Poderia a Câmara ter gerido de outra forma a questão do Teatro Maria Matos? “Se tudo isto tivesse acontecido noutra altura, talvez”, admitiu Catarina Vaz Pinto ao Observador. “A questão é que tudo isto foi em cima do acontecimento. Na verdade, também fiquei surpreendida com a necessidade de ter de alterar a direção artística do Maria Matos. Mas a política é responder ao contexto.”
Depois do debate convocado pelo PCP na Assembleia Municipal, na terça-feira, a vereadora do pelouro da Cultura da Câmara de Lisboa falou com o Observador e fez um balanço da polémica em torno da decisão de concessionar a privados a gestão artística da sala de espetáculos da Avenida de Roma. A decisão foi anunciada a 17 de dezembro, em entrevista ao jornal Público, e tem sido contestada por vários setores. CDS, Bloco de Esquerda e PCP puseram-se de acordo na crítica à vereadora e uma petição na internet, com mais de 2.500 assinaturas, exige a “continuação da gestão pública” do Maria Matos.
Catarina Vaz Pinto não vai recuar – isso mesmo ficou demonstrado na Assembleia Municipal, incluindo nas intervenções do presidente da Câmara, Fernando Medina. Continua a justificar a concessão com um acontecimento imprevisto: a saída do diretor artístico, Mark Deputter, que esteve no Maria Matos entre 2008 e 2017 (mudou-se para a Culturgest em outubro do ano passado, tendo a notícia sido conhecida em agosto).
Teatro Maria Matos: concessão não tem de ser aprovada em reunião de Câmara
Subjacente a algumas críticas parece estar o receio de que a entidade privada que venha a arrendar o Maria Matos queira recuperar o investimento através de uma programação comercial, com menos qualidade do que aquela a que o público da sala está habituado. Catarina Vaz Pinto tem respondido com a reabertura de dois teatros: Teatro do Bairro Alto, para onde deverá transitar o tipo de programação “experimental e emergente” que o Maria Matos hoje oferece, e Teatro Luís de Camões, que ficará com a programação infantojuvenil. Além disso, a vereadora acredita que “abrir o Maria Matos ao grande público é diversificar e alargar a oferta teatral da cidade”.
“Há muitos tipos de público de teatro. Não faço política de gosto. Tenho os meus gostos, mas não posso, enquanto titular de um cargo público, estar a fazer uma política de gosto. Tenho que dar espaço para que a diversidade da criatividade artística tenha condições de existir. A nossa missão é criar mais programação, ter mais equipamentos, dar melhores condições de fruição. Ninguém está, verdadeiramente, a ser posto em causa. Isso é que me causa estranheza. Nada está ser posto em causa. A única coisa que está a ser posta em causa é mudar-se o tipo de programação de uma sala para uma outra que tem condições mais adequadas para esse tipo de programação.”
Catarina Vaz Pinto mostrou-se preocupada por a polémica ainda não lhe ter permitido lançar os concursos públicos de concessão do Maria Matos e para a direção artística do Teatro do Bairro Alto — sendo certo que o Teatro Luís de Camões será dirigido pela equipa que hoje programa os espetáculos infantojuvenis na sala da Avenida de Roma.
“Como se sabe, programar não é um ato instantâneo, exige tempo para pensar, para contactar companhias e artistas e verificar disponibilidade de datas. Normalmente, as programações devem fazer-se com um ano, um ano e meio de antecedência. Já estamos em janeiro e ainda não escolhemos quem vai fazer a programação do Maria Matos”, disse a vereadora. “Desejavelmente, a EGEAC vai lançar os dois concursos em simultâneo. Estamos agora a trabalhar no caderno de encargos. Vamos ver se é possível, ou não, ainda em janeiro. A nossa urgência tem a ver com isto: temos programação assegurada até julho e alguma ainda até ao fim deste ano. Mas temos de preparar o que vem a seguir. E isso também é a nossa missão.”
A vereadora disse estarmos perante mais um ato do “processo de reorganização” dos teatros, iniciado no mandato anterior, e argumentou que o executivo conhece bem a realidade cultural da cidade.
“Nos últimos dois anos, fizemos um exercício profundo de auscultação do sector, que resultou num livro sobre estratégias para a cultura. Esse livro analisa o que são as lacunas nas várias áreas e refere que há um défice de salas médias em Lisboa. Além disso, estou em permanente auscultação do setor, formal e informalmente. Falo com muitas pessoas, recebo-as, sou frequentadora regular dos teatros municipais, tenho alguma capacidade de análise do que faz falta e daquilo que as pessoas de vários quadrantes nos pedem. A programação artística contemporânea é uma das nossas preocupações, mas na área do teatro há outras propostas artísticas. A cidade é o lugar da diversidade, está em condições de ter espaços para todos, e tem de gerir da forma mais eficiente possível os recursos, neste caso, logísticos, para que determinadas expressões artísticas possam ver a luz do dia em condições tão boas quanto possível.”
A informação de que, do ponto de vista jurídico, a concessão do Maria Matos não precisa de ser aprovada em reunião do executivo camarário, conforme notícia do Observador na terça-feira, mereceu à vereadora da Cultura um comentário: “Se o assunto tivesse de ser levado a reunião de Câmara, é evidente que o teríamos feito, mas esta decisão está no âmbito dos poderes de gestão da EGEAC”, a empresa municipal de gestão de equipamentos e animação cultural.
Sobre se a decisão deveria ter sido inscrita no programa eleitoral autárquico do Partido Socialista e nos documentos sobre a atividade executiva da Câmara, nomeadamente as Grandes Opções do Plano, Catarina Vaz Pinto respondeu com nova referência à saída de Mark Deputter: “Os factos que deram origem a esta questão específica ocorreram depois de terem sido fechados esses documentos.”
O montante de financiamento à criação e produção de espetáculos no Teatro do Bairro Alto será idêntico ao que até agora existia no Maria Matos. Entre 600 e 800 mil euros anuais, garantiu a vereadora, segundo a qual a sala será arrendada pela EGEAC ao Centro de Amadores de Ballet por uma valor mensal inferior àquele que o Ministério da Cultura pagou até 2016 para naquele teatro estivesse sediada a companhia da Cornucópia, entretanto extinta. “Serão menos de seis mil euros por mês”, disse, sem adiantar pormenores.
Os futuros arrendatários do Maria Matos vão pagar uma renda pré-estabelecida pela EGEAC e não terão apoios à produção, disse a vereadora. “A ideia é que a lotação da sala viabilize determinado tipo de produção, numa lógica de bilheteira, mas isso existe em todas as cidades do mundo.”
Catarina Vaz Pinto confirmou que terá uma reunião nesta sexta-feira com os vereadores da oposição e revelou que nos próximos dias vai também receber representantes dos peticionários.
O Observador perguntou também se antecipou que a decisão de concessionar o Maria Matos viesse a ser tão criticada como tem sido. “Calculava que as pessoas pudessem ficar surpreendidas. Não compreendo algumas críticas, porque só estamos a criar melhores condições para os artistas, mas a crítica faz parte.” E como comenta o período de impopularidade que tem atravessado nas últimas semanas? “Não desisto de ser popular, por isso é que continuo a querer explicar, porque, quando começamos a explicar, as pessoas compreendem.”