“Mana, solta a gata” estreia-se na quarta-feira, no Teatro do Bairro, em Lisboa, que o apresenta como “um musical híper realista”. A peça usa as “palavras do quotidiano”, que Adília Lopes transforma em literatura, dá corpo a esse ambiente de solidão, de uma pessoa “que não tem lugar neste mundo como o conhecemos”, “de consumo”, e evoca a fisicalidade presente nos quadros de Paula Rego, como o encenador explica.

“O que se quer dizer com um musical híper realista é que o espetáculo é mais coreográfico que musical, e o híper realismo aparece porque foi uma opção de estilizar e amplificar o real, daí as duas personagens femininas serem homens”, afirmou.

Para o encenador o essencial está “naquilo que não é dito” e é captado pelo ambiente.

“Embora sejam coisas do quotidiano, é entendido como se fosse em câmara lenta”, disse António Pires, responsável também pela adaptação, dramaturgia e conceção cénica.

“As palavras da Adília Lopes são muito do quotidiano, quase pouco dignas para serem chamadas de literatura, mas ela ao estilizar, torna-as literatura; e há o que não se diz, que não está escrito, e que é o mais importante, que é o ambiente”, realçou.

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Esse ambiente “tem a ver com uma solidão, com regras, com uma pessoa, se calhar mais antiga, e que não tem lugar neste mundo como o conhecemos, capitalista, de consumo”.

O raciocínio levou o encenador aos quadros de Paula Rêgo. E o facto de ter escolhido homens para os dois papéis femininos, “prende-se com isso – a fisicalidade inerente a esses quadros, corpos femininos mas muito musculados, quase como se fossem homens”.

“A fragilidade da mulher é antes ingenuidade, e é quase uma provocação ao colocar-se a autora num sítio quase infantil”, acrescentou.

Ao longo da peça, “vão-se construindo imagens, de uma forma muito pictórica para se criar esse ambiente, que era necessário a uns textos que, ditos, são de comédia, mas que necessitam deste ambiente, para não se trair a Adília Lopes”.

O elenco é constituído por Hugo Amaro, João Araújo e Rafael Fonseca. Os figurinos são de Luís Mesquita e o desenho de luz de Vasco Letria.

“O espetáculo é uma coreografia oriental lenta. Mas só tem uma hora e meia e, por isso, passa-se rápido. Têm muito que fazer. Há um homem. É mau. Usa botas, cartola e bigode antigo em [forma de] ‘W’. O homem guarda o espaço onde as mulheres fazem o que têm de fazer”, escreve em comunicado o Teatro do Bairro.

O encenador António Pires dirigiu recentemente Ana Bola, em “Ana Bola sem filtro”, em cena no Teatro-Estúdio Mário Viegas, em Lisboa, até 01 de novembro.

No Teatro do Bairro encenou, em abril último, “Depois da revolução”, para assinalar os 40 anos da Revolução do 25 de Abril de 1974.