Há um ano, Alexandra Moura tinha a tão desejada estreia em terras de sua majestade. Os olhos estavam postos no romantismo vitoriano, de onde a criadora não viria a desviar as atenções tão depressa. O que não sabíamos na altura, é que, já aí, Alexandra sonhava em apresentar uma coleção numa igreja. Pois bem, neste domingo, com a Semana da Moda de Londres em marcha, voltou à capital britânica e fez desfilar o próximo verão na The Welsh Chapel, uma antiga igreja presbiteriana, em pleno Soho. “Sempre fui muito fã dos The Smiths e adorava os videoclips em que eles iam para dentro das igrejas. Achava isto tão britânico, a cena das igrejas no meio das ruas. É um universo muito meu e que me liga a Londres”, afirma a criadora, em entrevista ao Observador, já depois de percorrer a passerelle, no fim dos desfile.

Um fim que vale a pena antecipar, com os 19 modelos a darem uma última volta pela sala ao som de Bach. A cada coleção, Alexandra já nos habituou às suas viagens e à redescoberta de ritos e culturas distantes. Desta vez, viajou no tempo. “Fui ao século XVIII, aos interiores, às paredes descascadas decadentes e deterioradas e ao interior da própria roupa, onde há detalhes incríveis. Para mim, a roupa do século XVIII é mais bonita por dentro do que por fora”, conta. Within The Time Within é, por isso, uma coleção do avesso. Está cheia de atilhos e pontas soltas e de bolsos cujos forros se desagregaram da própria e se transformaram em bolsas suspensas à cintura. O xadrez espreita aqui e acolá e traz à coleção um toque primaveril, campestre e até piqueniqueiro.

“Dou por mim a desenhar e a olhar para tecidos extremamente românticos e frágeis, mas também a adorar ver um impermeável ou uma fanny pack [bolsa de pôr à cintura] em cima de um vestido brocado. Acho que nestas misturas estou a ser muito eu”, afirma.

Noutros detalhes, a designer parece ter encontrado uma fórmula vencedora. Falamos dos brocados, das transparências e das famosas laçadas que ligam as mangas ao resto da peça. Repetição ou assinatura? Se há coisa que Londres deu a Alexandra Moura foi a perfeita noção de para quem é que ela está a desenhar roupa. “Já é uma característica minha, este meu lado romântico, mas também o meu lado urbano. Hoje, pela evolução que tenho percebido no próprio mercado, as duas coisas podem casar muito bem. Aliás, é isso que o mercado quer, ver esses dois universos juntos”, completa.

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Preto, branco e vermelho, foi este o trio cromático a marcar a coleção de verão de Alexandra Moura, em Londres, no domingo © Gregoire AVENEL

Agora, Alexandra apresenta a coleção em Londres, primeiro com o desfile, depois no showroom de marcas portuguesas, mas daqui a duas semanas, o Portugal Fashion leva-a para Paris. Os buyers começam a conhecê-la, a procurá-la e a levar as suas criações sobretudo para a Ásia, um público cuja presença foi óbvia no desfile de domingo. Mas continua a haver um lado imprevisível no trabalho da designer. Nesta coleção, isso é visível nos sapatos. Alexandra pôs mão à obra e encheu-os de palavras e desenhos. “Peguei e comecei a escrever coisas que me vinham à cabeça e que sentia. Coisas de amor, poemas, desejos, cartas ao universo, ideias, plantas de palácios e sítios. Adoro que ninguém entenda o que está lá escrito, fiz de propósito”, conta. No fundo, se pensarmos que cada umas das grandes capitais da moda tem a sua personalidade, Londres é a que lhe assenta na perfeição.

Depois do desfile de Alexandra Moura em Londres, o Portugal Fashion continua em digressão pelas principais semanas da moda europeias. No próximo fim de semana, aterra em Milão, onde organiza os desfiles de Carlos Gil e Pedro Pedro.

O Observador viajou para Londres a convite do Portugal Fashion.