Uma breve pesquisa prova que a Internet está minada de testes de personalidade. Muitos deles prometem desvendar se o inquirido sofre ou não de psicopatia: se algumas pessoas decidem entrar no teste por mera diversão, outras podem achar que existe um fundo de verdade nas conclusões que saem daquelas perguntas.
É o caso de um teste criado por um professor de Oxford, Kevin Dutton, que foi publicado no site Salon. São onze perguntas que o inquirido deve classificar numa escala de um a cinco e que, em menos de cinco minutos, o posicionam numa escala percentual de nível de psicopatia.
Com perto de 2,8 milhões de participações, Dutton tirou algumas conclusões: diz o professor que a maior parte dos psicopatas gosta de ouvir rap, têm peixes como o animal preferido e são leitores assíduos do Financial Times. Mas será assim tão fácil chegar a estas conclusões?
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a psicopatia é marcada por cinco pontos fundamentais:
- Transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros.
- Desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas.
- O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições.
- Baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade.
- Tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade.
Pode conhecer muita gente que se encaixe em algumas destas características, mas o transtorno de personalidade não é tão comum quanto isso: apenas 2% da população mundial sofre de psicopatia. E ter traços desviantes não significa sofrer dessa doença. Nesse sentido, os testes online podem mesmo induzir em erro.
A maior parte destes testes nem se baseiam em pesquisas empíricas, nem em estudos sobre psicopatia e transtornos de personalidade. Além disso, com alguns conhecimentos sobre o assunto é suficiente para manipular os resultados e análise ser muito subjetiva.
Esta é uma questão que tem preocupado os cientistas. Ao The Guardian, Molly Crockett, uma investigadora do Colégio Universitário de Londres, diz que os especialistas na área temem que estes testes “banalizem um transtorno de personalidade sério e a sua análise adequada”, algo que prejudica tanto o paciente com as vítimas e que retira responsabilidade ao psicopata.
Os testes de personalidade online funcionam com base na autoavaliação, algo que põe em causa a confiabilidade dos mesmos. O facto de este regime não ter sido adotado em contexto judicial em nenhum país só prova que existe uma precisão muito baixa nos resultados: o que por norma se faz em alguns tribunais é uma entrevista realizada por um profissional na área, que depois compara as conclusões que tirou com outras informações que tenha em arquivo para chegar a um diagnóstico e punição adequada.
E como funcionam essas entrevistas? De acordo com a Enciclopédia das Doenças Mentais, os testes fidedignos baseiam-se num diagnóstico chamado “Hare Psychopathy Checklist” com quarenta tópicos. Um psicopata pode encaixar nas características de trinta deles, enquanto uma pessoa normal apenas chega aos quatro.
Conclusão: “Estes testes não são ferramentas válidas para medir uma desordem de personalidade séria que causa grande sofrimento a muita gente”, diz a investigadora Molly Crockett.