O apoio dos representantes do Presidente da República (PR) e a ausência de dois vogais indicados pelo Partido Socialista (PS) foram decisivos para o arquivamento do inquérito disciplinar interposto pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) ao juiz Carlos Alexandre — indica a ata da reunião do CSM desta terça-feira a que o Observador teve acesso.
O resultado final que determinou o arquivamento do inquérito foi de 8 votos a favor e 7 contra, tendo assim o órgão de gestão dos juízes deliberado não converter o inquérito instruído pelo inspetor judicial e desembargador Nuno Garcia em processo de disciplinar.
Numa votação renhida em que os membros indicados pelo Cavaco Silva, e confirmados por Marcelo Rebelo de Sousa após a sua tomada de posse, votaram a favor do arquivamento do inquérito disciplinar, o voto de Henriques Gaspar, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, veio a revelar-se importante para desempatar.
O jurista José Sousa Machado, um dos representantes do PR, esteve presente desde o início na reunião desta terça-feira que tinha na agenda mais de 10 assuntos para análise e decisão do igualmente órgão disciplinar da magistratura judicial. Já o conselheiro Cardoso da Costa (ex-presidente do Tribunal Constitucional) fez questão de estar presente apenas da partir das 14h15, altura em que se deu a análise final do relatório do inspetor Nuno Garcia.
Dos 4 membros indicados pelo PS, 2 estiveram ausentes
O mesmo não se pode dizer dos membros indicados pelo PS. Dos quatro ‘socialistas’, Vítor Faria, advogado e um dos membros mais antigos do CSM indicados pelo poder político, e o jurista Serafim Pedro Madeira Froufe estiveram ausentes.
Vítor Faria, que sempre foi indicado pelo PS, é uma figura vista nos círculos socialistas como sendo próxima do primeiro-ministro António Costa — com quem partilha ideias políticas desde o tempo da liderança de Jorge Sampaio. O advogado de Leiria esteve presente apenas da parte da manhã, tendo saído da reunião devido a um almoço de Natal fora de Lisboa, ao que o Observador apurou. Desse modo, esteve ausente da discussão final e da votação do tema do inquérito disciplinar de Carlos Alexandre que decorreu depois das 14h15.
Os restantes dois membros do CSM indicados pelo PS (Susana Brito e Jorge Gonçalves) votaram contra o arquivamento do inquérito disciplinar.
Quatro votos de juízes a favor do processo disciplinar
Há outra leitura factual que se pode retirar da leitura da ata do CSM: não houve lugar a nenhuma confronto entre os membros do poder político e os representantes do poder judicial. Pelo contrário, já que a votação foi claramente transversal.
Um exemplo disso mesmo é o facto de quatro juízes terem votado a favor da conversão do inquérito em processo disciplinar — o que significaria, na prática, uma acusação disciplinar e, muito provavelmente, uma sanção disciplinar aplicada ao juiz Carlos Alexandre.
Dos quatro juízes que votaram a favor do processo disciplinar, destaca-se o voto do conselheiro Mário Morgado, vice-presidente do CSM eleito por todos os magistrados judiciais. Ex-diretor nacional da Polícia de Segurança Pública entre 2002 e 2004, nomeado pelo governo de Durão Barroso, Morgado é conhecido pela defesa intransigente que faz da disciplina, não tendo assim sido sensível ao argumento do juiz Carlos Alexandre em que este defendia a liberdade de expressão dos magistrados e o facto de nunca ter violado o dever de reserva.
Outro voto a destacar nesse grupo é o do desembargador Sousa Pinto, ex-vice-presidente da Relação de Lisboa no tempo de Vaz das Neves. Apesar de ter sido número 2 de Vaz das Neves, Sousa Pinto é conhecido pela sua proximidade a Noronha de Nascimento, ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça com quem Carlos Alexandre teve uma divergência a propósito da destruição das escutas do processo Face Oculta que envolviam José Sócrates.
Assim, os votos a favor do arquivamento, de acordo com a acta n.º 21/2016, foram os seguintes:
- Henriques Gaspar, presidente do Conselho Superior da Magistratura
- Cardoso da Costa, indicado pelo Presidente da República
- Sousa Machado, indicado pelo Presidente da República
- Vaz Rodrigues, eleito pela Assembleia da República por indicação do PSD
- Alves Correia, eleito pela Assembleia da República por indicação do PSD
- José Eusébio Almeida, juiz desembargador da Relação de Coimbra
- Armando Cordeiro, juiz de direito do Porto
- Rudolfo Serpa, juiz de direito de Évora
Já os votos contra o arquivamento, logo a favor da conversão do inquérito em processo disciplinar, foram os seguintes:
- Mário Morgado, conselheiro e vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura
- Maria Eduarda Azevedo, eleita pela Assembleia da República por indicação do PSD
- Susana Brito, eleita pela Assembleia da República por indicação do PS
- Jorge Gonçalves, eleito pela Assembleia da República por indiciação do PS
- Sousa Pinto, juiz desembargador da Relação de Lisboa
- Narciso Rodrigues, juiz de direito
- Ana Rita Loja, juíza de direito
Foi Sócrates quem deu origem ao inquérito disciplinar arquivado esta terça-feira, apresentando uma queixa no CSM depois das entrevistas concedidas por Carlos Alexandre à SIC e ao Expresso.