Entre o muito que haveria a dizer sobre a atribuição do Nobel da Economia a Richard Thaler, vale a pena começar por frisar que os seus contributos no domínio da chamada economia comportamental são inequivocamente relevantes. Importa também salientar a crescente relevância da investigação em áreas de cruzamento entre a psicologia e a economia que Thaler ajudou a estimular e que se tem revelado bem mais produtiva do que a generalidade da árida investigação nos domínios tradicionais da ciência económica – mesmo que frequentemente o que é tido por inovador não seja mais do que a recuperação de contributos que já estavam presentes na economia política e no pensamento moral de Adam Smith ou de autores anteriores ao próprio Smith, como os da Escola de Salamanca.

O melhor comentário geral sobre a economia comportamental é provavelmente esta breve síntese de Philip Booth: “Behavioural economics – a critique of its policy conclusions”. Pela nossa parte, parece-nos contudo pertinente chamar a atenção para algumas das implicações assim como para os pressupostos subjacentes à aplicação de algumas das ideias centrais de Richard Thaler no domínio das políticas públicas e das concepções de gestão pública.

Para o efeito, recuperamos de seguida – ainda que de forma muito sintética e parcelar – algumas das ideias desenvolvidas no nosso texto “Concepções de Estado e Fundamentos da Prestação de Serviços Públicos” (in Handbook em Administração Pública, INA, 2012, pp. 295-313).

Thaler e Sunstein terminam o seu influente livro Nudge (ed. portuguesa Academia do Livro, 2009: p. 329) com a esperança de que as virtualidades da sua “terceira via” – que une, apesar das diferenças, “liberais” e conservadores – possa fortalecer o compromisso entre os princípios da liberdade e a necessidade de pequenos estímulos. Afinal, existe uma grande diferença entre uma total oposição a toda e qualquer “intervenção governamental” e a sensata alegação de que quando o governo intervém deve permitir a liberdade de escolha. Uma permissão que corre a par da obrigação dos responsáveis do sector público velarem pela orientação das pessoas para escolhas que lhes permitam melhorar as suas vidas. Ainda que salvaguardando que a última escolha deve ser individual e não do Estado. Não deixando, porém, de frisar que a complexidade da vida moderna e o ritmo surpreendente da mudança tecnológica minam os argumentos em defesa de regras rígidas ou de políticas dogmáticas de laissez-faire.

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Com esta matização os autores parecem querer demarcar-se de um “liberalismo extremo” que seria defendido pelos chamados “ultraliberais” – uma denominação cara a todos os construtivistas que a si mesmo nunca se denominam “ultracentristas”, nem “ultrassociais-democratas” ou mesmo “ultrasocialistas”. Um “construtivismo” que tende a aceitar como bom o que Salin (Liberalismo, Unión Editorial, 2008: p. 47) chama liberalismo instrumental ou utilitarista – por contraposição ao liberalismo filosófico ou humanista – segundo o qual as propostas liberais só se justificam na medida em que, além de “sociais”, garantam ”eficácia” no alcance de determinados e bem orientados objectivos, graças ao bom e legitimado uso democrático da coacção pública.

Uma abordagem instrumental que está bem presente na parte do livro dedicada à obrigação constitucional, onde Thaler e Sunstein (2009: p. 320) reconhecem a importância de uma certa neutralidade a que as pessoas teriam direito. Daí que, por exemplo, no que toca ao direito de voto, aceitem que o governo tem de evitar estímulos deliberados, uma vez que a arquitectura da escolha não deve favorecer nenhum candidato específico. Mas, ao mesmo tempo, defendem que, fora do contexto dos direitos constitucionais, a avaliação dos estímulos depende dos efeitos que surtem – e da capacidade de afectar ou ajudar as pessoas. O que os obriga a realçar a importância dos “estimuladores”: agentes externos dotados de capacidade para ajudar (ou empurrar gentilmente) os “estimulados” (indivíduos) no sentido da realização de melhores escolhas.

Acresce que, nesta lógica, a necessidade de bons estímulos se torna mais premente quando estamos perante decisões difíceis e complexas. Assim sendo, o potencial destes estímulos benéficos depende crucialmente da capacidade dos “estimuladores” que ocupam posições dotadas de poder sobre o resto da população para adivinharem o que é melhor para os “estimulados” (Thaler e Sunstein 2009: p. 321).

Uma posição que está, na sua essência, em consonância com a argumentação de Daniel Klein (“Against Overlordship”, Independent Review, 16 (2), 2011, pp. 167-168) no sentido de que, subjacente à social-democracia, está uma concepção do Estado que o coloca numa posição face à comunidade análoga à de um senhorio relativamente a um complexo de apartamentos ou à de um proprietário relativamente ao seu hotel. Trata-se, no fundo, de revelar a premissa escondida na agenda progressista: a noção implícita de que o Estado se encontra investido da autoridade de um senhorio público, com um inquestionável poder de domínio sobre a sociedade e sobre o modo de vida de todos e cada um dos cidadãos.

José Manuel Moreira é Director da Faculdade de Ciências Económicas, Sociais e da Empresa da Universidade Lusófona do Porto

André Azevedo Alves é Professor no Instituto de Estudos Políticos e Director do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa. Reader in Economics, Political Economy and Public Policy na St. Mary’s University, em Londres.