É como diz Karl Lagerfeld: “não é preciso ser francês para se ser parisiense.” O designer de moda sabe do que fala — sendo alemão, tem a responsabilidade da direção criativa talvez da casa mais parisiense de sempre: a Chanel. Parisiense não é hoje o atributo de quem nasceu em Paris mas de quem vive à sua maneira, onde quer que esteja. Quais são as regras? São todas e nenhumas, apercebemo-nos pouco depois de mergulhar no tema. O melhor é carregar no play de “Déshabillez-moi” (despe-me) para entrar neste espírito simultaneamente cativante e blasé com a voz de Juliette Gréco, a parisiense nascida em Montpellier.

O interesse pela mulher francesa — não só pelo modo como se veste, mas por toda a sua maneira de ser e de viver — deve ter-se reavivado mais ou menos na altura em que o trench coat deixou de ser um modelo habitual só nas casas da Burberry e passou a estar mais ou menos em qualquer pronto-a-vestir — ou, dado, o tema, prêt-à-porter. No vocabulário da moda e nas tendências é inequívoca a influência francesa, e em especial parisiense, com as suas semanas da moda concorridas e as casas de alta-costura que brotam de qualquer esquina.

Se no século XIX França e a sua capital eram o palco do mundo — no bom gosto e no saber viver, mas também na arte, na ciência e na inovação técnica de que é exemplo a Exposição Universal de 1889 — a parisiense é a sua embaixadora.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Distinta de qualquer outra mulher da Europa, dizem os viajantes da época, e o modelo a seguir no tópico específico da moda. “O modo como ela se lembrou de atar a fita [do chapéu] esta manhã será uma lei em todo o universo enquanto a parisiense não resolver revogar essa lei atando essa fita por outro modo”, explica Ramalho Ortigão no seu livro Em Paris. Escreveu um capitulo inteiro dedicado à parisiense que, para ele, justifica que Paris seja a capital do mundo civilizado. Ela dita a moda e tem esprit — uma aura que até o homem francês tem dificuldade em ter, uma aura que só ela sabe o que é.

Gabrielle Chanel, known as Coco (1883 - 1971), top French couturier, at Fauborg, St Honore, Paris. (Photo by Sasha/Getty Images)

Coco Chanel

Para quatro parisienses autoras do livro How To Be A Parisian Wherever You Are, publicado em 2014, já não há segredo nenhum quanto a esse esprit: “Ela é muito imperfeita, vaga e cheia de paradoxos”, escrevem no livro sobre estilo e maus hábitos (como trair namorados). E não são só defeitos, “também é engraçada, atenciosa, curiosa e irónica e sabe como desfrutar da vida”. É mais ou menos neste tom sempre contraditório e irónico, com uma elegância que não vem só da roupa, que Caroline De Maigret, modelo e uma das autoras, constrói a sua persona parisiense neste vídeo:

O fascínio sobre o mistério e o estilo da parisiense é grande, especialmente da parte do mundo anglo-saxónico. O francês Le Figaro diz mesmo que “a mulher francesa é um american dream, uma série de mitos a que as mulheres americanas aspiram e que vão sendo replicados nos inúmeros livros sobre o tema — What French Women Know, de Debra Ollivier; Chic & Slim Toujours, de Anne Barone; French Women Don’t Get Fat, de Mireille Guiliano; Fatale, How French Women Do It, de Edith Kunz, ou ainda As Crianças Francesas no Dia a Dia, de Pamela Druckerman, que a editora Vogais publicou recentemente em Portugal e fala sobre como educar as miúdos à francesa.

O Figaro responde ainda a seis mitos como “a francesa é naturalmente bonita” (mentira, só não revela os seus segredos e justifica-se com os bons genes); “a francesa gosta de ser sensual” (não, gasta 50 vezes menos dinheiro em lingerie que as americanas, segundo estudos de 2012); ou ainda “sabe educar os filhos que se comportam sempre bem” (na verdade, os meninos são pequenos diabos e ela passa a vida a fazer pequenas chantagens para que se comportem). “O seu truque é aplicar o ‘less is more’ em tudo. Um talento que aparentemente não é para todos”, conclui o jornal.

1975: British singer, actress and model Jane Birkin who plays the title role in the comedy 'Catherine et Cie', aka Catherine & Co., directed by Michel Boisrond. (Photo by Keystone/Getty Images)

Jane Birkin, uma parisiense que nasceu no Reino Unido.

A receita mais fácil e recorrente para tocar o mito da parisiense é: use um trench coat, sabrinas, uma t-shirt lisa preferencialmente branca, óculos de sol XL, desista dos tecidos sintéticos e das botas UGG, e fume. Mas em livros como A Parisiense, da modelo Ines de la Fressange e editado em Portugal pela Bertrand, ou em qualquer blogue de moda francês anuncia-se que a resposta nunca será simples e que não é bem de roupa que se está a falar.

“O segredo da mulher francesa é a confiança que tem nela própria, mesmo quando fala sem dizer absolutamente nada”, escreve a bloguer francesa Garance Doré em resposta a uma nova-iorquina que tomou como resolução de ano novo viver à parisiense. Para estragar a lição, a francesa acrescenta: “A mulher francesa não faz resoluções. A mulher francesa é. O presente é a sua única religião.”

Não está à procura do futuro porque “não anda em busca da perfeição”, “não tem complexos com nada” e “aconteça o que acontecer a sua vida vai continuar” — pode resumir-se assim a mulher de How To Be A Parisian Wherever You Are. E a sua superioridade está em não ser ideal: “É tão snobe que está completamente confortável em deixar os outros saber que é snobe.”