É comum ouvir dirigentes de partidos de esquerda atribuírem à própria esquerda o exclusivo da defesa da justiça social e das classes mais desfavorecidas, e a luta contra a austeridade. Mas na realidade fazem o contrário do que proclamam, reduzindo as causas que dizem defender a pouco mais do que conversa fiada para enganar os eleitores. Vejamos alguns exemplos.

Na recente discussão sobre o Orçamento de Estado, o PS opôs-se à descida transversal do IRC (imposto sobre o lucro das empresas) dizendo que beneficiaria apenas as grandes empresas. O BE, Livre e PCP concordaram. Pudemos ouvir o líder parlamentar do BE dizer que não havia nada de positivo na descida do IRC, aliás já tínhamos ouvido a sua líder dizer que era preciso ir buscar o dinheiro onde ele estava, o que naturalmente justifica maximizar os impostos sobre as empresas. Ou seja, raciocinam sempre em relação ao momento presente, como o Estado se pode apoderar do máximo da riqueza que se produz ou produziu, ignorando completamente os efeitos futuros dessas políticas. Se a política do Estado for tirar às empresas tudo o que pode, e muitas pequenas e médias empresas pagam IRC, que razões é que pode haver para investir e criar novos empregos em Portugal? Punhamo-nos na pele de quem tem recursos e ideias para investir: porque investiria em Portugal e não noutros países com impostos mais baixos? É do mais elementar bom senso perceber que a riqueza que se produz depende da motivação para a produzir. E uma carga fiscal excessiva é um desincentivo ao investimento e à produção de riqueza. E que com pouca produção de riqueza, não há recursos para pagar salários de nível europeu ou o Estado financiar um Estado Social de qualidade como na maior parte da UE. Não é preciso ter um curso superior para perceber que com a economia estagnada e pouco produtiva que temos, com políticas públicas orientadas apenas para a distribuição de riqueza e sem preocupações em estimular a produção de riqueza e tratando as empresas quase como inimigos dos trabalhadores, os salários, as pensões e a qualidade dos serviços públicos têm de ser muito piores do que no resto da União Europeia. A esquerda defende o povo e o Estado Social nas proclamações ocas de conteúdo, mas não se preocupa com a aplicação concreta dessas políticas ao serviço das pessoas. Veja-se o caso do SNS, que a esquerda tanto invoca: foi criado, no papel, por um governo do PS em 1979, mas a infraestrutura do SNS que serve os portugueses, foi criada essencialmente nos 15 seguintes pelos governos de Cavaco Silva. E quem degradou a qualidade do SNS nos últimos anos? A geringonça.

Um dos argumentos da esquerda para se opor à descida transversal do IRC é dizer que favorece as grandes empresas. Embora o interesse em diferenciar entre empresas possa ser defensável, a diferenciação em função da dimensão também reflecte o desinteresse em fomentar a produção de riqueza. Então não queremos cá grandes empresas, cuja escala e dimensão permite optimizar processos produtivos e gerar riqueza que permite pagar salários mais elevados do que paga a maioria das pequenas e médias empresas? Veja-se a situação seguinte: uma média empresa que queira expandir-se e tornar-se grande. Devemos estimulá-la a sair de Portugal porque não queremos cá grandes empresas? Tome-se o exemplo a Auto-Europa, uma grande empresa que emprega milhares de trabalhadores portugueses e contribuiu imenso para o desenvolvimento do nosso cluster automóvel, que também emprega milhares de trabalhadores e fabrica componentes não só para a Auto-Europa mas também para exportação, no valor muitos milhares de milhões de euros por ano. Devemos crivar a Auto-Europa de impostos, estimulando a empresa a mudar a produção para outro país? É assim que se defendem os interesses dos trabalhadores portugueses?

Outra narrativa que a esquerda inventou é sobre as causas da austeridade do tempo da Troika. Segundo a esquerda, a austeridade foi obra da direita para fazer mal ao povo e aos trabalhadores. Mas qualquer político ambiciona legitimamente ganhar eleições. Será que algum político imporia austeridade por gosto, sabendo que pode incorrer em graves prejuízos eleitorais por causa disso? É uma visão superficial da questão, que não tem nada a ver com a realidade. A austeridade apenas foi imposta porque a alternativa era muito pior, era a bancarrota. É claro que o PCP e o BE, que não queriam que se pagasse a dívida, dizem que assim haveria mais dinheiro para aumentos de salários, mas omitem que seriam pagos em escudos desvalorizados por via de uma inflação galopante, o que resultaria numa enorme redução do poder de compra dos salários e das pensões, como na Venezuela. E o que pôs Portugal perante essas duas opções, uma má, a austeridade, e outra péssima, a bancarrota? Foi o aumento excessivo da dívida pública, que fez os nossos credores internacionais desconfiarem da nossa capacidade e empenho em honrar os nossos compromissos financeiros, e por isso aumentaram os juros da nossa dívida pública para compensar esse risco. E quem mais do que a esquerda defendeu o aumento do déficit e da dívida pública até 2011? Ou seja, foram os partidos de esquerda que fizeram o possível por agravar as causas da austeridade da década passada.

Outra questão estranhíssima na política portuguesa, é a incapacidade ou falta de vontade dos políticos e comentadores da área à direita do PS de explicar isto à população. Quando os políticos e comentadores de esquerda argumentam com estas narrativas inventadas, tentando culpabilizar os outros pelas consequências das políticas que eles defendem, muitas vezes os comentadores e políticos à direita do PS calam-se, deixando quem assiste aos debates ser enganado.

Concluindo: temos uma esquerda que quase só tem ideias para agravar o empobrecimento relativo do país na UE, e a área à direita do PS com grande incapacidade argumentativa e que por isso não desmonta as narrativas mentirosas da esquerda. Portugal tem estado a ser ultrapassado economicamente por diversos Estados Membros da UE, até agora mais pobres que nós. Se este ciclo vicioso de empobrecimento não se quebrar, para o que é necessário que a população entenda as suas causas, Portugal não inverterá a tendência para se tornar o país mais pobre da União Europeia.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR