Milena Pereira e Francisca Costa ainda estavam a concluir o ensino secundário, na Escola Secundária Dona Maria II, em Braga, quando criaram uma solução tecnológica inovadora para um problema que identificaram bem perto — os ataques das vespas asiáticas às abelhas nas colmeias, no norte de Portugal. O projeto valeu-lhes uma viagem ao Brasil para representarem Portugal na Mostratec, uma das maiores mostras de ciência e tecnologia do mundo, na semana passada, e onde venceram uma menção honrosa.
“O Norte de Portugal começou a ser invadido por uma espécie, a vespa asiática, que não é natural”, explica Milena Pereira ao Observador. A colega, Francisca Costa, acrescenta que “o problema está a devastar completamente a apicultura, sobretudo em Braga“. Por isso, as estudantes lembraram-se de aproveitar o Projeto Excelência Académica daquela escola secundária para encontrar uma solução. “Pensámos em vários métodos, biológicos, químicos e eletromecânicos”, sublinha Milena. As várias experiências que levaram a cabo conduziram à conclusão de que o método mais exequível era o eletromecânico.
“Criámos uma ‘harpa elétrica’, que colocámos à entrada das colmeias. Uma espécie de rede composta por fios elétricos, e utilizámos a diferença de envergadura de asas entre a abelha e a vespa para criar uma malha que seja mais larga do que as abelhas e mais estreita do que as vespas”, destaca Milena. A rede tem uma particularidade: ao tocar num dos fios, não acontece nada. Mas ao tocar em dois fios simultaneamente, dá-se uma descarga de 10 mil volts. Por isso, como a vespa é maior do que o espaçamento da malha, acaba sempre por tocar em dois fios, e morre eletrocutada antes de entrar na colmeia.
A estudante faz questão de sublinhar que “não existe problema em aniquilar esta espécie”, uma vez que não é natural em Portugal e coloca em causa o ecossistema que invade. E assegura ainda que “não existe o problema de a abelha ser eletrocutada, porque teria de tocar em dois dos fios e, devido ao seu tamanho, não consegue”. O trabalho de campo foi facilitado porque um dos professores das estudantes é apicultor. “Pudemos utilizar os apiários dele para as experiências e isso foi muito útil”, refere Francisca.
O projeto levou as duas alunas de Braga a participar na 10.ª Mostra Nacional de Ciência, promovida pela Fundação da Juventude, em maio deste ano. “A nossa escola foi com três projetos à Fundação da Juventude, e todos eles eram maravilhosos, e mereciam um prémio”, lembra Milena Pereira. Contudo, foi o projeto de Milena e Francisca que acabou por se destacar na iniciativa. Por isso, foram na semana passada ao Brasil, para participar na edição deste ano da Mostratec, uma feira de ciência e tecnologia que se realiza todos os anos em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul Brasil. Esta feira reúne anualmente projetos científicos inovadores criados por jovens cientistas de todo o mundo. Este ano, entre os 640 projetos, só houve um português: o de Milena e Francisca. E ganharam uma menção honrosa, por criar “inovador e eficaz sistema de captura e eliminação das vespas velutinas”.
“Ficámos muito contentes. Sentimos que valeu a pena, depois de trabalharmos este ano todo”, refere Francisca. “Para nós foram muitas noites sem dormir, especialmente para conciliar o final do secundário com o projeto. Tentámos dar o máximo de tempo ao projeto, e por isso é uma alegria enorme, um grande orgulho, poder ir representar o nosso país”, acrescenta Milena. Na mala, levam agora “apenas uma maquete ilustrativa, porque a organização não deixa levar nem as abelhas nem a a bateria, e por isso não vamos poder mostrar o equipamento a funcionar”, sublinha Francisca Costa.
Escola tem “dinâmica de projetos que não é nova”
O professor João Vieira, que coordenou este projeto, garante que este tipo de ideias “não é novo na escola”. A Secundária Dona Maria II já viu, por exemplo, um grupo de alunos premiado no Intel ISEF, a maior feira de ciência e engenharia do mundo. E, em dezembro, “um dos nossos alunos vai participar na final das Olimpíadas da Astrofísica, na Índia”, destaca”. Para o docente, existe uma “dinâmica de projetos na escola” que é ainda mais relevante porque “os alunos fazem estes projetos fora das aulas“, e em áreas distintas, “que vão da impressão 3D até à biologia”.
Uma das grandes vantagens destes projetos, sublinha João Vieira, é a possibilidade que oferece aos alunos de “contactar com investigadores e aprender conceitos que, normalmente, só aprenderiam daí a dois ou três anos no ensino superior”. Assim, garante o professor, “os estudantes levam um background diferente para o superior, aprendem a argumentar, a puxar dos seus conhecimentos, e dão um salto em relação àquilo que é a aprendizagem normal do secundário”. Além da preparação para o ensino superior, “há ainda o contacto com o meio empresarial, que é de extrema relevância no que toca à inovação”.
João Vieira vê, ainda, vantagens na imagem institucional da escola. “Os alunos querem vir para aqui“, garante o responsável pelo projeto Excelência Académica, que é um clube ainda mais exclusivo. “Temos menos vagas do que interessados. Abrimos cerca de 30 vagas, o equivalente a uma turma”, sublinha o docente. Numa escola com 1.100 alunos, integrada num agrupamento de mais de três mil estudantes, fazer parte daquele clube é só para os melhores. Mas o entusiasmo acaba por transbordar para as aulas. “Quando temos alunos e professores entusiasmados com projetos, acabamos a falar, nas aulas, de temas que nem sequer estavam nos programas, porque os alunos querem saber mais”, acrescenta João Vieira.
No caso concreto do projeto de Milena e Francisca, “já há uma empresa que mostrou interesse no produto, mas ainda terão de ser feitos testes a uma escala maior”, assegura o docente. “Se tiver os resultados que a empresa espera, são capazes de fazer um investimento”, destaca. “Estes projetos nas escolas têm uma importância enorme, são muito estimulantes para os alunos, e acabam por potenciar até a criação de startups“, considera João Vieira.