A fuga à guerra e as posições anti-belicistas atravessam a vida de artistas estrangeiros que viveram em Portugal, como o casal Delaunay e Hein Semke, cuja obra estará em foco a partir de hoje, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa.

“A vida destes artistas já desaparecidos tem muito a ver com a situação que se vive atualmente no mundo, de guerra e de refugiados”, comentou Isabel Carlos, diretora do Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian.

“O Círculo Delaunay”, que fica patente até 22 de fevereiro de 2016, tem curadoria de Ana Vasconcelos e explora o contexto criativo, surgido em torno dos artistas Robert e Sonia Delaunay, e do qual fazem parte vários artistas portugueses.

O casal viveu um curto exílio em Portugal, em Vila do Conde, de junho de 1915 a janeiro de 1917, juntando em seu redor artistas como Amadeo de Souza-Cardoso, Almada Negreiros, Eduardo Viana, José Pacheco e o pintor americano Samuel Halper.

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De acordo com a curadora Ana Vasconcelos, a exposição resulta de uma investigação na troca de correspondência entre os artistas – ela de origem russa e ele francês – que está na base de várias revelações, como a encomenda de uma pintura mural para ser realizada em azulejo, na fachada do Asilo Fonseca, em Valença do Minho.

“O casal de artistas parece ter sido atraído pelo surgimento da revista Orpheu em Portugal”, apontou Ana Vasconcelos, sobre a escolha de Portugal na sequência da eclosão da primeira Guerra Mundial.

Sonia e Robert ficaram fascinados pela região minhota, e a sua pintura foi bastante influenciada pela cultura popular, as cores dos lenços minhotos e, segundo a curadora, aprofundaram as pesquisas sobre o ‘Simultaneismo’, que cruza determinadas cores para provocar efeitos na perceção.

“Para Robert [Delauney] poder pintar, Sonia viria a criar ateliês de vestuário e de decoração em Paris e em Madrid, que serviram para sustentar o casal, mas também foi um trabalho pioneiro na área do design”, apontou.

Nesta exposição foi reunida uma centena de obras do casal e dos artistas portugueses do seu círculo: meia centena é da coleção do CAM, e as restantes foram cedidas por museus e coleções particulares de França, Espanha, Reino Unido e uma do Museu Metropolitan de Nova Iorque.

“É realmente fantástico que a região do Minho tenha sido lugar de residência destes artistas vanguardistas naquela época”, apontou a curadora, acrescentando que a Corporation Nouvelle foi uma iniciativa deles, para a internacionalização de artistas.

Outro artista que se refugiu em Portugal, mas ao contrário dos Delaunay, fixou residência até ao fim da vida, aos 96 anos, foi Hein Semke (1899-1995).

“Hein Semke. Um Alemão em Lisboa”, exposição com a mesma curadora e patente no mesmo período que a dedicada ao casal Delaunay, vai apresentar aspetos pouco conhecidos da produção artística, e atualizar o conhecimento sobre a obra e o contexto criativo.

Artista quase autodidata – que visitou Portugal em 1929 e que aqui se radicou, nos anos 1930, com a ascensão nazi na Alemanha – a sua vasta atividade artística abarca várias linguagens, da escultura à gravura, pintura, colagens, tendo produzido 34 livros de artista entre 1958 e 1986.

A exposição incide sobre as obras de arte que integraram a doação feita ao CAM, em 2013, pela família, e os livros de artista entretanto doados à Biblioteca de Arte da Fundação.

Semke foi alvo de uma retrospetiva, no Museu do Chiado e na Fundação Arpad Szénes – Vieira da Silva, na passagem dos dez anos da sua morte, em 2005.

“Willie Doherty. Uma e Outra Vez”, com curadoria da diretora do CAM, Isabel Carlos, fica patente no mesmo período no Centro de Arte Moderna (CAM), mostrando, com caráter ontológico, sobretudo o trabalho mais recente do artista nascido em Derry, em 1959, e duas vezes selecionado para o Prémio Turner (1994 e 2003).

Willie Doherty trabalha sobretudo com vídeo e fotografia e, segundo a Gulbenkian, o seu universo é singular, dominado pela tensão entre indivíduo e sociedade e entre natureza e espaço urbano.

Hoje também é inaugurada a exposição “As Casas na Coleção do CAM”, que fica patente até 31 de outubro de 2016, com curadoria de Isabel Carlos e Patrícia Rosas Prior.

A mostra parte da coleção do CAM e reúne obras que relacionam arte e arquitetura, o corpo e a casa, e percorre o século XX, com trabalhos de escultura, pintura, vídeo, fotografia e instalação de artistas como Ana Vieira, José Pedro Croft ou a britânica Rachel Whiteread.

Inclui também obras produzidas recentemente pelo austríaco Heimo Zobernig, a quem o CAM dedicou uma exposição em 2009, o alemão Thomas Weinberger, e os protugueses Gil Heitor Cortesão e Leonor Antunes, que este ano também expôs em Nova Iorque e Berlim, entre outros artistas.