Uma alta hierarquia militar portuguesa foi sequestrada. O general está trancado num barracão abandonado de um aeródromo 12 quilómetros a sul de Tripoli. O edifício é guardado por um dezena de rebeldes fundamentalistas. A missão de resgate é, por isso, ultra-sensível, uma das mais sensíveis que as forças portuguesas alguma vez tiveram em mãos. O alvo e local da missão são fictícios, mas o exercício que juntou em Beja militares e aeronaves de sete países “traduz-se em capacidade” operacional no futuro, explica o tenente-coronel João Rosa, coordenador do exercício. “A aviação não é uma coisa em que vamos ao Google e aprendemos como se faz, é aqui testamos as nossas práticas”, justifica.

Dois F16 sobrevoam o barracão e bombardeiam dois pontos onde os rebeldes fazem a guarda ao edifício para garantir “um corredor livre de ameaças” para os militares que hão-de chegar pelo terreno. Ao mesmo tempo, outros caças F16 e também F18 asseguram a “supremacia aérea” na região, anulando os ataques de seis aeronaves inimigas que tentam abater as forças amigas no solo.

A seguir, chega o C130, um avião de transporte. Aproxima-se a baixa altitude, pousa e, assim que o aparelho se imobiliza na pista, cerca de uma dezena de militares do Destacamento de Ações Especiais da Marinha salta da aeronave juntamente com dois jipes. Cabe-lhes a parte mais sensível da operação que se desenrola no terreno: resgatar o militar português feito refém.

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No ar, bem lá em cima onde não pode ser visto nem ouvido, um P-3 Orion é como um falcão silencioso: durante toda a operação vai fazendo a vigilância ao solo para garantir que a força no terreno não é atacada. As imagens chegam ao comando em tempo real e a operação é coordenada ao segundo, para que o refém de máxima importância seja retirado com vida. A missão obriga à participação de quase 20 aeronaves. Há F18 espanhóis a acompanhar os caças portugueses, três C130 e um C295 transportam homens e carga e dois Alpha-Jet atacam pontos-chave (na missão, é bombardeado o armazém onde o secretário de Estado da Defesa e cerca de dez generais assistem ao treino – entre os quais os chefes de Estado-maior da Força Aérea e do Exército).

O exercício – que não se realizou como estava previsto, porque os para-quedistas optaram por não saltar devido ao vento e à chuva que se faziam sentir em Beja – é uma simulação daquilo que as forças portuguesas poderiam encontrar na Líbia, na Síria ou no Iraque, explica o tenente-coronel João Rosa, coordenador da missão de treino realizada no âmbito do Real Thaw 17 (RT17), na base aérea nº 11, naquela cidade alentejana. “Os militares portugueses fizeram 90% do trabalho” e poderiam executar uma missão nos mesmos moldes sem apoio de terceiros, mas em Beja o trabalho foi “repartido por todos” para que haja partilha de experiência e conhecimentos.

Os marines norte-americanos também estavam equipados com o armamento usado em cenário de guerra, mas as rodas do helicóptero MV-22 Osprey não chegaram a levantar do chão por problemas técnicos.

Marines norte-americanos estiveram em Beja para participar na edição deste ano do Real Thaw

A missão de resgate mobilizou 1.000 homens, entre militares portugueses e de outros cinco países: Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, EUA e Holanda. A NATO também participa nesta nona edição do treino conjunto, ao emprestar duas aeronaves (um avião de vigilância Awacs e uma avioneta DA20) ao exercício. Durante os 12 dias de atividades, que terminaram esta sexta-feira, passaram por Beja cerca de 3.500 militares – além dos residentes na base aérea, vieram 400 homens de países parceiros e outros 800 portugueses de vários pontos do país.

Os militares portugueses ficaram na própria base. Os estrangeiros dividiram-se pelos hotéis da cidade e ficaram responsáveis pelos custos com alimentação, estada e combustível usado durante o exercício. Para os cofres da Força Aérea, o custo “não tem expressão”, garante João Rosa, sem adiantar um valor concreto. “Aquilo que providenciamos é pouco mais que a eletricidade”. As horas de voo, a “fatia de leão” do exercício, seria usadas em treino, por exemplo, na base de Monte Real, caso não fossem dirigidas para o RT17.

Foram seis meses de preparação e doze dias de exercícios na Base Aérea Nº11 de Beja.

Desenhámos o cenário mais real possível, com base numa análise que a nossa intel [serviços de informações] fez do planeta e daquilo que potencialmente pode ser um cenário em que teremos de participar”, explica João Rosa.

A Força Aérea – que coordena o exercício há nove edições, primeiro em Monte Real e há quatro cinco anos em Beja – recebeu as respostas aos convites que fez e preparou o exercício “com base nas necessidades de treino de todos” os países parceiros.

Apesar de ir na sua nona edição, e de o Real Thaw estar certificado para a avaliação de competências das várias forças, não é fácil conseguir encontrar parceiros de treino para o exercício em território português. “É difícil trazer pessoas cá porque estamos longe e é dispendioso”, admite o coordenador do exercício. “Cada um usa as armas que tem, e nós temos isto”, diz o tenente-coronel, apontado para o céu onde as nuvens, depois de alguns pistas, começavam a desaparecer. No norte da Europa, em março, uma visibilidade superior a 30 metros pode ser considerada um luxo.

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O secretário de Estado da Defesa, que assistiu às operações em Beja, sublinha a importância da missão de treino. “É um exercício fundamental, na medida em que treina atividades que as nossas Forças Armadas praticam todos os dias nos cenários internacionais em que estão empenhadas, em África e na Europa, e são essenciais para a capacidade de resposta, para o nível de prontidão e para a qualidade operacional das nossas Forças Armadas, que é reconhecida por todos os nossos aliados”, sublinhou Marcos Perestrello.