Até onde podem e devem ir os juízes com poderes para reverem leis aprovadas pelo poder democrático? Jeremy Waldron tende a responder à pergunta de forma prudente, recomendando restrição aos tribunais com essas competências. Mas sobre Portugal foi muito direto: “Não tenho dúvidas que os juízes do Tribunal Constitucional português foram longe de mais”.

De origem neozelandesa, atualmente professor da Universidade de Nova York (já passou por Edimburgo, Berkeley, Columbia e Oxford), tem uma obra influente sobre “constitucionalismo”, “revisão judicial”, e “estado de direito”. Esteve em Lisboa para discutir a liberdade no III Encontro Presente no Futuro, organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Foi aí que o Observador o entrevistou.

A forma crítica como Waldron avalia muitas das intervenções judiciais em terrenos que são mais do poder legislativo baseia-se na visão que tem de como deve funcionar uma democracia constitucional. “Quando existem questões que suscitam grandes divergências na sociedade, entre os políticos, até entre os juízes, a questão é saber se é legítimo que essas decisões sejam resolvidas através de uma votação de juízes em vez de serem por uma votação de deputados eleitos”, explicou-nos.

Isso leva-o a ser “contra a ideia de atribuir aos juízes poderes de decisão em áreas que divisivas do ponto de vista social”. Na sua opinião, a questão é: “será que as decisões estão a ser tomadas em áreas bem definidas pela Constituição, ou será que os juízes estão a promover todo um programa social? Se for esse o caso, então os juízes estão a exagerar no exercício dos seus poderes.”

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O professor de Direito ilustra estes raciocínios com casos concretos, evocando, por exemplo, a forma como o Supremo Tribunal dos Estados Unidos nunca se pronunciou a favor do fim da escravatura para, mais tarde, ter um papel importante no fim da segregação racial.

No caso português, e referindo-se às decisões mais recentes do nosso Tribunal Constitucional, Jeremy Waldron considerou que “o problema maior foi o do alcance das suas decisões, não o dos conceitos em que os juízes se basearam”, como a proporcionalidade ou igualdade.

Ao olhar para a forma como este tipo de tribunais se devem articular com os corpos eleitos das democracias modernas, defende a ideia de que estes se deviam “mover mais lentamente”, até porque não têm a pressão do fim do mandato ou das próximas eleições, mas reconhece que nem sempre isso funciona assim. Mesmo no que respeita a ter tempo para avaliar os problemas com tempo, sobretudo com tempo para pensar:

“A vice-presidente do vosso tribunal disse-me que a coisa que os juízes não tinham tempo para fazer era pensar”.

De resto, entende que muitos dos problemas que identifica são problemas de atitude, de ethos, não problemas que se resolvam com reformas constitucionais. “É uma questão de cultura”, especificou. “Os juízes podem ser arrogantes na forma como abordam os problemas, ou podem ser modestos, cuidadosos”. Por outro lado,  “as pessoas, os cidadãos, têm de ter paciência, têm de aprender a aceitar as derrotas políticas, não devem tentar contornar essas decisões maioritárias apelando para os tribunais. Tentar evitar o princípio da maioria em política é como tentar evitar o princípio da igualdade”.

Ou seja, “precisamos de um outro ethos entre os juízes, precisamos de uma outro ethos entre os legisladores, mas também necessitamos de um outro ethos entre os eleitores e os movimentos políticos”. Esse outro ethos passaria por compreender que, “numa democracia, temos de fazer avançar as nossas agendas através dos políticos eleitos, não através dos juízes”. Se, pelo contrário, passarmos a vida a apelar para toda a gente “dos bispos à rainha”, isso terá como consequência desmerecer permanentemente o papel dos políticos.

“Se formos assim, temos os políticos que merecemos, e depois detestamo-los”, conclui. De facto, como acrescenta, as pessoas têm de perceber como é que uma democracia funciona, como se formam maiorias pacientemente, trabalhando com as instituições políticas e defendendo as nossas ideias até elas terem apoio maioritário

Já no final da entrevista abordámos ainda os riscos que a liberdade corre, mesmo nos países que respeitam a liberdade. Jeremy Waldron transmitiu-nos preocupações pouco comuns, a começar por coisas tão simples como o barulho da música num restaurante, um barulho que impede todos de conversar e pensar. Isso leva-o a levantar hipóteses inquietantes:

“Se calhar estamos a criar um tipo diferente de seres humanos, sem capacidade de pensar e refletir, mas atreitos apenas a pânicos, a reagir a impulsos.”