Chama-se Regime Especial de Regularização Tributária (RERT), tem sido muito falado por causa do caso Sócrates e da forma como o seu amigo Santos Silva transferiu 23 milhões de euros da Suíça para Portugal e foi, também, o instrumento usado por dezenas de outros portugueses para trazerem dinheiro para as contas nacionais. Segundo o Jornal de Negócios, entre 2006 e 2012 foram 4,6 mil milhões que chegaram da Suíça para Portugal por esta via sem que a origem do dinheiro tivesse jamais sido questionada. Falamos de um valor cinco vezes superior aquele que o caso Swiss Leaks descobriu relativamente às contas de portugueses no banco HSBC.

De acordo com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI), foram revelados documentos da filial do banco inglês na Suíça que listam 611 clientes associados a Portugal, 220 com nacionalidade portuguesa. Um deles tem depositados 143 milhões de euros e está, segundo o Diário de Notícias, a ser investigado em França. Os documentos foram revelados precisamente porque, entre os clientes de todo o mundo, há traficantes de armas e de diamantes e suspeitos de terrorismo e corrupção. O banco é acusado de permitir esconder dinheiro não declarado aos estados, permitindo a evasão fiscal, e de ignorar a origem dos valores depositados.

Foi em 2006, pela mão de José Sócrates, que foi criada a amnistia que permitia aos portugueses com contas no estrangeiro transferir dinheiro para Portugal. Desde então, e até 2012, foram transferidos mais de 6 mil milhões de euros de vários países, sem que o Estado se preocupasse com a sua origem. O CIJI lembra que nem todos os clientes têm dinheiro com origem duvidosa. Devem ser as autoridades a investigar.

Segundo o Diário Económico, quando este caso foi divulgado, ainda em 2008, o Governo pediu à Suíça uma lista com os nomes dos portugueses com conta naquele banco. Nada chegou. No âmbito da comissão de inquérito ao caso BES, onde se percebeu que também Ricardo Salgado, Manuel Fernando Espírito Santo e José Manuel Espírito Santo tinham beneficiado do RERT, o PCP apressou-se a pedir uma lista de todos os nomes de portugueses que tinham escolhido a mesma forma para trazer dinheiro da Suíça para Portugal. Foi em dezembro. Ainda nada se soube.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Jornal de Negócios refere que, nestes sete anos, os seis mil milhões regularizados “revestiram formas muito diversas, desde dinheiro, passando por participações sociais em sociedades offshore, até fundos de ações e obrigações”. Em 2005, os contribuintes portugueses declararam ter 915 milhões de euros de ativos no exterior, na segunda amnistia, em 2010, o valor subiu a 1,66 mil milhões de euros e, dois anos depois, no último RERT, atingiu os 3,45 mil milhões de euros.

A Suíça foi o “porto de abrigo” mais popular em cada uma das três amnistias. Foi de lá que vieram respetivamente 51%, 73% e 84% dos montantes regularizados, o que perfaz 4,6 mil milhões de euros.

Aos cofres públicos, os negócios permitiram um encaixe de 387 milhões de euros. Aos titulares das contas foi garantida a discrição suíça, a troco do pagamento de uma taxa de 5% (as duas primeiras amnistias do Governo de Sócrates) e de 7,5% (já com Passos Coelho em 2012). Assim se limpou qualquer suspeita de crime de evasão fiscal, por exemplo, ou qualquer outra infração fiscal. Assim sendo, alguns dos clientes portugueses detetados pela CIJI podem já ter transferido dinheiro para Portugal ao abrigo destas amnistias e não incorrem em qualquer crime.

Quem é o homem que divulgou todos os documentos?

“Pela luta que tem travado contra a corrupção a nível mundial, numa posição completamente desfavorável por ele”, lê-se na página do Facebook criada como forma de apoio a Hervé Falciani, o informático que já trabalhou para o HSBC e que tem conseguido chegar a vários documentos confidenciais que podem esconder crimes graves. Foi ele quem entregou os ficheiros ao CIJI.

Hervé Falciani, em entrevista à televisão suíça RTS reivindicou meios para poder continuar a fazer o seu trabalho. Segundo a Lusa, Falciani obteve ficheiros do seu antigo empregador que permitiram a um consórcio internacional de jornalistas, liderado pelo le Monde, expor um imenso sistema de evasão fiscal europeu. O franco-italiano, de 42 anos, é procurado pela Justiça da Suíça por “violação do segredo bancário”.

“Os lançadores de alertas devem beneficiar de uma proteção «não apenas física, mas também profissional, de reputação, jurídica”, disse na estação RTS.

Considerou também que estes informadores merecem um apoio financeiro. «Não se deve ser estúpido. Não se deve ser ingénuo. Somos feitos de carne e osso», declarou. O informático, que foi acusado de ter roubado os ficheiros do HSBC para os vender, negou ter recebido dinheiro. Estimou que outros informadores ou lançadores de alerta podem aparecer se forem disponibilizadas proteções.

“Não sou o único nesta situação que deve ser protegido”, declarou. E disse que defendia a criação de “um estatuto, qualquer coisa que se crie na base das experiências” dos envolvidos, como ele e outros.

Falciani exprimiu ainda o desejo de a Suíça processar o HSBC, à semelhança da França e da Bélgica. “É o mínimo. Espero que ainda lhe reste energia suficiente, depois destes seis anos a investigar a minha pessoa, para inquirir o banco”

falciani

Hervé Falciani pede proteção

Foi em 2006 que o informático, ao serviço da HSBC, sugeriu implementar um sistema informático naquele banco que permitisse detetar crimes de evasão fiscal, como percebeu haver. A direção do banco foi completamente contra e Falciani acabou por fazer uma investigação e reunir prova por conta própria. Dois anos depois tinha material suficiente e apresentou queixa às autoridades, acabou detido para interrogatório.

Libertado, foi para França. Acabou novamente detido, mas desta vez as autoridades francesas decidiram investigar as informações que denunciara. Uma investigação que ainda não terminou. Falciani foi novamente libertado. Depois de viajar para Espanha foi outra vez detido. E agora encontra-se em liberdade. Mas, como diz, precisa de proteção nesta luta.