Em mil-novecentos-e-troca-o-passo, a tática é bem simples: basta dormir num bordel na noite anterior aos jogos para marcar, triunfar e sair de fininho como se nada fosse. Bicampeão mundial em 1934 e 1938, é o primeiro jogador italiano conhecido mundialmente e o pioneiro na assinatura de contratos publicitários. Por ter uma ligação mais prolongada com o Inter (1927-40) do que com o Milan (1940-42), os do Milan continuam a dizer que jogam no Estádio San Siro, enquanto os do Inter chamam-no Giuseppe Meazza. Sim, falamos de Meazza. Ou il Balilla. Sim, il Balilla. Aos 17 anos, Meazza estreia-se no Inter, no lugar de Conti. Este, já veterano, exclama de forma sarcástica: “Agora já jogamos com crianças do jardim-escola. Até os balilla.” Nesse tempo, Balilla é uma instituição militar e fascista, dedicada à assistência e educação juvenil, dos oito aos 14 anos.
Em mil-novecentos-e-troca-o-passo, Meazza era o melhor jogador italiano. Em dois-mil-e-troca-o-passo, Meazza continua a ser o incontestável líder dessa infindável lista de talentos nacionais, ligeiramente à frente de Roberto Baggio. Como il Codino, il Balilla jogou nos três grandes (Inter, Milan e Juventus) e isso ainda hoje é um problema para o Milan, que sente uma evidente dor de cotovelo quando alguém fala de Meazza. Pelo meio, é campeão mundial em 1938. E é, até hoje, o único capitão a levantar a Taça do Mundo debaixo de um coro de assobios, por estar a fazer a continência nazi. Nesse mesmo Mundial, em França, é de Meazza o golo de penálti mais esquisito de sempre. Como o elástico dos calções se rompe, o avançado tem de correr com as mãos a segurar os calções.
Em-mil-novecentos-e-quarenta, o Inter já não quer saber dele para nada. Meazza é uma espécie de craque-problema. Em 1937, por exemplo, antes de um Inter-Juve, a camisola 9 espera pelo dono no balneário. Meazza não está em San Siro. Dois dirigentes do Inter encontram-no numa pensão, a dormir. E a ressonar. Acordam-no bruscamente, metem-no banco de trás do carro, depois debaixo de um duche e obrigam-no a entrar em campo. Ele marca dois golos e o Inter ganha 2-1.
Os dirigentes, cansados das suas excentricidades, entregam-lhe a carta de desvinculação. Meazza não se mexe assim muito. Como vive a cinco minutos do estádio, que então se chamava San Siro, il Balilla assina pelo Milan. Mais gordo que o habitual, só se estreia na 18.ª jornada, a 9 de Fevereiro de 1941, precisamente frente ao Inter (que, naquela altura, se chama Ambrosiana por imposição do ditador Mussolini para nacionalizar os nomes dos clubes e ainda para evitar ligações à Internacional Comunista) e troca-o-passo a toda a gente.
Primeiro, entra sóbrio no balneário. Depois pede ao treinador para não jogar. A fita prolonga-se por uns minutos e os jogadores do Inter (vamos escrever assim) já estão em campo, à espera dos do Milano (outra inovação de Mussolini, porque Milan é inglês). Meazza é então convencido a jogar como titular. Na primeira parte, é um perfeito desastre. E o Milan perde 2-0 com golos de Frossi (21’) e Boniforti (40’, na própria baliza). Após o intervalo, o Inter recua e sofre o 1-2 de Capello IV aos 56’. O empate é assinado por Meazza, a sete minutos do fim. O avançado nem festeja. Limita-se a ir para o meio-campo, cabisbaixo. O dérbi acaba 2-2 e o Inter perderia aí a liderança do campeonato italiano para o Bolonha, que seria efectivamente o campeão. Mas aí já estávamos em mi-novecentos-e-quarenta-e-um. Isso é o que pensa. Em Itália, estávamos nos anos Meazza-e-troca-o-passo. É assim que os italianos definem essa época. Ainda hoje, na era João Mário.