Na ordem do dia continuava a Grécia e a guinada à esquerda radical. E também o encontro no coração de Madrid promovido pelo Podemos, com um vento que soprava na direção de Atenas. No Estádio da Luz aquela gente ia no sentido oposto e virara à direita radical. É que Maxi Pereira decidiu transformar-se na estrela de serviço. Não só atingiu os 318 jogos pelo Benfica, ultrapassando Carlos Manuel e colocando-se no especial top-20 de jogadores com mais partidas pelo clube, como também marcou e deu a marcar. O Benfica venceu o Boavista (3-0) e, depois do tropeção com o Paços de Ferreira, volta a acertar o passo.

BENFICA: Júlio César, Maxi Pereira, Luisão, Jardel, Eliseu, Salvio, Samaris, Pizzi, Ola John, Lima, Jonas.

BOAVISTA: Mika, Beckeles, Carlos Santos, Fábio Ervões, Afonso Figueiredo, Marek Cech, Indriss, Tengarrinha, Quincy, Uchebo, Zé Manel

No banco dos homens que vestem de preto e branco estava alguém especial para os benfiquistas: Armando Gonçalves Teixeira. Ou Petit, pronto. O antigo médio jogou seis anos com a camisola encarnada e foi campeão em 2005, com Trapattoni. Somente dois homens conseguiram vencer o campeonato no Benfica e Boavista. Sabe quem é o outro? Chegou à Luz em 1990, tem Freking no bilhete de identidade e seguiu viagem para o Estoril, após ano de estreia menos conseguido na equipa de Eriksson. Ainda não? Bom, vamos a isto. A alcunha era Platini, pelo menos no seu país, e rematava, muito, muito, muito forte. É desta? Ora bem, Erwin Sánchez! Os encarnados foram campeões em 90/91 e depois ele repetiu a brincadeira ao lado de Petit, em 2001. Rui Bento só não é o terceiro desta shortlist porque não entrou em campo nas duas vezes em que Eriksson o convocou.

Este foi um jogo de sentido único. Muito Benfica, demasiado, para tão pouco Boavista. Foi fácil. E o andamento dos homens da casa, e o avolumar dos golos, fizeram pairar o fantasma dos 6-1 da última deslocação do Boavista à Luz. O meio-campo dos axadrezados contava com a pedalada de Tengarrinha e Mandiang, mais a experiência do ex-FC Porto Marek Cech, mas não foi suficiente, e até andaram muitas vezes perdidos. Ola John e Salvio fizeram muitos movimentos interiores, abrindo espaço para os laterais, e baralharam o trio rival.

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Sem Gaitán, a esperança estava no talento de Salvio (ou talvez Maxi…). Ou no do coletivo, caso estivessem naqueles dias. E estavam. Houve dinâmica, mobilidade e velocidade. Houve muita vontade de serem protagonistas e maravilhar os adeptos, mas houve também um adversário permissivo, mole, muito longe daquele Boavista que quando metia o pé até fazia faísca. Até quem via pela televisão sustinha a respiração. Belos tempos…

Ola John esteve perto do golo logo aos 8′. Lima ofereceu-lhe numa bandeja, com açúcar, mel, marshmallows, o que quiserem, mas o holandês, como tantas vezes, facilitou. Já na área, tentou picar por cima de Mika e perdeu-se a oportunidade de tranquilizar a equipa. Seguiram-se tentativas de Pizzi e novamente de Ola John, desta vez através de um cruzamento tenso da esquerda. Cheirava a golo. E ele chegou, aos 23′. Depois de um ressalto no corredor central à entrada da área, Maxi, qual vagabundo sem origem nem destino, picou por cima de toda a gente e deixou Lima na cara de Mika. O brasileiro não inventou, nem esperou: chapéu de cabeça, 1-0.

O Boavista estava encolhido. Muito, muito longe da baliza de Júlio César. Era isso que se via quando Quincy, formado no Ajax, e Uchebo recuperavam a bola e desatavam a correr e tentavam invadir o meio-campo inimigo. Na hora da verdade, quando se pedia um bom passe para fazer mossa, as pernas falhavam e o passe saia errado. Foi sempre assim.

Os da casa continuavam por cima e a investir no ataque. O segundo golo chegou aos 33′, por Maxi. Após canto e combinação entre Salvio e Lima, Maxi recebeu e entrou na área, desviou de um rival, tentou colocar com a canhota e viu a bola desviar num defesa, 2-0. A única vez que se viu o Boavista a trocar uns passes foi à passagem do minuto 40. É muito pouco, mas este é também o preço de quem sobe duas divisões de uma só vez. Imaginem um estreante em ginásios chegar a uma máquina e tentar levantar 100 quilos. Bom…

A segunda parte trouxe o terceiro golo do Benfica, uma super-defesa de Júlio César, Gonçalo Guedes e uma má notícia. Antes disso tudo, é justo referir que o Boavista entrou melhor. Aos 51′, Luisão esteve muito perto de festejar o terceiro golo da noite, que chegaria um minuto depois. Samaris aventurou-se numa epopeia do drible, desviou uns quantos adversários, e foi tocado. A falta é inquestionável, mas foi fora da área. O erro do árbitro permitiu a Jonas, de penálti, marcar o 14.º golo pelo Benfica.

O jogo acalmaria. Gonçalo Guedes voltou a ter alguns minutos para mostrar o jogador talentoso e irrequieto que é. Este garoto vive em permanente estado de desassossego, algo tão digno da tenra idade (18). A determinação, essa, é de quem quer vencer na vida. A ver…

Aos 69′, um dos momentos do jogo: Sampaio cabeceou bem, mas Júlio César voou e fechou a porta ao golo do rival, que aqui e ali mostrava melhorias. E coragem, porque não? Quando entrou na Luz, o Boavista tinha sete pontos de vantagem para a linha de água, algo que ninguém adivinharia ou ousaria dizer no início da época.

A péssima notícia, para Jesus, benfiquistas e para quem gosta de desporto, foi a lesão de Júlio César. A coxa direita traiu o canarinho. Os cerca de 40 mil adeptos no estádio aplaudiram-no com emoção. Artur substituiu-o e terminou o que o outro começou: manter as redes da baliza sossegadas, sem motivos para dançar nem agitar.

Muito perto do fim, Salvio, Jonas e Lima ameaçaram a goleada, mas nada feito. Em alta rotação, ou sempre disponível para fazer mossa longe da sua posição, estava Maxi, pois claro. Este ano apresenta-se mais cauteloso, talvez com menos gás, o que o torna mais sereno na gestão do esforço. Mas há coisas que não mudam, e o defesa uruguaio ainda teve de molhar a sopa: levou cartão amarelo já depois da hora. E ainda refilou com o árbitro, chateado, como se não estivesse 3-0 e não tivesse sido uma espécie de Platini de Montevideu que encantou as suas gentes.

Ponto final no Estádio da Luz. Benfica não treme depois do tropeção em Paços de Ferreira e dá uma imagem forte a uma semana do dérbi em Alvalade.