Quem não se lembra, sobretudo a rapaziada do meu tempo, das épocas em que as horas livres eram essencialmente ocupadas na realização de jogos tradicionais, cujas regras se vinham perpetuando na memória das gerações?!…

Nessa altura é que, verdadeiramente, se podiam confundir entre tradicionais e populares, porquanto a tradição se manifestava no sentir e viver do povo, no seu todo, tornando-se naturalmente populares.

Recordo-me perfeitamente de participar, aos domingos e dias festivos, ou ao fim da tarde de um dia de trabalho, ou  mesmo a meio do dia na hora do calor no verão, em diversos jogos tradicionais, desde o fito à relha, ao calhau (por baixo e por cima), à bilharda, à palmada, ao esconde-esconde, atividades que se desenvolviam, quase sempre, junto às margens da ribeira da minha terra, onde existiam frondosos olmos, agora desaparecidos. A macaca e as pedrinhas, entre outros, eram entretenimento primordial das meninas.

Havia uma interacção completa e até uma distribuição etária espontânea para cada um dos jogos, desde os miúdos aos graúdos, até aos seniores. Recordo, por exemplo, que havia três lugares para jogar o fito. Um para os adultos, outro para os jovens e ainda outro para os adolescentes e crianças. Todos eles tinham olmos como referências e a ponte românica a dividir para evitar possíveis acidentes.

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As pedras eram irrepreensivelmente polidas e adequadas à mão de cada jogador que as usava. Sendo que, por vezes, um dos objetivos do adversário era também partir a pedra do outro, para que este tivesse mais dificuldade em pontuar.

Mil e uma histórias e muitas peripécias aconteciam, as quais estimulavam a interação positiva, num salutar convívio com motivação e animação a condizer, proporcionando agradáveis momentos de lazer. Jogos para todos os gostos, que juntavam as populações locais e de outras aldeias circunvizinhas em espaços próprios, normalmente nos espaços com maior centralidade dos meios rurais.

Até ao adro da igreja era ponto de encontro, para jogar o esconde-esconde, a palmada, o pião, etc.

Porém, a desertificação das povoações por um lado e a evolução das novas tecnologias e dos meios de comunicação por outro, para além de aspetos culturais que as sociedades modernas foram adotando, contribuíram para a desmotivação em relação à prática e até à informação relacionada  com os jogos tradicionais. Os nossos meios rurais, para não falar dos urbanos, são exemplo disso mesmo. Mas também os responsáveis autárquicos e urbanísticos têm culpas no “cartório”. É só reparar no volume de obras de betão e pavimentação que foram evolutivamente efetuadas, retirando o verde e a vegetação, bem como os espaços onde os jogos tradicionais aconteciam na perfeição. Enquanto, antigamente, as pessoas se concentravam nos lugares centrais das aldeias e tinham onde praticar os jogos tradicionais, hoje em dia esses espaços já não existem da mesma forma e a possibilidade de manter a tradição foi diminuindo. Quem quiser jogar o fito ou a relha, por exemplo, terá de procurar uma área quase sempre menos concorrida e mais isolada. Ainda bem que não é o caso da minha aldeia.

Também por isso, é admissível que os nossos jovens e crianças não tenham as vivências possibilitadas outrora, pelo que me atrevo a afirmar que o tradicional, neste contexto lúdico desportivo, deixou, de algum modo, de ser popular.

E, embora seja louvável, não adianta tentar reviver uma vez por ano, os jogos tradicionais. Importante será criar espaços urbanos específicos para o efeito, onde crianças, jovens e adultos possam levar por diante a prática regular dos jogos do tempo dos avós e dos pais, promovendo a vontade e mantendo a identidade.