população portuguesa se mantêm, com toda a força, seja como for, quaisquer que sejam os obstáculos.”

Por fim, remata que “há determinados preconceitos, e que há determinadas fixações ideológicas não ultrapassadas. Creio que é altura de reconhecermos que houve um período muito complicado, entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro, e houve momentos que tentaram -legitimamente – impor as suas ideologias, mas que obviamente o MFA não permitiu, porque isso ia, de alguma maneira, contrariar, não responder, não respeitar a promessa de Abril, e portanto teve de fazer o 25 de Novembro.

Vem isto a propósito do anúncio efetuado, no passado Domingo, da criação de uma comissão para as comemorações dos 50 anos do 25 de Novembro.

Como de costume, e sempre que este binómio – 25 de Abril/25 de Novembro – é trazido à colação, rios de tinta jorram, e, não raras vezes, sempre com o pêndulo a cair mais vezes para o lado da primeira data, e muito menos para o lado da segunda.

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Todavia, e numa altura em que se fala tanto do que se fez há 50 anos, quem o fez, e como se fez, se há momento em que este debate deve ser trazido é agora.

E é agora porque a liberdade, ontem como hoje, teve, tem, e terá sempre um preço.

E o preço da liberdade é a democracia.

E o preço da democracia é o pluralismo. É o diálogo, são e vivo.

O preço da democracia é a capacidade de (con)viver, com o Outro, ao invés de nos reduzirmos a um qualquer instinto animalesco de destruição colectiva.

É, por isso e no mínimo, estranho que há 50 anos tenhamos sabido pegar em armas sem, no entanto, cair numa sangrenta e inconsequente revolução, e não queiramos hoje pegar numa conquista desse tempo – a voz livre – e exigir que o 25 de Novembro tenha o mesmo destaque, e solenidade, porque o merece.

É incompreensível que 49 anos depois, a esquerda – a pseudodemocrática –, na sua frequente arrogância de maestrina político-partidária creia que, embora paradoxalmente, seja dona e senhora de Abril, qual latifundiária política ou feudalista moral.

Porém o maior dividendo que Abril nos deu é que a data não tem – nem pode ter, porque seria renegar a sua natureza – donos ou senhores.

Cumprir Abril tem de deixar de ser uma primária muleta de discurso, para aqueles cuja retórica política se esgotou há muito, e, na inércia daqueles que vivem do espírito democrático, vão-se alimentado dessa mesma retórica.

Para se cumprir Abril, tem de se, não só mas acima de tudo, cumprir Novembro.

Só houve Novembro, porque houve Abril, mas só se pode cumprir Abril, se se cumprir Novembro.

Ademais, contemplando o panorama político nacional, o maior exercício de honestidade intelectual e defesa acérrima da Liberdade que Abril nos deu, implica, também e sobretudo, poder discutir todas as datas, aceitando-as ou rejeitando-as.

Estas datas – todas, todas, todas – devem ser discutidas, debatidas e celebradas, sem que, com isso, se resvale para o primário afã de catalogar o outro como extremista, só porque isso serve de fast food intelectual ao debate público.

Que se cumpra Abril, todo, por inteiro.

E, por isso, que se cumpra também Novembro, em tudo, e com todos.

Para que, caso a nossa ambição colectiva assim o possibilite, se, possa, por fim, cumprir Portugal.