“Quantos de vós conseguiriam acertar o relógio pelas horas a que os vossos gatos fazem isto ou aquilo, todos os dias?”, perguntou este sábado Vicky Halls a uma plateia de quase 250 apaixonados por gatos de estimação. Essa obsessão com a rotina é uma das principais características dos gatos, explicou a enfermeira veterinária britânica, autora de seis livros sobre comportamento felino, que veio pela primeira vez a Portugal e deu uma palestra de quatro horas no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. E porque gostam os gatos de rotina? Porque pensam: “ontem fiz isto e aquilo e não morri, hoje vou fazer exatamente o mesmo”, afirma Vicky Halls, a Encantadora de Gatos que defende que temos de conhecer a natureza biológica dos gatos – de “caçadores solitários” – para apreciar as maravilhas que têm para nos oferecer, incluindo a sua companhia, com saúde e harmonia.

Conselheira de comportamento felino ligada à International Society Feline Medicine (ISFM), Vicky Halls tem mais de 20 anos de experiência com gatos, acompanhando (por vezes ao longo de vários anos) uma média anual a rondar os 200 gatos e respetivos donos. Trouxe pela primeira vez a Portugal, convidada pela clínica veterinária Hospital do Gato, em Lisboa, a experiência acumulada e várias histórias e conselhos para quem goza da “delícia que é ter estes animais de estimação, quando falamos de gatos felizes e donos informados”.

A sessão, como explica Vicky Halls, foi para benefício da audiência e, também, da oradora, que aproveita as viagens que faz pelo mundo para compreender melhor o que é ser gato noutros locais que não o Reino Unido, onde existe uma maior predominância de gatos que vivem na comunidade, entre os humanos, e menos casos de interior, confinados a casas ou apartamentos. Mas foi, sobretudo, espera Vicky Halls, uma palestra “para benefício dos gatos que vos esperam lá em casa e que estão a dizer: ‘espero que os meus donos aprendam alguma coisa porque, às vezes, sinto que o meu dono não me compreende'”.

IMG_1302

A britânica Vicky Halls trouxe pela primeira vez a Portugal a sua experiência de mais de 20 anos como conselheira de comportamento felino. Encheu, no Centro Cultural de Belém, um auditório de apaixonados por gatos. (Foto: Observador)

Apesar de os gatos terem comportamentos extremamente diversos e heterogéneos, como explicou na véspera Vicky Halls em entrevista ao Observador, todos estes animais têm em comum o mesmo felino como ascendente – quer falemos dos gatos domésticos comuns, de gatos vadios ou até dos gatos selvagens de África. “Quando falamos dos nossos gatos domésticos, por vezes esquecemo-nos desta origem biológica, que é importante para compreender o seu comportamento, por muito socializado ou domesticado que um gato seja”, sublinhou Vicky Halls, na sua palestra no Centro Cultural de Belém.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Qualquer dono de gatos domésticos tem de fazer o seu melhor para compreender como os gatos veem o mundo, em oposição a fazerem interpretações humanas do seu comportamento. “O gato é um animal caçador, armado com garras e dentes afiados, que ataca a sua presa para comer. Mas os gatos são, também, uma presa, pelo que a todo o momento estão atentos ao que os rodeia para se certificarem de que não são caçados”, explica a autora de Cat Detective. “Os gatos são paranoicos pessimistas”, e isso explica boa parte do seu comportamento, diz Vicky Halls.

Os gatos são, também, uma espécie muito territorial, o que tem grandes implicações para o comportamento dos gatos de interior. “O que está dentro daquelas quatro paredes é o seu mundo. É por isso que, muitas vezes, é um desafio introduzir novos gatos numa casa onde já existe um ou mais gatos”. Porque um gato é, biologicamente, “um sobrevivente solitário, pelo que quando se tem vários gatos, isso não significa necessariamente que eles irão formar um grupo”.

É que “perante um inimigo, um conjunto de gatos jamais irá organizar-se para se defender desse inimigo”. E uma das “armas” que os gatos têm para se defender a si mesmos é esconder o que sentem, incluindo quando estão doentes ou quando algo os está a perturbar. “É muito difícil, muito mais do que num cão, analisar pequenas alterações de comportamento para perceber que algo não está bem”, explica Vicky Halls.

A six-toed cat, one of many that reside at the museum home of author Ernest Hemingway, is seen sleeping on a bed February 18, 2013 in Key West, Florida. Hemingway was given a white six-toed cat by a ship's captain and some of the cats who live on the museum grounds are descendants of that original cat, named Snowball.  AFP PHOTO/ Karen BLEIER        (Photo credit should read KAREN BLEIER/AFP/Getty Images)

A cama dos donos é o Santo Graal para os gatos, e numa casa com vários gatos tende a ser um local disputado (Foto: KAREN BLEIER/AFP/Getty Images)

O Santo Graal: a cama dos donos

Os gatos “negoceiam entre si” partes favoritas da casa (ou, pelo menos, horas definidas para estar nas diferentes zonas da casas), sobretudo o “Santo Graal” que é a cama dos donos, explica Vicky Halls. A plateia foi convidada a notar que, em lares em que existe mais do que um gato, esse Santo Graal tende a ser objeto de disputa, mais ou menos percetível, entre os vários gatos. E, além das divisões da casa, os gatos “negoceiam, também, entre si, as horas e os locais em que interagem com os donos, como se fossemos um time share para eles”, explicou a britânica, causando gargalhadas na audiência.

A especialista em comportamento felino deixou claro perante a audiência que “alguns gatos gostam de ter companhia de outros gatos, muito poucos precisam dela, mas a maioria dos gatos, se lhe fosse dada a escolha, preferiam viver sozinhos“. “A solidão dos gatos é, na maior parte dos casos, um mito“, diz Vicky Halls.

O que está longe de querer dizer que os gatos são desligados. “Os gatos estão connosco quando querem estar connosco, da forma que querem estar e com o nível de interação que desejam, e retiram tanto prazer disso quanto nós”, diz Vicky Halls. Sobretudo quando falamos de gatos que foram socializados entre as duas e as sete semanas de idade, altura em que são muito recetivos a aprender a lidar com outros membros da sua espécie ou de outras espécies, incluindo humanos. O comportamento do gato ao longo da sua vida vai depender, em muito, da forma como é feita a sua socialização nesses primeiros dois meses de vida, explicou a especialista.

A audiência ficou, também, sensibilizada para a importância de um ambiente de cheiros simples em casa (Vicky não é fã de ambientadores) e areões inodoros. Da parte dos donos, os gatos querem apenas que compreendam a sua natureza – que não pensem que são pequenos bebés humanos – e que tenham uma atitude positiva, comportamentos consistentes e rotinas previsíveis. Isso e, claro, comida e um areão impecavelmente limpo. Ou vários, se possível, um a mais do que o número de gatos na casa, diz a Encantadora de Gatos.