Numa altura em que no país vizinho se procura confirmar a descoberta do túmulo do maior escritor de língua espanhola, o jornal El Pais dedica um artigo aos anos misteriosos, mas ao que tudo indica felizes, que Miguel Cervantes passou em Portugal. Na verdade, o autor de D. Quixote terá estado em Lisboa, quando Portugal já estava sob ocupação espanhola, logo nos primeiros anos do reinado de Filipe II. D. Sebastião tinha morrido três anos antes em Alcácer Quibir.

De acordo com o jornal espanhol a passagem de Cervantes por Lisboa, entre 1581 e 1583, é um dos episódios menos conhecidos da biografia de génio literário espanhol. O artigo recorda a capital portuguesa da segunda metade do século XVI como uma cidade “enriquecida e dourada pelo ouro da América do Sul e enfeitada pelas telas do Oriente”. A cidade, que atravessava um período de quarentena por causa da peste, aguardava a chegada do novo monarca com um sentimento misto de contentamento, Filipe mudava a corte para Lisboa, e descontentamento.

Cervantes já tinha então mais de 30 anos e tentava conquistar um lugar de favoritos na corte do monarca espanhol, aproveitando os primeiros momentos do reinado português do rei. Rodeado pelos seus cortesãos, Filipe terá trocado as roupas negras e a gola branca isabelina pelos tecidos ricos e coloridos de Lisboa. Foi neste ambiente de fausto e deslumbramento real que Cervantes chegou à capital portuguesa, onde se terá encantado pela cidade e pelas suas damas. O El Pais cita a frase: “Para festas Milão, para amores Lusitânia”.

O escritor descreve os lisboetas como agraváveis, corteses, liberais e apaixonados, embora discretos. A formosura das mulheres admira e apaixona. Miguel Cervantes ambicionava que Lisboa fosse a porta de acesso a um cargo nas Américas onde pudesse conciliar os seus interesses poéticos e amorosos. Ainda terá sido enviado a uma missão secreta ao Norte de África.

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Mas ao contrário do seu irmão, que lutou do lado espanhol contra o movimento nacionalista nos Açores, Cervantes não estava em condições de prestar serviço militar. Depois de falhar o objetivo de conquistar os favores reais, acaba por regressar a Madrid onde se dedica a sério à profissão de escritor. Nome maior da literatura espanhola, a sua obra mais conhecida, D. Quixote de La Mancha, é considerado o primeiro romance moderno da literatura europeia.

As iniciais do escritor foram encontradas num túmulo numa igreja da capital espanhola que está identificado com o número 1. A descoberta feita este sábado na igreja das Trinitárias em Madrid está a ser investigada com todo o cuidado para confirmar se são os restos mortais de Miguel Cervantes. No túmulo foram encontrados vestígios de outros enterros anteriores e os investigadores terão de realizar testes de ADN.