Eduardo Morais compara os documentários que já fez (“Tecla Tónica” é o quarto, depois de “Meio Metro de Pedra”, “Música em Pó” e “Uivo”) com os festivais de música em terras distantes. “Acaba por acontecer um pouco a mesma coisa do que quando um grupo de amigos que vive mais afastado das metrópoles quer levar as bandas de que gosta à sua cidade e organiza um festival”, conta o realizador de 29 anos. “É o mesmo, mas em relação aos arquivos. Não há um grande arquivo histórico da música portuguesa – quer dizer, haver há, mas está fechado em caves ou seja onde for – e é aquela coisa de, se eu não consigo chegar lá, então vou fazer o meu próprio arquivo. Depois tenho a vantagem de poder partilhá-la com terceiros, o que é maravilhoso.”

Em “Música em Pó”, de 2013, andou à procura dos grandes colecionadores de vinil; com “Meio Metro de Pedra”, disponibilizado online em 2012, Eduardo analisou a contracultura do rock e traçou uma espécie de “cronologia” no país, desde o fim dos anos 50 até aos dias de hoje, com bandas como Jets, Aqui D’el Rock ou Mão Morta. Com “Tecla Tónica”, que estreia este sábado, 30 de abril, na Culturgest (21h30), a propósito do IndieLisboa, acontece o mesmo, mas com uma cronologia da música eletrónica, um universo que não dominava tão bem.

[o trailer de “Tecla Tónica”]

“Imagina o ‘Meio Metro’ de Pedra lançado como um single há umas décadas atrás, sendo o próprio o lado A. O ‘Tecla Tónica’ seria o lado B, aquele mais estranho com menos apetência comercial, mas que, pelo menos neste momento, reflete mais o gosto do ‘artista’, outra sonoridade ou até uma remix, sei lá”, definia o próprio no site Rimas e Batidas.

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De todos os seus trabalhos, este parece ter sido o “documentário mais difícil” que fez. “Por toda a produção que envolveu, que acabou por ser maior que os outros, mas também pelo facto de estar mais afastado deste léxico musical”, continua. Um léxico que é “quase como matemática”, compara, apesar de nunca ter sido “muito bom” à disciplina. “Há conceitos usados pelos músicos do século 20, dos anos 70 e 80, que desconhecia por completo. Depois acabei por fazer uma espécie de estágio, se é que assim se pode chamar, quando fiz um mini-documentário sobre o Pete Kember, dos Spaceman 3 [também conhecido como Sonic Boom], para tentar perceber um pouco mais sobre como a coisa funcionava, o processo de produção.”

Digitalismos

O interesse por este tipo de música começou cedo, mais por influência do irmão. “Desde pequeno sempre ouvi música eletrónica, muito mais que rock. Mas nos últimos anos tenho-me interessado mais pela música eletrónica inicial, coisas de eletro-acústica que descobri e que me tem fascinado muito”, conta.

Ao mesmo tempo comecei a perceber que cá também tivemos compositores muito importantes, como o Jorge Peixinho ou o Cândido Lima, nos anos 70, e que não há nada sobre essas pessoas. Também foi um pouco isso que me levou a fazer o documentário, tentar perceber quem são e o que fizeram.”

“Tecla Tónica” é uma visão da eletrónica em Portugal, desde os primórdios no fim dos anos 60 – e não no início dos anos 70, como se pensava – até aos dias de hoje, com testemunhos de músicos como José Cid, DJ Vibe, Pedro Coquenão (Batida), Vítor Rua, DJ Ride, Luís Clara Gomes (Moullinex), Rafael Toral ou Carlos Maria Trindade. Uma história da eletrónica? Talvez, “embora não me sinta com arrogância para dizer isso”, afirma Eduardo. “É a minha visão da cronologia, com base nas máquinas, nos sintetizadores, nos computadores, no sampling, até à componente dos DJs como divulgadores e até da eletrónica num cariz mais experimental.”

Eduardo Morais

Eduardo Morais

Uma das descobertas que mais o surpreendeu relaciona-se com os primeiros registos em Portugal. “Nos anos 60 e 70 havia compositores mas não gravavam cá, até porque não havia estúdios preparados para tipo de música. Mas acabei por descobrir talvez o primeiro registo com eletrónica pura em Portugal”, entusiasma-se. “Um jingle que foi criado para um programa de rádio em 1968, quando todas as pesquisas apontavam para 72 ou 73 como o ano do aparecimento da eletrónica cá.” Mais não quer dizer, até porque isso é uma das pérolas a descobrir no filme.

A estreia do filme no IndieLisboa conta com uma after-party na garagem da Culturgest com um concerto de Ghost Hunt e um DJ set de Rui Miguel Abreu, que também conduziu entrevistas para o documentário. Entre Maio e Agosto, Eduardo vai fazer percorrer o país de Norte a Sul para exibir o documentário, “com cerca de 20 datas já marcadas” e a anunciar em breve no Facebook. “É uma das mais-valias da independência, é conseguir ir, por exemplo, à Guarda ou a Vila Real e teres ali um grupo de pessoas que tem os mesmos interesses que tu.”