A última vez que vimos Max Rockatansky, o guerreiro das estradas da Austrália pós-apocalipse, foi há 30 anos, quando desapareceu no horizonte desértico do devastado continente, após fugir da Cúpula do Trovão, derrotar a malvada Aunty Entity e salvar um grupo de crianças. George Miller, o realizador da trilogia “Mad Max”, andava desde finais dos anos 90 a tentar trazer Max de volta num quarto filme, de novo com Mel Gibson no principal papel, mas os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 e as suas consequência económicas e de segurança deitaram abaixo o projecto.

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Miller não desistiu. Ponderou por algum tempo fazer uma animação em 3D, sugeriram-lhe um “remake” do original de 1979, mas o realizador-se decidiu-se por um filme com actores de carne e osso em 3D, que desse nova vida e novo fôlego à série, com o inglês Tom Hardy sucedendo a Gibson no papel de Max. E que, apesar de entretanto o digital ter entrado de rompante no cinema, assentasse essencialmente em cenas de acção reais, recorrendo muito mais a duplos profissionais do que a programas de computador e figuras artificiais.

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Meu dito, meu feito. Rodado no deserto da Namíbia, aí está “Mad Max: Estrada da Fúria”, um “western” de ficção científica pós-queda da civilização, inspirado por Jerónimo Bosch e por uma versão “kamikaze” e balística de “Top Gear”. É um filme em hipervelocidade e hipersaturação visual e sonora, com hiperviolência, hipercrueldade e hiperloucura, que retoma as características narrativas e cinematográficas dos três anteriores, e amplifica-as até ao paroxismo, com a ajuda de 150 duplos que incluem atletas olímpicos e artistas do Cirque du Soleil e uma carrada de veículos-Frankenstein. (Vai passar hoje, fora de competição, no Festival de Cannes)

“Trailer” de “Mad Max: Estrada da Fúria”

Max é capturado pelos esbirros do novo senhor da guerra pós-apocalipse, o temível Immortan Joe, com a sua máscara de oxigénio metálica e cadavérica, que construiu um distorcido e brutal arremedo de sociedade no interior de um enorme rochedo onde tem acesso a água, a Cidadela. Joe dá água às massas que subsistem em condições quase pré-históricas. E recebe em troca a sua reverência, o leite das mulheres mais prósperas, os favores sexuais e os filhos das mais jovens e bonitas, o sangue dos mais robustos, a adoração fanática e as vidas dos jovens, industriados para serem as suas tropas de choque, numa filosofia tosca, misto de farrapos da mitologia nórdica e do espírito das corridas clandestinas, e cujo símbolo é um volante com uma caveira incrustada. Em “Mad Max. Estrada da Fúria”, o armamento e o combustível continuam a ser importantíssimos, vitais, mas agora trata-se também da exploração até ao tutano de outro bem essencial: as pessoas.

Nos bastidores da rodagem

Destinado a ser um “saco de sangue” para os homens de Immortan Joe, Max vê-se no entanto envolvido na fuga de uma das guerreiras favoritas do grotesco tirano, Imperator Furiosa (magnífica Charlize Theron), que transporta numa camioneta blindada e artilhada o harém de jovens e belas parideiras de Joe, e quer atingir a mítica Terra do Verde. A partir daqui, o filme é uma longa, acelerada, cacofónica, alucinada e violentíssima perseguição numa paisagem semi-infernal de tão árida e incandescente, com areia e mais areia no solo, no céu e nos olhos, com estonteantes coreografias de combate rodoviário, com contagem de cadáveres em alta rotatividade e com a câmara de George Miller sempre no coração da acção, ora a precipitar-se das alturas em queda livre, ora a rasar o chão a 200 à hora, ora pairando em panorâmicas de batalha, ora a chocar de frente com as personagens, ao som da música de massacre produzida pela banda de serviço a Immortan Joe, que inclui um guitarrista “death metal” acorrentado a uma parede de amplificadores e de cujo instrumento, além de solos satânicos, saem também chamas. (Os mais sensíveis quererão desviar os olhos na sequência do parto forçado de uma das beldades do harém de Joe, atropelada em plena perseguição.)

Entrevista com Tom Hardy

Entrevista com George Miller

Curiosamente, e talvez por causa da ausência do carismático Mel Gibson, cuja carreira foi lançada pelos dois primeiros “Mad Max” e ficou umbilicalmente ligado à personagem e à nossa identificação colectiva da mesma, o Max Rockatansky de Tom Hardy partilha uma boa parte do protagonismo, da liderança, e da energia e da raiva, com a Imperator Furiosa de Charlize Theron, ambos falando apenas o mínimo necessário no meio da hiperaceleração e da ultraviolência e entendendo-se através dos olhares que trocam. Com um braço a menos, o cabelo rapado e uma determinação de aço inscrita no olhar, a Furiosa de Theron é a mulher de armas (e de volante) desta fita e pede meças ao lacónico Max de Hardy.

Entrevista com Charlize Theron

Aliás, nunca um filme da série “Mad Max” teve tantas mulheres, e tão decididas, agressivas e com espírito de sobrevivência, independentemente de serem novas ou velhas, bonitas ou feias. No final, e apesar do papel desempenhado por Max na história, “Mad Max: Estrada da Fúria” deixa bem claro que, a haver uma esperança naquele mundo destruído, estéril, escaldante, sem piedade, ela está depositada em Imperator Furiosa e nas outras mulheres que sobreviveram à estrada e a toda a sua fúria assassina. Será que se vier a rodar um quinto filme da série, George Miller o intitulará “Mad Maxine”?

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