A história da civilização chinesa é milenar e grande parte dela é baseada em lendas e mitos, muitos dos quais impossíveis de provar. Um deles é conhecido como o Grande Dilúvio de Gun-Yu (ou mito de Gun-Yu) e conta a história de Yu, que conseguiu domar o rio Amarelo e conter a inundação de grandes proporções que durava há duas gerações. Segundo o mito, Yu foi aclamado como herói e foi mandatado para fundar a dinastia Xia, a primeira grande dinastia chinesa.

Até agora, não existiam quaisquer provas arqueológicas ou outras de que tal história se pudesse basear em factos verídicos. Mas um estudo publicado na revista Science aponta para o facto de que tal dilúvio poderá realmente ter acontecido, noticia o jornal The Guardian.

A equipa de investigação liderada pelo investigador Qinglong Wu encontrou vestígios de um grande deslizamento de terras que terá acontecido na sequência de um terramoto. A quantidade de terras teria sido suficiente para bloquear o rio Amarelo, na região onde atualmente fica a província de Qinghai, perto do Tibete.

O caudal do rio Amarelo terá ficado retido durante vários meses formando um “lago” com cerca de 200 metros de profundidade. A pressão das águas acabou por fazer rebentar dessa espécie de barragem natural e provocou uma inundação de grandes proporções, segundo os autores do artigo que analisaram os sedimentos geológicos no local.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Uma vez identificado o local em ambos os lados do vale, fomos capazes de descobrir as dimensões e forma da inundação”, disse Darryl E. Granger, geólogo da Universidade de Purdue (EUA) e co-autor do estudo ao jornal El País.

Esta foi a primeira prova que a inundação realmente aconteceu, mas só foi possível estabelecer com maior exatidão a data quando foram encontrados 14 esqueletos de crianças que terão ficado soterradas pelo deslizamento de terras. As análises de datação realizadas com carbono aos ossos indicam que a grande inundação do rio Amarelo aconteceu por volta de 1920 a. C..

wu1hr-800x533

Imagem dos esqueletos encontrados publicada no site New Scientist. Créditos: Cai Linhai/New Scientist

“Terá sido uma das maiores inundações a ocorrer na Terra nos últimos 10.000 anos. Mais de 500 vezes maior do que seria de esperar que acontecesse no mesmo lugar, como resultado de uma chuva torrencial”, explicou Darryl E. Granger.

Segundo David Cohen, arqueólogo da Universidade Nacional de Taiwan, em Taipei e co-autor do estudo, esta inundação “oferece uma sugestão tentadora que a dinastia Xia pode realmente ter existido”. O caos e os estragos que provocou terão dado origem a uma nova ordem política. Fatores que encaixam que nem uma luva na narrativa do mito de Gun-Yu, segundo a qual Yu teria conseguido controlar a inundação através da construção de canais de dragagem.

Estas descobertas feitas no desfiladeiro Jishi, apontam para o início da dinastia Xia vários séculos mais tarde do que se pensava. As conclusões da investigação põem em causa outros estudos recentes que propuseram explicações alternativas para ambos os depósitos de Jishi e do sedimento Lajia, explicou Wenxiang Wu, geógrafo da Academia Chinesa do Instituto de Ciências Geográficas, em comunicado à revista Science. Por essa razão, é necessária mais investigação para que se possa determinar se a civilização chinesa (e a dinastias Xia) teve efetivamente origem no “grande dilúvio”.

Desde 1996, que o governo chinês financia o projeto Cronologia Xia-Shang-Zhou, um programa de investigação que pretende datar com a maior precisão possível a existência das dinastias Xia, Shang e Zou, que estiveram na origem da civilização chinesa.

https://twitter.com/eufrazorr/status/599948952113405953