As atrocidades praticadas pelos nazis durante a II Guerra Mundial continuam a manchar a História da humanidade, com novos dados sobre o extremismo alemão a virem à tona ao fim de setenta anos. Mas há sempre o outro lado a história: e o final da guerra que fustigou o mundo entre 1939 e 1945 foi marcado também pela fúria americana e soviética sobre os soldados da Schutzstaffel (SS) – o grupo militar de Hitler liderado por Himmler (e que o filme “Sacanas sem Lei”  — Inglourious Basterds — de Quentin Tarantino, com Brad Piit, entre ouros tão bem retratou). E um exemplo disso são os acontecimentos por detrás da libertação do campo de concentração de Dachau.

O Daily Mail e o ABC contam tudo. O melhor é mesmo ler estes relatos agora conhecidos, de acordo com uma carta de um médico anestesista do exército americano à sua mulher:

“Não deixem nenhum SS vivo!”

O desembarque de Normandia havia aberto as portas para uma frente de guerra capaz de libertar a Europa do nazismo alemão há um ano. Estávamos a 29 de abril de 1945. Os soldados americanos e soviéticos viajavam até Dachau, a 20 quilómetros de Munique.

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Quando se aproximaram do campo de concentração depararam-se com 39 vagões nas margens da estrada com centenas de corpos mortos. Alguns ainda tinham os olhos abertos e pareciam focar diretamente dos soldados: eram oitocentos dos quase 5 mil prisioneiros que haviam sido transferidos do campo de Buchenwald e que não sobreviveram à viagem de comboio.

Nenhum dos soldados da 20ª Divisão Blindada, da 42ª Divisão de Infantaria e do 7º Exército Nacional ficou indiferente ao que testemunhavam: os corpos atirados na margem da estrada. “Vamos apanhar aqueles cães nazis! Não façam prisioneiros! Não deixem nenhum SS vivo!” ouviu-se entre eles.

Ao entrarem no campo de concentração de Dachau, os soldados americanos encontraram câmaras de gás e fornos prontos para queimar os cadáveres esqueléticos. Preso a um poste, um homem estava a ser devorado por três doberman famintos, sem comer há quatro dias. O comandante Wiley – um anestesista de 30 anos que trabalhava com os americanos – não suportou a náusea quando viu os cães a arrancaram os músculos do homem, o seu coração e pulmões. E foram os seus relatos, numa carta à mulher conhecida há pouco tempo, que revelam todos os horrores.

Crimes de guerra: a história 

Os americanos não guardaram misericórdia ou piedade: massacraram os guardas da SS. Terão sido centenas. Os sobreviventes daquele campo – que tinham sido transferidos de Auschwitz no início de 1945 – viram os crimes de guerra cometidos pelos americanos, aplaudiram e até participaram em alguns assassinatos.

Bill Walsh era um comandante americano. Assim que entrou no campo de Dachau matou quatro guardas da SS num dos vagões onde estavam depositados alguns corpos. Entretanto, aproximou-se de um outro soldado da SS e começou a gritar intensamente, chamando-lhe nomes em inglês. Estava descontrolado: os exames médicos que lhe foram feitos mais tarde demonstraram que estava em estado de histeria.

O, também americano, coronel Felix Sparks deu-se conta e ordenou ao companheiro que parasse. Mas Walsh parecia surdo e não obedeceu: começou a agredir o membro da SS contínua e energicamente com a arma. Sparks aproximou-se agrediu-o na cabeça. Fê-lo perder a consciência e foi a única maneira de Walsh acalmar. Mas foram precisos sete homens para o retirar dali.

O sentimento de raiva dominou o espírito de muitos outros soldados americanos: houve mesmo um que disparou durante quatro minutos sobre o corpo morto de um membro da SS. Numa carta enviada por Wiley à mulher, a 8 de maio de 1945, o anestesista relata que um engenheiro aproximou-se dele e pediu-lhe a arma: queria apontá-la ao rosto de três membros da SS e disparar até ficar com as mãos manchadas de sangue. “Nada me daria mais prazer”, disse o americano a Wiley.

O horror continuou a ser vivido no campo de concentração de Dachau, embora com outros protagonistas, quando 50 soldados da SS foram alinhados numa parede. O Coronel Sparks ordenou aos seus homens que apontassem as metralhadoras, mas que não abrissem fogo. Mas de repente, um dos americanos disparou, contrariando as ordens do superior. Sparks arrastou-o da zona de fogo e questionou o soldado sobre o porquê de ter desobedecido às suas ordens. “Eles estavam a tentar fugir”, mentiu o soldado. O americano matou 17 alemães e fez vários feridos, que foram enviados para o hospital. Mais tarde, veio a descobrir-se que o soldado havia seguido as ordens de Walsh, o comandante descontrolado.

Uma carta reveladora

A carta que o anestesista Wiley enviou à mulher, Emily, deixa saber ainda mais pormenores sobre a chacina levada a cabo em Dachau. São sete páginas de relatos que começam com “meu ser mais precioso”. Depois, conta a história de um menino alemão de oito anos que pisou uma mina, perfurando o intestino em nove zonas, destruindo metade de um pé e ficando com estilhaços em todo o corpo. Na carta, Dachau é para Wiley “a casa da brutalidade da SS”.

Wiley já tinha visto muito enquanto acompanhou as forças americanas na luta durante a II Guerra Mundial: no total efectuou 5 mil intervenções cirúrgicas. E mesmo assim, o que viu em Dachau foi o que mais marcou o anestesista. Por isso é que considerou que a SS “teve o que mereceu”: “Deus me perdoe, mas vi aquilo sem que a emoção me perturbasse depois de saber das ações que as bestas da SS tinham feito”, escreve Wiley para a mulher.

O comandante anestesista também recorda a altura em que os soldados americanos obrigaram alguns membros da SS a permanecerem durante horas na posição de saudação nazi enquanto lhes despejavam blocos de gelo pelas costas. No fim disparavam sobre eles à queima-roupa.

O massacre de Dachau foi reconhecido pelo governo americano e muitos oficiais foram expulsos do exército. Não foi o caso de Sparks, que foi considerado um “bom soldado” pelo general George Patton. Informação que só foi conhecida em 1991, quando as cópias da investigação oficial realizada na altura foi encontrada no Arquivo Nacional.

A carta de Wiley também veio a público quando a filha, Clarice, descobriu a correspondência entre os pais no sótão de casa. Estes relatos também estão presentes no livro “O Último Dia de Hitler”, de Jonathan Mayo e Emma Craigie, que se debruça sobre os eventos que marcaram o fim da II Guerra Mundial.